PUBLICIDADE

Vacinação é recomendada mesmo para quem já pegou covid-19

Vídeo nas redes desinforma ao sugerir que estaria ‘provado matematicamente’ que é melhor não tomar as doses

PUBLICIDADE

Foto do author Samuel Lima

Um vídeo que circula nas redes sociais desinforma ao sugerir que estaria “provado matematicamente” que pessoas que já tiveram covid-19 não devem se vacinar. A recomendação dos órgãos de saúde é justamente o contrário: todas as pessoas devem receber as doses conforme forem disponibilizadas para a população, mesmo que tenham se infectado anteriormente.

O Ministério da Saúde orienta que pessoas com mais de 40 anos completem o esquema vacinal (duas doses para Pfizer, Astrazeneca e Coronavac e uma para Janssen) e recebam duas doses de reforço em um intervalo de quatro meses cada. Para o público de 12 a 39 anos, recomenda-se o esquema primário mais uma dose de reforço. A vacinação infantil segue calendário próprio.

Aplicação da dose de reforço contra covid em São Paulo. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

PUBLICIDADE

Em caso de contágio recente, a pasta orienta esperar 30 dias após o começo dos sintomas ou do teste positivo para a vacina ser aplicada. As pessoas também não devem se vacinar caso continuem apresentando sintomas respiratórios.

Recentemente, o Ministério da Saúde passou a disponibilizar vacinas bivalentes contra a covid-19, que possuem em sua composição a cepa original do coronavírus e subvariantes da ômicron. Ela está sendo aplicada, no momento, em grupos prioritários com esquema vacinal primário completo, respeitando o prazo mínimo de quatro meses desde a última dose recebida.

Estudos indicam que vacinas ampliam a proteção

O vídeo analisado nesta checagem foi gravado originalmente em janeiro de 2021, mas foi repostado pelo médico Roberto Zeballos em 19 de março, desqualificando diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Nele, Zeballos alega que o nível de proteção conferido por uma infecção prévia chegaria a “99,5%” e seria superior a de vacinas.

“É óbvio que quem já pegou a doença não tem indicação de vacinação, porque (a proteção) é muito maior (do que as vacinas). O CDC depois de três meses está mandando vacinar, mas eles estão subestimando as defesas naturais. Quando se pega essa informação, você matematicamente prova que é melhor não tomar de novo quem já teve”, diz Zeballos na gravação.

Na época em que o vídeo foi gravado, o Brasil estava completando duas semanas do início da campanha de vacinação e enfrentava uma alta na curva de mortes, superando mil óbitos por dia. Em abril, diante do ritmo lento de vacinação, a pandemia chegou ao momento mais crítico no País, com média móvel acima de 3 mil mortes diárias.

Publicidade

Ainda que seja um consenso na comunidade científica que uma contaminação prévia por covid-19 tem o potencial de gerar imunidade e proteger contra uma nova infecção, isso não quer dizer que a vacina seja dispensável. Diversos estudos apontam que as pessoas podem se beneficiar das vacinas mesmo nesses casos.

O médico Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ressalta que a recomendação, independentemente de ter tido covid-19 antes, é de “colocar a vacinação em dia”. O principal motivo é que essa proteção conferida por uma infecção prévia, assim como no caso das vacinas, tende a decair com o tempo — seja pela queda no nível de anticorpos ou pela presença de novas variantes capazes de driblar as defesas do organismo.

Em tese, quem ficou doente com a primeira cepa do vírus apresenta maior risco de adoecer de novo quando encontra a ômicron, por exemplo. Estudo recente publicado na revista científica The Lancet reforça essa hipótese. O mesmo vale para quem testou positivo ou recebeu as primeiras doses da vacina há vários meses. Dados indicam que a imunidade em ambos os casos pode se tornar menos efetiva, o que justifica a aplicação de doses de reforço.

Segundo o MS, mais de 4,1 milhões de pessoas já tomaram o reforço com as vacinas bivalentes.  

Outro fator a ser considerado é que as vacinas bivalentes, que começaram a ser aplicadas agora no Brasil, foram desenvolvidas a partir da cepa original do vírus e atualizadas para contemplar linhagens da ômicron, predominante no mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). As novas vacinas não apenas lembram o sistema imunológico de como combater o vírus, mas também melhoram a resposta contra essa variante para quem não teve contato com ela até o momento.

Cunha destaca ainda que pessoas que não se vacinaram e nem pegaram covid-19 correm um risco desnecessário de contrair quadros graves da doença, que podem levar a sequelas e óbito. Aqueles que se infectaram em algum momento e não tomaram as doses, por sua vez, perdem a chance de desenvolver uma proteção mais robusta, a chamada imunidade híbrida.

Artigo publicado na revista The Lancet, em janeiro deste ano, indica que, em um cenário de predominância da ômicron, pessoas que tiveram covid-19 e também se vacinaram estão mais protegidas do que aquelas que se recuperaram da doença, mas não foram inoculadas com o medicamento. O resultado vale tanto para novos contágios quanto para quadros graves e mortes. Outras pesquisas sugerem ainda que a imunidade híbrida é mais robusta e duradoura do que apenas ter tido covid-19.

