Não, USP não tem ala exclusiva para tratar pacientes com reações às vacinas de covid

Centro de referência de imunobiológicos existe desde 2001, em Ribeirão Preto, e é voltado a qualquer imunizante aplicado no Brasil

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Foto do author Luciana Marschall
Atualização:

Não é verdade que o Hospital das Clínicas da USP, em Ribeirão Preto, tenha um setor exclusivo para tratar pacientes com sequelas de vacinas contra a covid-19. Em um vídeo viral compartilhado pelo WhatsApp, um homem diz que no hospital “existe uma ala só para tratar das pessoas com complicações e reações adversas da vacina contra a covid”, referindo-se ao Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Esta unidade existe desde 2001 e faz parte do sistema de monitoramento e segurança de todos os imunizantes aplicados no Brasil. O hospital negou que tenha atualmente qualquer paciente internado por complicações decorrentes das vacinas de covid-19.

Centro de referência de imunobiológicos existe desde 2001, em Ribeirão Preto, e é voltado a qualquer imunizante aplicado no Brasil Foto: Reprodução

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No vídeo viral, o homem também espalha alegações falsas que já foram desmentidas, como chamar as vacinas com tecnologia RNA de “terapia genética” e citar um suposto número alto de problemas cardíacos. Há ainda citação à teoria da conspiração de que Bill Gates teria confessado um plano para dominar a população mundial por meio dos imunizantes.

Leitores solicitaram esta checagem por WhatsApp, no número (11) 97683-7490.

Ambulatório no Hospital das Clínicas é destinado a todas as vacinas

Os Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) foram instituídos pelo Ministério da Saúde, em 2000, para atender às parcelas da população que possuem restrições e indicões específicas quanto à aplicação de vacinas. Pessoas portadoras de imunodeficiência congênita e infectadas pelo HIV, dentre outras. Os centros também apoiam a investigação de casos suspeitos de eventos adversos pós-vacinação.

Qualquer alteração clínica ou laboratorial que ocorra temporalmente após o paciente receber uma dose é considerada com uma possível reação adversa. Mas só é considerada como causada por um imunizante após análise criteriosa das autoridades médicas que confirme a relação causal.

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Ambulatório foi instituído pelo Ministério da Saúde em 2001.  Foto: Hospital das Clínicas/Divulgação

Em 2021, o ambulatório da USP Ribeirão Preto ampliou a sua atribuição para avaliar também os casos associados à campanha de vacinação contra o coronavírus. Apesar disso, atualmente não existe nenhum paciente internado por sequelas destes produtos.

Uma equipe de pesquisadores do centro publicou um artigo com a análise dos dados relacionados aos atendimentos por vacinação contra a covid-19 referentes ao ano de 2021. Durante o período foram avaliadas 137 situações e, dentre elas, 34 (28,8%) foram consideradas graves. Ao final da análise, os pesquisadores consideraram poucos os casos e avaliaram que eles se assemelham ao descrito em literatura, demonstrando baixo percentual de gravidade das reações após vacinas contra a doença.

Segundo a assessoria de imprensa do hospital, não houve ao longo da história uma campanha de proporções tão grandes como a da vacinação contra coronavírus, quando um enorme número de pessoas foi vacinada ao mesmo tempo no mundo todo. “Quando analisamos os eventos adversos relacionados às vacinas contra covid-19 e comparamos com os outros eventos relacionados a outras vacinas não encontramos diferenças significativas”, afirma a nota enviada ao Estadão Verifica.

Vacina contra a covid-19 não é uma terapia genética

A alegação feita pelo autor do vídeo de que as vacinas contra a covid-19 são uma terapia genética já foi amplamente desmentida. Conteúdos desinformativos sobre o assunto costumam estar associados aos imunizantes que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro, ou seja, aqueles que ensinam as células a produzir uma proteína que desencadeará uma resposta imunológica no corpo. Essa tecnologia é considerada segura e utilizada também em outras vacinas, como a da gripe e a da Zika. No Brasil, contra o coronavírus, é adotada a vacina da Pfizer, desenvolvida desta maneira.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou esclarecimento sobre o assunto em sua página oficial, explicando que as vacinas que empregam o código genético do vírus Sars-CoV-2 (vírus da covid-19) não são produtos de terapia gênica porque não são utilizadas cópias de genes humanos na composição.

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O órgão cita, ainda, que agências reguladoras internacionais, como a Food & Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos e a European Medicines Agency (EMA) da União Europeia, excluem as vacinas de material genético de agentes infecciosos do grupo de produtos considerados de terapia gênica.

Casos de tromboses entre vacinados são raros e benefícios superam os riscos

Casos raros de trombose em combinação com trombocitopenia (TTS) – quando ocorrem coágulos sanguíneos junto de baixos níveis de plaquetas – após vacinação com os imunizantes que utilizam adenovírus na composição são conhecidos desde junho de 2021. No Brasil, foram adotadas duas vacinas com essa tecnologia, AstraZeneca (Oxford/Fiocruz) e Janssen (Johnson & Johnson).

A Anvisa manteve a recomendação da continuidade da vacinação com os imunizantes, dentro das indicações descritas nas bulas da AstraZeneca e da Janssen. A agência regulatória considerou que os benefícios da imunização superam os riscos do uso dos produtos. Já há evidências científicas robustas que apontam que o risco de complicações cardíacas é muito maior ao se contrair a covid-19 do que se imunizar contra ela.

A Anvisa mantém a recomendação da continuidade da vacinação com os imunizantes. 

