Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.
Conteúdo investigado: Vídeo com imagens da prisão de traficantes no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, com locução masculina narrando detalhes da ação. Nas imagens, os criminosos fazem "L" com a mão e sobre a imagem o título informa "Traficantes tiram foto no blindado". Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é citado, mas os comentários da postagem no Kwai associam o símbolo à inicial do nome do ex-presidente e candidato à Presidência da República. No TikTok, a gravação está acompanhada da frase "Traficantes fazem o L". No WhatsApp, um trecho do vídeo circula com uma foto do petista com chifre e a seguinte inscrição: "Esse é meu garoto, mó orgulho de você companheiro!"
Onde foi publicado: Kwai, TikTok, Twitter e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: É falsa a associação criada entre traficantes fazendo a letra "L" em vídeo de reportagem com o ex-presidente Lula, que usa a letra inicial de seu nome na campanha eleitoral. O gesto é uma referência a um líder da facção Amigos dos Amigos (A.D.A), Paulo César Silva dos Santos, conhecido como Linho e que desapareceu no início dos anos 2000. O grupo criminoso, que atua no Rio de Janeiro, é uma dissidência do Terceiro Comando e rivaliza com o Comando Vermelho.
O conteúdo investigado foi compartilhado em plataformas de vídeo sem fazer referência a Lula, porém, induz a interpretações equivocadas pelos internautas, uma vez que a gravação foi cortada, dando destaque aos traficantes que fazem o "L", e não informa o contexto original do material. Apesar de publicada às vésperas do segundo turno, na verdade trata-se do trecho de uma reportagem exibida pela TV Record em 2018 -- isto é, quatro anos antes do atual período eleitoral.
Já no WhatsApp, a mensagem circula com uma foto de Lula, cuja imagem é acompanhada de chifres e uma frase atribuída ao ex-presidente: "Esse é meu garoto, mó orgulho de você, companheiro!"
Imagens do mesmo vídeo também foram usadas na propaganda de TV do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), estabelecendo uma relação indevida dos traficantes com seu adversário na disputa.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e tenha sido divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de outubro, a publicação obteve no Kwai mais de 860 mil visualizações, 48,7 mil curtidas e outros 14,2 mil compartilhamentos. No TikTok, foram 603 mil visualizações e 13,4 mil curtidas, enquanto a postagem no Twitter registrou a menor performance, com pouco mais de 200 interações. Já no WhatsApp, não há possibilidade de medir o alcance.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil Mundo d@s News pelo Kwai, mas não houve resposta até a publicação desta checagem. Também tentou contato com a conta do TikTok que postou o vídeo na plataforma, Willianlima3513, porém, não é possível o envio de mensagens entre perfis que não se seguem mutuamente.
Como verificamos: Buscamos no Google pelas palavras-chaves "traficantes", "sinal", "L" e "Lula". Entre os resultados, o primeiro foi a verificação do De Fato, do SBT, que em setembro já desmentia a relação do gesto feito por traficantes com Lula. A publicação também explicava que o símbolo é usado pela facção A.D.A, numa referência a um de seus líderes, Linho.
A consulta ainda retornou reportagem do The Intercept, que descreve a atuação dos grupos criminosos no Rio de Janeiro e esclarece o uso do "L".
Em uma nova pesquisa, agora com o termo "ADA", entre os principais resultados foram encontrados uma postagem no , de 2020, também falando sobre a simbologia da letra na facção, e um vídeo postado em 2021, no canal do YouTube "A.D.A do Linho", com um funk intitulado "Faz o L Só Quem É A.D.A Até Morrer", que traz essa mesma frase em quatro momentos da composição.
A partir de informações contidas no conteúdo aqui investigado, chegamos ao vídeo original, que é uma reportagem da TV Record sobre a prisão de traficantes no Complexo do Alemão, em 2018.
A reportagem também entrou em contato com o especialista em segurança pública e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lenin Pires para explicar a razão que leva determinado grupo de traficantes a fazer a letra "L" com as mãos, e ainda a assessoria de Lula, para se manifestar sobre o caso, mas não houve resposta.