Artigo acende o alerta contra a ômicron

O principal estudo a avaliar a imunidade natural, ou seja, a proteção conferida por uma infecção prévia de covid-19, foi publicado na revista científica The Lancet, em março deste ano. Em uma revisão sistemática e meta-análise de outras 65 pesquisas em 19 países, os autores estimaram que uma infecção prévia conferia cerca de 82% de proteção para as variantes ancestral, alfa, beta e delta e que, dentro de 40 semanas, esse percentual caía a 78%.

Publicidade

Para uma das primeiras linhagens da ômicron (BA.1), porém, a proteção era de apenas 45,3% e chegava a 36,1% dentro de 40 semanas. Derivações mais recentes não puderam ser avaliadas por falta de dados. Apesar disso, os níveis de proteção permaneciam altos para a doença grave (aquela que demanda atendimento hospitalar e/ou resulta em mortes). Para a ômicron, o risco foi reduzido em 88,9%, e para as demais, em 90,2%.

Os autores entendem que, dessa forma, as autoridades deveriam levar em conta a população recuperada da covid-19 ao elaborar políticas públicas, incluindo a fila de vacinação para doses de reforço. Mas, deixam claro que os resultados não devem desencorajar a vacinação — que traz benefícios inclusive para quem já teve a doença no passado, conforme indicam outros trabalhos médicos.

Cientista prepara amostras para sequenciar variante Ômicron na África do Sul. Foto: Jerome Delay/AP - 08/12/2021

“A vacinação é importante para proteger populações de alto risco, como pessoas com mais de 60 anos; aquelas com comorbidades; pessoas que não foram previamente infectadas ou vacinadas; e aqueles que foram infectados ou receberam a última dose de vacina há mais de seis meses”, declarou Stephen Lim, pesquisador da Universidade de Washington e principal autor da pesquisa, para a agência Aos Fatos.

A presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e professora na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Natalia Pasternak, reforça esse ponto. Segundo ela, apesar de a imunidade natural - adquirida por infecção - proteger de maneira equivalente a duas doses de vacina de RNA, essas mesmas duas doses de vacina não são suficientes para garantir proteção contra a covid-19. “Mesmo com a vacina, a imunidade começa a cair depois de um tempo, e isso também ocorre com a imunidade natural adquirida por infecção”, diz.

Natalia explica que o estudo da Lancet mostra que a imunidade natural protege contra hospitalização e morte por ao menos 10 meses, no entanto, essa proteção não exclui a possibilidade de reinfecção por novas variantes — o que também ocorre com as vacinas, por isso os imunizantes conhecidos como bivalente foram desenvolvidos.

“A informação científica sobre a imunidade natural garantir proteção contra hospitalização e morte não deve ditar uma conduta”, acrescenta. “Não é por isso que as pessoas precisam se colocar em risco para serem contaminadas, é brincar de roleta russa com a saúde.”

O que diz o médico que divulgou o vídeo

O vídeo analisado nesta checagem foi publicado pelo médico imunologista Roberto Zeballos, que atua em São Paulo. Trata-se de uma entrevista gravada em 30 de janeiro de 2021 e divulgada pela jornalista Leda Nagle. Ele ficou conhecido ao longo da pandemia por criticar as vacinas e defender o uso de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Publicidade

Procurado pelo Estadão, Zeballos argumentou que não vê benefício na vacinação de pessoas que já tiveram a doença, citando possíveis efeitos colaterais das vacinas. “Não vale o risco descrito pelos fabricantes em quem já teve a doença”, disse. A grande maioria das reações adversas são de caráter leve, mas de fato existe a possibilidade, mesmo que rara, de quadros mais graves. Segundo o Ministério da Saúde, os benefícios da vacinação superam os riscos.

O médico também encaminhou uma nota por meio de seu advogado dizendo que, ao alegar que o nível de proteção em quem já teve a doença era de 99,5%, baseou-se em um estudo divulgado na plataforma PubMed, em dezembro de 2020. A pesquisa analisou retrospectivamente a quantidade de casos de covid-19 em profissionais de saúde de Newcastle, na Inglaterra. Enquanto aqueles que haviam sido infectados na primeira onda não tiveram novos casos no final daquele ano, foram notificados 290 no grupo que ainda não tinha histórico da doença.

O material não pode ser comparado diretamente com estudos que resultaram na aprovação das vacinas, pois estes passaram por uma metodologia mais rigorosa — ensaios randomizados, controlados e duplo-cego (quando nem médico, nem paciente sabem quem recebeu vacina ou placebo). Além disso, a pesquisa encaminhada não verifica o nível de proteção de quem pegou a doença e depois tomou a vacina. Dessa forma, não há como sustentar que não haveria benefício em receber as doses, como sustenta Zeballos.

O médico já teve alegações verificadas antes pelo Comprova e pelo Estadão Verifica. Em janeiro do ano passado, uma matéria publicada pelo site UOL mostrou que ao menos 20 professores de medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - instituição na qual Zeballos é formado - assinaram uma carta aberta contra as declarações feitas pelo médico contra as vacinas de covid-19.

Na nota enviada por seu advogado ao blog, Zeballos diz que vários de seus posicionamentos “foram indevidamente classificados como negacionistas” ao longo da pandemia. Ele menciona a teoria de que o coronavírus poderia ter vazado de um laboratório da China, da qual até o momento não há comprovação. Disse ainda que tem “compromisso com a ciência e com os seus pacientes” e que “espera não ter que adotar as medidas cabíveis contra eventuais reportagens injustas e ofensivas à sua imagem e reputação”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.