Vídeo cita demissões em várias partes do mundo e engana ao associar à carga tributária brasileira

Além de citar desligamentos que não ocorreram só no Brasil, conteúdo troca nome de empresa e cita dados descontextualizados

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Foto do author Clarissa Pacheco

O que estão compartilhando: que empresas estão demitindo em massa no Brasil e impostos são o maior motivo para que isso aconteça, além da falta de incentivo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Nos casos citados pela autora do conteúdo, as demissões foram motivadas por reformulações, quedas nas vendas, estratégia de redução de custos iniciada em 2022 e até diminuição do interesse pelo serviço oferecido — como é o caso do LinkedIn. Nem todas as demissões citadas no vídeo aconteceram no Brasil: há desligamentos em nível global e outros concentradas na China ou previstos para Estados Unidos e Canadá.

Foto: Arte/Estadão Foto: Foto: Arte/Estadão

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Saiba mais: No vídeo, a advogada tributarista, empresária e influenciadora Carina Raubach cita exemplos de empresas que teriam feito demissões em massa no Brasil recentemente e que os impostos seriam a principal causa das demissões. Os exemplos citados no vídeo, contudo, não sustentam o argumento. Além disso, foram usados dados descontextualizados ao longo da publicação.

Procurada pelo Verifica, a autora do vídeo reconheceu um equívoco ao citar um dos casos e publicou um novo vídeo fazendo uma retratação ainda na noite de quinta-feira, 14. Ela também argumentou que não disse que os impostos eram a única causa das demissões. “Sobre os impostos, o aumento dos impostos, eu falo que é um dos motivos, não falo que é o único motivo. E ali no meu Instagram, eu coloco muitas coisas, o meu ponto de vista, porque além de ser advogada tributarista, eu também sou empresária e sinto na pele a dor dos impostos”, disse.

Após ser apontado que, nos exemplos citados no vídeo, os impostos não eram mencionados como causa das demissões - e que parte delas aconteceu fora do Brasil — Carina reforçou o argumento. “Eu acredito, sim, fielmente, que o maior [fator] deles é os impostos. Se tu falar com qualquer empresário, tu vai ver que a maior dor deles são os impostos. Então, é, ao meu ponto de vista, um dos fatores, se não for o maior deles”, completou. O vídeo original foi apagado.

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O vídeo inicia com a autora dizendo que avisou que algo iria acontecer. Ao fundo, aparece o título de uma reportagem da CNN sobre a demissão de 5.500 pessoas na última semana. A próxima é uma matéria da revista Exame sobre o que disse o CEO do Spotify ao anunciar a demissão de 1.500 funcionários da empresa.

A esses, seguem outros exemplos de como, segundo a autora do vídeo, a alta carga tributária brasileira vem sufocando empresários e levando a demissões em massa em empresas como Americanas, Spotify, LinkedIn, Amazon. Os títulos são verdadeiros, mas as razões para as demissões não são, necessariamente, a alta carga tributária. Boa parte das demissões não atinge apenas brasileiros.

O Estadão Verifica mostrou, nesta verificação publicada em setembro, que a maneira mais adequada de comparar carga tributária entre países é através do peso de impostos em relação ao PIB. Em 2021, a carga tributária total brasileira representou 33,9% do PIB, enquanto a média dos países da OCDE foi de 34,1%. Na América Latina e no Caribe, a média fica em 21,7% do PIB.

Já a carga sobre o consumo é uma das maiores do mundo, e deve permanecer entre as maiores caso a reforma tributária seja aprovada, o que ainda não aconteceu. O texto ainda terá que ser votado na Câmara uma segunda vez. Mesmo que a reforma seja sancionada este ano, as novas regras serão implantadas gradualmente até 2033.

Americanas e Spotify

A primeira matéria a aparecer no vídeo foi publicada em 7 de dezembro deste ano pela CNN e trata da demissão de 5.526 pessoas entre 27 de novembro e 3 de dezembro pelas Americanas, empresa que está em recuperação judicial. Isso inclui desligamentos voluntários e término de contratos temporários.

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O vídeo não cita que, segundo a reportagem da CNN, “o número absoluto de desligamentos ficou em linha com os períodos anteriores à recuperação judicial”. Além disso, a empresa informou ter feito novas 359 contratações e aberto 7 mil vagas temporárias para reforçar as operações de final de ano.

Americanas anunciou demissão de 5.500 pessoas na última semana de novembro, mas abriu 7 mil vagas temporárias para o final do ano. FOTO: PEDRO KIRILOS / Estadão Conteúdo  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Já o caso da Spotify, noticiado em 4 de dezembro pela revista Exame, não inclui demissões apenas no Brasil. A reportagem não menciona carga tributária brasileira para justificar os desligamentos. O texto da Exame aponta que o CEO da empresa, Daniel Ek, comunicou que cerca de 1.500 funcionários – dos 9 mil globais da empresa – seriam desligados nos próximos dias e que a decisão tinha a ver com uma “resistência” da empresa à queda de assinantes que afeta empresas de streaming.

