Desde que o júri do Tribunal de Nova York considerou o ex-presidente norte-americano Donald Trump culpado nas 34 acusações de suborno à ex-atriz pornô Stormy Daniels, no último dia 31 de maio, o juiz que atuou no caso tem sido alvo de ataques por parte do republicano. Juan Merchan, do sistema judiciário de Nova York, fez doações em 2020 a campanhas democratas, incluindo ao atual presidente, Joe Biden, e tem sido apontado por Trump e apoiadores como parcial. A alegação, repetida por Trump desde o dia do veredito, viralizou em publicações nas redes sociais no Brasil. Mas é um exagero, e falta contexto às postagens.
De fato, Merchan doou à campanha de Biden em 2020, mas o valor foi considerado minimis, ou mínimo, pela Corte de Nova York. O magistrado foi considerado imparcial no ano passado. A doação feita diretamente à campanha de Biden através da plataforma ActBlue foi de US$ 15, em 26 de junho de 2020. No dia seguinte, Merchan fez mais duas doações a grupos democratas: US$ 10 ao Stop Republicans e outros US$ 10 ao Progressive Turnout Project, totalizando US$ 35.
Em 2023, quase três anos após as doações terem sido feitas, Merchan consultou a Corte de Nova York para saber se elas representavam um conflito ético diante do caso de Trump. Isso porque, mesmo designado aleatoriamente para o caso, Merchan presidiria o julgamento contra um opositor ao candidato para quem ele havia doado. A Corte decidiu que a imparcialidade de um juiz não poderia ser razoavelmente questionada por doações mínimas feitas há mais de dois anos, e que ele não era obrigado a torná-las públicas.
Doações de juízes são comuns
Merchan não foi o único juiz americano a fazer doações a campanhas políticas, partidos e candidatos. Só em 2020, foram 47.511 doações feitas por pessoas que se declararam como juízes. Os dados são da Federal Election Comission, órgão oficial dos Estados Unidos. As doações vão desde centavos até US$ 999 e contemplam campanhas diretas de candidatos ou de grupos políticos.
As três doações de Merchan foram feitas em 2020 e, somadas, têm valor inferior a US$ 50, que a Corte de NY considera como contribuições “mínimas”.
Em 2024, já são mais de 3,7 mil doações de juízes, que variam de centavos até valores mais vultosos. Há contribuições com valor superior a US$ 1.250, por exemplo, tanto para comitês de campanha democratas quanto republicanos.
No parecer emitido após uma consulta feita pelo próprio Merchan, a Corte de Nova York afirmou que “um juiz deve sempre evitar até mesmo a aparência de impropriedade e deve sempre agir para promover a confiança do público na integridade e imparcialidade do judiciário”.
Entretanto, diz a Corte, “a imparcialidade de um juiz não pode ser razoavelmente questionada com base em contribuições políticas minimis feitas há mais de dois anos”. Ele também não é obrigado a tornar sua contribuição pública, mesmo que ela tenha sido divulgada pela mídia, o que aconteceu em abril do ano passado.
Para a corte, o juiz pode continuar presidindo um processo, desde que acredite que pode ser justo e imparcial. No caso de Merchan, ele disse ter examinado sua consciência e afirmou estar “confiante na sua própria capacidade de ser justo e imparcial”. Mesmo assim, consultou a Corte, que concluiu que a imparcialidade não podia ser razoavelmente questionada naquele caso.
Atividade da filha do juiz não deve ser questionada
Além das doações à campanha de Biden e a grupos democratas, a parcialidade do juiz também vem sendo questionada por Trump e seus apoiadores por conta das atividades da filha de Merchan, que trabalha em uma empresa responsável pelas campanhas de candidatos democratas, chamada Authentic Campaigns.
O juiz também questionou a Corte de Nova York sobre eventuais implicações éticas do trabalho de sua filha em seu julgamento. Isso porque Loren Merchan, filha do magistrado, é funcionária do alto escalão da empresa que atua exclusivamente com campanhas do partido Democrata, opositor ao partido Republicano, de Trump.
Segundo o parecer da Corte, Loren chegou a ser convidada para atuar em uma questão política envolvendo o procurador do caso de Trump, mas recusou o serviço. Para a Corte, a imparcialidade de um juiz não deve ser razoavelmente questionada por conta de atividades do parente de primeiro grau, desde que o parente não tenha “envolvimento direto ou indireto no processo e nenhum interesse que possa ser substancialmente afetado pelo processo”.
O juiz só deveria se declarar imparcial nesses casos quando, por exemplo, um parente de até quarto grau de parentesco “provavelmente será uma testemunha material no processo” ou “tem um interesse que poderia ser substancialmente afetado pelo processo”. Além disso, o juiz não pode permitir que “relações familiares, sociais, políticas ou outras influenciem a conduta ou julgamento judicial”.
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