O que estão compartilhando: postagem no Instagram diz que as vacinas contra a covid-19 estão atreladas à elevação de dímero-D no organismo, deixando o corpo constantemente em estado de “hipercoagulabilidade”.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. A elevação do dímero-D no organismo, que indica aumento de formação de coágulos sanguíneos, pode estar relacionada a uma ampla gama de fatores, inclusive idade avançada e gravidez. Por isso, médicos consultados pelo Estadão Verifica afirmam que o teste para analisar seu nível não tem significado algum isoladamente, sendo necessárias outras avalições para entender o contexto clínico do paciente e identificar a que se refere um eventual nível elevado da substância.
Na postagem, não constam outras informações além do resultado de teste com dímero-D elevado de um paciente que teria sido vacinado contra a covid – o que, segundo os médicos consultados, é insuficiente para atrelar a vacina à elevação do nível do substância.
O Estadão Verifica entrou em contato com o responsável pela postagem, mas não teve resposta.
Saiba mais: A postagem é feita por um homem que se diz médico, e afirma que tem aplicado o teste dímero-D em “pacientes que fazem acompanhamento crônico” com ele. Uma das imagens do post mostra parte de um exame que seria de um desses pacientes, com nível elevado de dímero-D. No entanto, ele não oferece qualquer dado que comprove a relação com a vacina. Ele diz, inclusive, que “não são todos os vacinados que estão com eles (dímero-D) elevados”.
Profissionais consultados pelo Estadão Verifica explicam que o dímero-D é uma proteína que se forma após o desfazimento de um coágulo, e sua presença em níveis anormais pode indicar um quadro de aumento de coagulação sanguínea. O exame de dímero-D, que mede o nível da substância no organismo, é classificado no meio médico como sensível e não específico. Ou seja, seu resultado em nível elevado pode estar relacionado a uma série de condições, não podendo ser utilizado de forma isolada como diagnóstico de uma enfermidade.
“Por si só, o dímero-D elevado, observado isoladamente ou fora de contexto, não tem significado clínico algum”, explicou o pneumologista Gustavo Prado, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Isso porque qualquer situação pode fazer ele se elevar, como permanecer longo período acamado, abuso de alguns medicamentos e determinadas doenças crônicas, como insuficiência cardíaca, arterial ou venosa”.
O site da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) lista uma série de condições clínicas que podem resultar em dímero-d elevado, como trombose venosa profunda, embolia pulmonar e infarto agudo do miocárdio, ou mesmo idade avançada, gravidez, queimadura, trauma, cirurgia recente e infecção.
“Por exemplo, se eu testar o dímero-D de um maratonista após uma prova, provavelmente ele vai estar elevado, porque há impacto e ativações inflamatórias no próprio movimento da corrida”, acrescentou o infectologista Marcelo Daher.
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Os médicos explicam que, diante da ampla gama de situações que podem elevar o dímero-D no organismo, o teste para analisar o nível da substância é utilizado clinicamente de forma complementar para ajudar a descartar, caso os níveis estejam normais, casos com suspeita de trombose ou embolia.
“Em um contexto de investigação de quadro de trombose ou embolia, nos interessa mais o resultado negativo (níveis normais de dímero-D) para afastar a hipótese dessas enfermidades do que o resultado positivo”, disse Prado. “Pois, se houver níveis elevados, continuamos onde já estávamos, já que qualquer situação pode fazer o dímero-D se elevar”.
Marcelo Daher complementa: “A alegação de que quem é vacinado tem o dímero-D elevado, isoladamente, não significa nada. A gente precisa ver uma série de outros fatores em relação ao paciente para entender o porquê que ele se elevou”.
Cirurgião vascular do Hospital Moinhos de Vento, Marcelo Melzer acrescenta que qualquer estímulo ao nosso organismo pode ocasionar alterações de dímero-D, inclusive vacinas. Porém, neste caso, de forma transitória. “Sem dúvida, o vírus da covid-19 gera elevação de dímero-D muito mais do que as vacinas”, disse.
Casos de trombose associados à vacina são raros
Vacinas contra a covid-19 com adenovírus em sua formulação (AstraZeneca e Jansen) foram associadas a casos raros de trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS), conforme alerta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2021. No mesmo ano, o Ministério da Saúde divulgou nota técnica com a informação de que, nos países europeus, foram registrados 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, em 0,001% dos indivíduos vacinados.
“O vírus da covid acarretou bem mais eventos trombóticos do que a vacina”, disse Melzer. “Dessa forma, exceto nos casos associados a trombose com trombocitopenia, não há dados de qualidade que sustentem a ideia de que a vacina cause elevação persistente do dímero-D. Os pacientes não vacinados estiveram mais propensos à forma grave da doença e eventos trombóticos de alto risco”.
O que diz o autor da postagem
Apesar de afirmar ser médico, o responsável não informa no perfil seu número de registro em Conselho Regional de Medicina. Em uma consulta no site do Conselho Federal de Medicina (CFM), não foi possível confirmar se ele possui registro ou não. Em seu perfil, ele advoga o uso de anabolizantes e posta imagens de corpos musculosos. Em 2023, o CFM proibiu a prescrição médica de esteroides e anabolizantes para fins estéticos, de ganho de massa muscular e de desempenho esportivo.
O Estadão Verifica entrou em contato com o responsável pela postagem.
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