É falso que associação que denunciou crise Yanomami tenha desviado R$ 33 milhões de verba pública

Texto de blogueiro bolsonarista usa CNPJ de entidade homônima para afirmar erroneamente que Urihi Associação Yanomami foi condenada pelo Tribunal de Contas da União

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

Texto atualizado às 9h49 de 1º de fevereiro de 2023 para incluir resposta do autor do conteúdo

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A Urihi Associação Yanomami, uma das entidades que denunciaram o quadro grave de crise humanitária do povo Yanomami em Roraima, não desviou R$ 33 milhões em verbas públicas destinadas à saúde dos povos indígenas. A alegação falsa foi publicada pelo site Poder DF, com base em um post do blogueiro Oswaldo Eustáquio, que é investigado no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF). O CNPJ citado no texto é de outra entidade, de nome parecido, que foi condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a pagar R$ 33,8 milhões por irregularidades na execução de convênios com o Ministério da Saúde. O presidente da Urihi, Júnior Hekurari Yanomami, não tem nenhuma relação com a instituição condenada.

O texto usado em diversos posts virais nas redes sociais cita um número de CNPJ – 03.272.540/0001-12 – e o atribui à Urihi Associação Yanomami, uma das entidades que denunciou a desnutrição dos indígenas Yanomami que vivem em Roraima, perto da fronteira com a Venezuela. Na realidade, esse número pertence a outra entidade, a Urihi Saúde Yanomami, uma associação privada que, segundo dados da Receita Federal, foi aberta em 1999 e tornada inapta em 2019 por “omissão de declarações”.

 Foto: Reprodução

A Urihi Saúde Yanomami firmou três convênios com o Ministério da Saúde nos anos de 1999, 2000 e 2002 para implantar o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena Yanomami, prestar ações básicas de prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, além de assistência à saúde da população indígena nos polos base de Surucucu, Auaris, Parafuri, Homoxi, Hakoma, Arathau, Demini, Tootobi e Balawau.

Em 2016, o TCU instaurou uma Tomada de Contas Especial para analisar a prestação de contas da entidade, em nome do presidente, Cláudio Esteves de Oliveira. O julgamento, concluído em 2018, apontou “presunção legal de dano ao erário em face das evidências de desvio dos valores federais”. O Tribunal condenou a associação a devolver R$ 33.851.676,25, mas a Urihi Saúde Yanomami encontra-se inadimplente.

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Associação que denunciou desnutrição foi criada em 2016

Quem denunciou o quadro grave de desnutrição vivido pelos Yanomami em Roraima foi outra entidade, a Urihi Associação Yanomami, criada em 23 de fevereiro de 2016. Ela está cadastrada na Receita Federal com o CNPJ 24.292.140/0001-49 sob o nome de Urihi. A palavra significa “mato, floresta” ou “Mundo, terra”, segundo o Dicionário Yãnomamè-Português, publicado em 1987 por Loretta Emiri.

Segundo a associação, a entidade mudou de nome recentemente por um desejo dos diretores, justamente pelo significado da palavra. Quando foi criada, a razão social da empresa era Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima – Hapyr. Atualmente, o quadro societário da associação na Receita Federal conta apenas com o nome do presidente, Júnior Hekurari Yanomami, que não aparece entre os sócios da associação inadimplente, nem é citado no processo do TCU. De acordo com a ferramenta CruzaGrafos, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o CNPJ da Urihi é o único vinculado ao nome de Júnior Hekurari Yanomami.

Júnior aparece em fotos ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, por isso, foi apontado no texto como ligado ao PT. Além de presidente da associação, ele preside o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi-YY). A Urihi Associação Yanomami negou ligação com a ONG condenada e afirmou que quem divulgar inverdades sobre a entidade e seus diretores será processado por calúnia e difamação.

Crise sanitária afeta brasileiros, não venezuelanos

O mesmo site que publicou o texto aqui investigado já havia publicado, logo após o governo federal decretar a situação de emergência em saúde pública no território Yanomami, que os indígenas vítimas da crise humanitária e de saúde eram venezuelanos, e não brasileiros. O Estadão Verifica desmentiu o conteúdo, assim como o fizeram diversas outras agências de checagem.

Agora, o site voltou a se referir a uma senhora Yanomami cuja fotografia viralizou após a denúncia como “venezuelana”, o que não é verdade. O texto também afirma que ela “não recebeu um ‘nome brasileiro’”. No dia 23 de janeiro, Júnior Hekurari Yanomami publicou uma nota de esclarecimento em sua conta no Twitter sobre o caso: “Durante a visita a comunidade Kataroa, nesta última semana, recebemos a informação que a senhora Yanomami da imagem veio a óbito por conta do seu grave estado de desnutrição”, escreveu.

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Ele disse que a comunidade estava ciente de que seria impossível retirar a imagem da senhora de todos os meios de comunicação, mas pediu que a fotografia não voltasse a ser compartilhada por uma questão cultural. “Na cultura Yanomami, após o falecimento, não pronunciamos o nome da pessoa, queimamos todos os seus pertences, e não permitimos que fotografias permaneçam sendo divulgadas”, completou.

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Por e-mail, o autor do conteúdo, Oswaldo Eustáquio, respondeu ao Verifica sobre o fato de a associação citada por ele não ser a mesma que denunciou a situação dos Yanomami: “Trata-se de uma sucessão dos mesmos líderes que apenas trocam nomes, mas a corrupção sistêmica que matou os indígenas não pode ser negada. A informação dos contratos e datas que vocês informam foram postadas por mim. Eu mesmo mostrei que esses contratos são de 2004, inclusive do governo de Lula. Essa informação não pode ser negada”, disse. Na realidade, os contratos com a Urihi Saúde Yanomami foram firmados, como mostrou o Verifica, em 1999, 2000 e 2002, este último com vigência até julho de 2004. Embora a vigência tenha se encerrado no primeiro mandato de Lula, todos os contratos foram feitos na gestão anterior, de Fernando Henrique Cardoso.

Sobre a senhora Yanomami que morreu de desnutrição, Eustáquio disse que “a informação [de que ela era venezuelana] foi confirmada por um deputado bolivariano da Venezuela”.

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