Por fim, a equipe procurou o responsável pela postagem do vídeo no Kwai, tanto pela ferramenta de bate-papo quanto pelos comentários, mas não houve retorno. A reportagem ainda tentou contato com o perfil que inseriu o vídeo no TikTok, porém a plataforma não permite troca de mensagens entre usuários que não se seguem mutuamente.
O vídeo
O vídeo que circula nas redes sociais é o trecho de uma reportagem da TV Record, veiculada em agosto de 2018 sobre a prisão do traficante Marcos Vinicius Tostes da Silva, conhecido como Pitbull ou MV e apontado pela polícia como chefe do tráfico no Morro do Urubu, zona norte do Rio de Janeiro. A gravação original, que tem 2 minutos e 27 segundos, mostra o criminoso e também outros traficantes fazendo a letra "L" com as mãos em uma foto.
Já o conteúdo investigado tem menos de um minuto e o corte do vídeo destaca justamente o gestual dos criminosos. Em uma das publicações, o trecho é acompanhado da frase "Traficantes fazem o L" e, em outra, está acompanhada da foto de Lula e uma frase atribuída ao presidenciável como se estivesse elogiando Marcos Vinicius.
O que significa a letra L
Ao contrário do que sugere a publicação falsa, a letra "L" usada por traficantes não tem relação com o ex-presidente Lula, mas sim com a facção criminosa Amigo dos Amigos (A.D.A), criada sob a liderança de Paulo César Silva dos Santos, o Linho. A inicial do apelido do criminoso (Linho) foi o que motivou o gestual dos traficantes.
Professor do Departamento de Segurança Pública da UFF, o antropólogo Lenin Pires ressalta que o A.D.A sempre fez o "L", justamente pela alusão a um de seus fundadores. "Linho é uma figura histórica, importante, que procurou estabelecer essa identidade, alternativamente a uma dissidência, um racha em relação tanto ao Terceiro Comando como também a determinados segmentos do Comando Vermelho. No Amigo dos Amigos, o Linho é uma referência", explicou. O traficante desapareceu em janeiro de 2003, em São Paulo, porém, a marca ficou.
Uma reportagem do The Intercept, de dezembro de 2018, sobre facções no Rio de Janeiro já trazia a informação de que os traficantes usavam o "L" como símbolo do grupo criminoso.
Dois anos depois, no Twitter, o The Intercept fez um fio sobre as facções do Rio, mencionando a diferença de comportamento e de vocabulário. Mais uma vez explicava e citava também a utilização de diversos símbolos e expressões que identificam outras facções. Essa é uma prática comum a esses grupos, como mostra reportagem do Extra, de, ao revelar que o "RL" de pichações e citações no Rio era uma referência a Rogério Lengruber, um dos fundadores do Comando Vermelho.
Vídeo de traficantes é usado pela campanha de Bolsonaro
Em uma de suas propagandas de TV, Bolsonaro usa o trecho do mesmo vídeo para tentar estabelecer, de maneira indevida, a relação de Lula com traficantes. A peça trata da votação em presídios e nela aparece o traficante Pitbull fazendo o "L".
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada da propaganda do ar, após atender a petição feita pela equipe jurídica da coligação de Lula que apontava, entre outras irregularidades, manipulação de dados sobre a votação em ambientes prisionais.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. O conteúdo aqui investigado usa imagens de uma reportagem de 2018 para associar falsamente o "L" feito por traficantes ao apoio ao candidato à Presidência da República Lula. A disseminação de peças de desinformação é uma prática nociva à democracia, porque a população tem direito de fazer suas escolhas baseadas em conteúdos confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova tem desmentido frequentemente conteúdos relacionados aos presidenciáveis que concorrem neste segundo turno das eleições. Recentemente, mostrou que a sigla "CPX", em boné usado por Lula, significa complexo (conjunto de favelas) e não tem relação com facção criminosa, que um vídeo afirmando que Lula chamou apoiadores são vagabundos e traficantes é falso, e também que é enganosa a associação de Lula e do PT com apreensão de drogas no Mato Grosso do Sul.
Outras agências de checagem desmentiram conteúdos similares ao verificado, como a De Fato, responsável por revelar que traficantes não fizeram o símbolo de Lula em fotos postadas nas redes sociais, e a Aos Fatos, que desmentiu a invasão de traficantes em seções eleitorais no Rio de Janeiro para obrigar votos em Lula.
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