Um trecho da reportagem diz: “O CEO explicou que a decisão se baseou na necessidade de alinhar os custos operacionais aos objetivos financeiros da empresa. Os cortes financeiros também são reflexo do recuo de uma aposta cara em podcasts e audiolivros, que já havia levado à demissão de cerca de 800 funcionários no início de 2023″.

Empresa no Rio Grande do Sul

Outro caso citado pela autora do vídeo é o de uma empresa que teria demitido o equivalente a 25% da população onde está instalada, no Rio Grande do Sul. Mas praticamente todas as informações apontadas no vídeo estão equivocadas, começando pelo nome da empresa. Segundo a autora, as demissões teriam acontecido na Agrovale, mas esse é o nome de uma fábrica de açúcar na Bahia.

A reportagem usada pela autora do vídeo se refere à fábrica da Vence Tudo, uma indústria gaúcha de implementos de máquinas agrícolas, e foi publicada em 26 de novembro pelo site Agora no Vale. O texto aponta que a empresa anunciou a demissão de 500 funcionários e que, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de Ibirubá, as demissões teriam sido justificadas pela queda nas vendas, influenciada pelo alto índice de juros.

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Na mesma matéria, a Vence Tudo nega os dados e afirma que demitiu, ao longo de todo o ano de 2023, 278 funcionários, sendo 41 desligamentos solicitados pelos próprios trabalhadores. A empresa também disse, em nota, que contratou 25 funcionários para áreas específicas e abriu processo seletivo para contratar mais 20 colaboradores.

Por fim, o texto não diz que as 500 demissões correspondem a 25% da população da cidade onde fica a fábrica, a sim a mais de 25% do total de funcionários da empresa, que somava 1,8 mil trabalhadores. A autora do vídeo publicou uma retratação no Instagram em relação a esse caso e apagou o vídeo original.

Amazon e LinkedIn

Os últimos exemplos citados no vídeo são de empresas que estariam na “lista de espera” para demitir, ou seja, que também irão desligar funcionários: LinkedIn e Amazon. No caso da primeira, o vídeo utiliza mais uma matéria da revista Exame sobre desligamentos, mas o texto, de 16 de outubro, não faz qualquer referência aos impostos no Brasil.

De fato, a empresa pertencente à Microsoft demitiu 668 pessoas no segundo desligamento em massa deste ano, mas segundo a reportagem as demissões são resultado da “diminuição do interesse de empresas em utilizar a plataforma como ferramenta de contratação”. A outra demissão em massa feita pelo LinkedIn este ano ocorreu em maio e não afetou trabalhadores no Brasil, e sim na China: foram 716 demissões.

LinkedIn vem demitindo por causa da diminuição do interesse de empresas em usar a plataforma para recrutamento Foto:

Embora citada na narração, não aparece no vídeo nenhuma reportagem que faça referência a demissões futuras na Amazon. O Estadão Verifica, contudo, encontrou uma matéria de 20 de novembro no site especializado Tecnoblog, que disse que a empresa vai demitir “centenas de funcionários da divisão Alexa” como parte da estratégia de redução de custos, em andamento desde 2022. Os cortes, a princípio, devem afetar trabalhadores nos Estados Unidos e Canadá.

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Fechamento de empresas

Na sequência do vídeo, a autora compartilha o trecho inicial de um conteúdo originalmente publicado pelo jornal O Globo sobre o fechamento de 730 mil empresas no Brasil ao longo de 2023. O número está correto, mas também falta contexto. Os dados se referem ao primeiro quadrimestre de 2023 e apontam que, no período, 736.977 empresas fecharam n Brasil, um número 34,3% maior do que no último quadrimestre de 2022 e 34,7% maior do que no primeiro quadrimestre do ano passado.

O que a narração do vídeo não diz é que, no mesmo período, foram abertas 1.331.940 empresas, o que gerou um saldo positivo de 594.963 empresas abertas no primeiro quadrimestre de 2023, e um total de 21.020.285 empresas ativas no País.

O Globo ouviu um consultor de negócios que explicou quais as principais razões para o fechamento de micro e pequenas empresas no Brasil. Ele citou falta de capital de giro e baixo volume de vendas como os principais, além de baixos lucros, dificuldades de acesso a crédito, alto endividamento e baixo nível de gestão empresarial.

Os dados mais atualizados do Mapa de Empresas do Brasil, acumulados até novembro de 2023, mostram que, este ano, foram abertas 3,6 milhões de empresas no Brasil, enquanto 1,9 milhão foram fechadas. O saldo positivo é de 1,6 milhão de empresas abertas. Há, no momento, 20,6 milhões de empresas ativas.

Já os dados de empregados e desempregados mais recentes são de outubro. O acumulado do ano aponta para 1,9 milhão de admissões em 2023, contra 1,7 milhão de desligamentos. O saldo positivo de admissões é de 190.366 até outubro. Os números são do painel de informações do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

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