O que estão compartilhando: que o governo e a imprensa italiana pediram para não envolver o país europeu em “fake news” do Brasil, se referindo a um episódio no aeroporto de Roma em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes teria sido hostilizado.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Diversas publicações nas redes sociais têm compartilhado um texto publicado no blog Enrico Zonca (liberi pensieri), como se a autoria fosse do governo ou da imprensa italiana. Na verdade, trata-se de um blog pessoal, sem caráter profissional, oficial ou noticioso. O texto pede que os brasileiros não envolvam os italianos em suas “fake news”. O texto endossa teorias de que o episódio no aeroporto de Roma faz parte de uma “estratégia de vitimização do ministro”.
Saiba mais: No dia 14 de julho, o ministro Alexandre de Moraes e sua família teriam sido hostilizados no aeroporto de Roma por um grupo de brasileiros. No dia 18 de julho, os três acusados — Roberto Mantovani Filho, Andréia Munarão e Alex Zanatta Bignotto — foram ouvidos pela delegacia da PF em Piracicaba, interior de São Paulo. Nesta segunda-feira, 24, o magistrado também depôs sobre o ocorrido na Polícia Federal (PF).
Desde o episódio, publicações nas redes sociais têm espalhado desinformação sobre o caso. O Estadão Verifica já desmentiu, por exemplo, que uma testemunha tenha revelado que o filho de Moraes teria agredido um idoso no aeroporto de Roma.
No dia 24, a Jovem Pan News de Bauru afirmou, no Jornal da Manhã, que um jornal italiano teria pedido que o Brasil não envolvesse a Itália em “travessuras de bairro”. Durante o programa, o apresentador Alexandre Pittoli leu o texto de Enrico Zonca, que não é jornalista. A partir disso, publicações replicaram trecho do noticiário com legendas desinformativas, atribuindo o texto lido ao governo italiano.
O Estadão Verifica tentou contato com a Jovem Pan de Bauru, mas não teve resposta.
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O que diz o texto
Na postagem em texto, Enrico diz que a notícia divulgada pela imprensa brasileira sobre a suposta agressão sofrida por Alexandre de Moraes, do STF, e sua família no aeroporto de Roma faz parte de uma “estratégia de vitimização do ministro”, para criar uma “aura de solidariedade” com uma das “figuras-chave do novo rumo da política” do Brasil. Ele lista supostos argumentos para desmentir o episódio, que ainda está sob investigação das autoridades.
Dentre os tópicos listados, Enrico diz que a suposta agressão aconteceu em um local equipado com diversas câmeras de seguranças, mas que “estranhamente” não existiriam imagens do ocorrido. Isso não é verdade. Conforme noticiado pelo Estadão, a Adidância da Polícia Federal em Roma recebeu, no dia 20 de julho, os arquivos das câmeras de segurança de Fiumicino, Aeroporto Internacional de Roma, que registraram as supostas hostilidades ao ministro Alexandre de Moraes.
Zonca também afirma que os fatos ocorreram na Itália e, por esse motivo, a polícia italiana deveria ter intervindo, e não a polícia brasileira. Ele diz, ainda, que “não faz sentido” a Polícia Federal ter identificado os suspeitos. Na verdade, as autoridades italianas também estão agindo no caso. O pedido de acesso às imagens, por exemplo, foi encaminhado à Itália via cooperação internacional. Além disso, o Código Penal prevê casos de “extraterritorialidade da lei penal”, previstos na Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, sobre crimes cometidos no estrangeiro que ficam submetidos à lei brasileira.
Outro argumento utilizado pelo italiano são as vestimentas utilizadas pelos suspeitos nas imagens divulgadas pela imprensa brasileira. “Os supostos autores do crime estão usando um gorro de lã e um casaco de inverno, o que é absurdo, já que está fazendo cerca de 40 graus em Roma atualmente”, diz, no texto. Na realidade, nas fotos divulgadas pela imprensa, os suspeitos já estavam no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e não em Roma.
No texto, Enrico também anexou duas reproduções de tuítes de Van Liberdade e Bárbara Destefani, do canal Te Atualizei. Os dois perfis costumam compartilhar conteúdos críticos ao ministro Alexandre de Moraes.
Quem é o autor
Conforme descrição em seu perfil no LinkedIn e Facebook, Enrico Zonca é assessore de Urbanismo, Território, Construção Privada, Patrimônio e Simplificação desde julho de 2018, no município de Cinisello Balsamo, localizado a cerca de 12 km de distância de Milão, na Itália. A mesma informação é encontrada em sua página no WikiMilano, portal verificado pelo instituto independente Observatório Metropolitano de Milão.
O assessore — que pode ser traduzido livremente para assessor ou conselheiro — é uma figura política do órgão executivo local na Itália. Ele exerce atividades de decisão política e recebe uma “delegação” para um setor administrativo específico na região. Ele foi vice-presidente da Câmara Municipal entre novembro de 2016 e junho de 2018. O Estadão Verifica entrou em contato com Cinisello Balsamo para confirmar se Zonca ainda é assessore do município, mas não recebeu retorno.
De acordo com uma notícia publicada pelo jornal local Milano Today em 2016, Zonca é caracterizado como um político de centro-direita. A mesma definição foi feita em um texto mais recente, publicado em 2022 pelo jornal La Città. Conforme o editorial do noticiário, Zonca é uma “figura cívica de centro-direita”.
Em seu perfil no Facebook, Enrico já comentou o cenário político do Brasil outras vezes. Em maio deste ano, Zonca comentou a vinda do presidente venezuelano Nicolás Maduro ao Brasil. Na publicação, Zonca disse que o ditador foi recebido com muito “amor e amizade” por Lula. Ele também já fez postagens sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR).
O Estadão Verifica entrou em contato com Enrico Zonca via e-mail, mas não obteve resposta até o encerramento desta checagem.
Como lidar com postagens do tipo: O ocorrido em Fiumicino ainda está sendo investigado pelas autoridades. Nesse caso, postagens espalham um texto desinformativo publicado em um blog pessoal e atribuem a figuras oficiais da Itália, como o governo e a imprensa. Antes de compartilhar a publicação, verifique quem é o autor e busque notícias confiáveis sobre o assunto.
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