Isso já foi explicado pelo Projeto Comprova, iniciativa de checagem da qual o Estadão Verifica faz parte. Conforme a publicação, um boletim epidemiológico divulgado pelo governo federal no final de 2021 mostrou que o risco de óbito pela doença é 56 vezes maior do que o risco de ocorrência de um evento adverso relacionado à vacinação.

Em relação à trombose com trombocitopenia, especificamente, a incidência aproximada de casos é de 1 a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, 0,001% dos indivíduos vacinados.

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Não há dados oficiais sobre aumento de mortes em atletas vacinados

A afirmação de que houve aumento de mortes súbitas entre atletas vacinados contra a covid-19 também não é novidade. No conteúdo aqui verificado, o autor diz terem sido registrados 1.800 casos em dois anos de vacinação, mas sem informar a fonte do dado. Pesquisas feitas na internet em português e inglês, contudo, não identificaram resultados neste sentido.

Em janeiro de 2022, um ano após ser iniciada a vacinação contra a doença, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) publicou informe sobre o assunto destacando não haver evidência científica demonstrando qualquer tipo de elevação no número de casos acima dos índices habituais. “Não há nenhum dado que mostre uma associação entre vacinas contra a SARS-COV2 e mortes súbitas em atletas ou em praticantes de atividades físicas intensas e/ou frequentes”, diz o comunicado.

Naquele momento, embora houvesse relatos em publicações científicas levantando a possibilidade de associação entre as mortes súbitas e as vacinas, a sociedade os avaliou como muito raros e insuficientes para sustentar uma consistente relação de causalidade.

Recentemente, em janeiro deste ano, a agência FactCheck.org, ligada à Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, desmentiu conteúdo semelhante circulando naquele país. Ao veículo, o diretor do Centro de Medicina para Cardiologia Desportiva da Universidade de Washington, Jonathan Drezner, afirmou não ter havido aumento de parada cardíaca súbita ou morte em atletas devido às vacinas contra a covid.

O Centro Nacional de Pesquisa de Lesões Esportivas Catastróficas, que cataloga lesões em atletas do ensino médio e universitários, relatou que os números de mortes são os mesmos se comparados os anos de 2020 a 2021 e de 2021 a 2022. A agência publicou um relatório da entidade informando que no primeiro período foram registradas 21 pessoas mortas enquanto praticavam esportes. Acontece que as vacinas para pessoas com idades acima de 16 anos foram disponibilizadas apenas em abril de 2021 e entre este ano e 2022 não houve aumento, segundo informou o centro ao veículo, sem informar o número total. A direção do centro ressaltou, no entanto, ter sido um número menor, inclusive, que o registrado entre 2018 e 2019, quando ocorreram 25 casos.

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Outra fonte ouvida pela agência, Curt Daniels, diretor do programa de cardiologia esportiva da Faculdade de Medicina da Universidade de Ohio, explicou que o grupo de cardiologistas que supervisionam a saúde de atletas é considerado pequeno e se comunica frequentemente, não havendo, neste meio, a impressão de um aumento nos eventos de morte súbita, mesmo diante da alta taxa de vacinação entre eles, já que organizações das quais fazem parte exigem a imunização.

Anvisa nega que vacinas bivalentes foram testadas “apenas em ratos”

A Anvisa afirmou ao Estadão Verifica não ser procedente a afirmação de que as vacinas bivalentes tenham sido testadas apenas em ratos. Em novembro de 2022, a Diretoria Colegiada da agência aprovou o uso temporário e emergencial de duas vacinas bivalentes da Pfizer para doses de reforço na população a partir de 12 anos. Estes imunizantes oferecem proteção contra mais de uma cepa do vírus.

Em 2022, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou o uso temporário e emergencial de duas vacinas bivalentes da Pfizer. Foto: Mariana Leal/Anvisa

A BA1 protege contra a variante original e também contra a variante Ômicron BA1 e a BA4/BA5 contra a variante original e também contra a variante Ômicron BA4/BA5.

De acordo com a agência, durante a avaliação destes imunizantes foram analisados estudos não clínicos, estudos clínicos de segurança e imunogenicidade em seres humanos, a totalidade de dados obtidos no desenvolvimento não clínico e clínico da vacina Comirnaty e os dados pós comercialização da versão anterior da vacina Comirnaty, que já estava em uso. “Todas as vacinas autorizadas pela Anvisa para covid-19 ou qualquer outra doença possuem dados positivos de eficácia e segurança”, destaca.

Em dezembro do ano passado, o Estadão explicou detalhadamente como esse tipo de vacina funciona. A experiência de se ter uma vacina contra diferentes variantes ou doenças não é nova. No Brasil, são utilizadas vacinas trivalentes e tetravalentes contra a influenza, o vírus da gripe.

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Bill Gates não disse que controlaria a população mundial através de vacinas

A afirmação feita no vídeo em relação a Bill Gates, fundador da Microsoft, é a reciclagem de um boato já desmentido pelo Estadão Verifica em 2020. Na ocasião, uma postagem que circulava no Facebook apresentava trechos de um vídeo do empresário e afirmações sobre uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), financiada pela Fundação Bill & Melinda Gates, para alegar que a pandemia fazia parte de um plano para “escravizar a humanidade”.

À época, foi demonstrado que no vídeo original Gates não faz a afirmação alegada. Tampouco era verdade que cientistas tivessem criado uma “marca de identificação e registro de vacinas” que envolveria um “chip” e um “sistema de rastreamento” e que, no fim das contas, essa tecnologia alteraria o DNA da população.

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