Vídeo descontextualiza dados e engana sobre a dívida pública brasileira

Projeção de 2022 do Banco Central do Brasil já indicava que a dívida pública brasileira iria crescer no ano seguinte, independente de quem assumisse a Presidência

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Atualização:

O que estão compartilhando: que a dívida pública brasileira equivale a quase R$ 6 trilhões atualmente. O comentarista no vídeo alerta que esse valor “está se aproximando do PIB” e “já ultrapassou o orçamento geral da União”. A postagem acrescenta legendas como “Brasil à beira do caos” e “governo Lula está destruindo o Brasil”.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. De fato, a última publicação do Banco Central do Brasil (BCB), do dia 31 de maio, informa que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingiu R$ 7,5 trilhões em abril, ou seja, 73,2% do Produto Interno Bruto (PIB). A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) atingiu R$ 5,8 trilhões naquele mês, o que equivale a 57,2% do PIB.

Mas é importante considerar que em outubro de 2020, a dívida pública representava 88,83% do PIB, o maior valor da série histórica. Em razão das medidas fiscais adotadas no início da pandemia de covid-19, o valor alcançou R$ 6,616 trilhões. Mesmo em 2022, o ano fechou com a dívida bruta em R$ 7,224 trilhões, equivalente a 73,5% do PIB.

Vale considerar ainda que as perspectivas para a dívida pública brasileira divulgadas em junho de 2022 pelo BCB já indicavam que, entre 2023 e 2024, a DBGG praticamente se estabilizaria em um valor aproximado de 78,5% do PIB, assumindo um curso decrescente somente nos anos seguintes. Aqui, é importante destacar que a projeção oficial independe do presidente eleito de cada ano.

Expectativas para dívida pública brasileira, segundo Relatório de Projeções Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). As perspectivas foram divulgadas dia 20 de junho de 2022. Foto: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

O vídeo original foi postado dia 30 de maio, no twitter oficial da Jovem Pan News. As legendas opinativas acrescentadas no conteúdo não constam na fala original do comentarista convidado. O Estadão Verifica não encontrou contato do autor do comentário.

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Saiba mais: Entre os indicativos considerados “perigosos” pelo autor do comentário, está a afirmação de que “a dívida pública brasileira está se aproximando do PIB”. Mas, para o professor de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) André Roncaglia de Carvalho, não é a relação entre PIB e dívida pública o que mais preocupa. “O perigo está no ritmo com que a dívida cresce”, explica. “Comparando com países de nível de renda similar, a dívida pública do Brasil é mais elevada, mas não está sob risco de descontrole”.

O professor acrescenta que, inclusive, há muitos países com dívidas públicas que excedem 100% do PIB. São exemplos o Canadá (113%), Estados Unidos (143%) e o Japão (256%), segundo dados de 2022, publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD).

Comparação entre o valor da dívida e a previsão de receita da União merece ressalva

O comentarista do vídeo também compara o valor da dívida pública e o Orçamento Geral da União - cuja receita para 2023 foi estimada em aproximadamente R$ 5 trilhões. No vídeo, foi dito que “toda arrecadação anual do Brasil não paga a dívida” e que isso seria algo “perigoso”.

Novamente, falta contexto. Em 2020, quando a dívida pública bruta atingiu R$ 6,616 trilhões, a receita prevista para o exercício financeiro da União era de aproximadamente R$ 3 trilhões. A dívida também foi maior que a previsão de arrecadação em 2022, quando a DBGG foi de R$ 7,224 trilhões. Na época, a receita estimada era próxima de R$ 4 trilhões.

De acordo com o professor da Unifesp, essa comparação entre o valor da dívida e a previsão de arrecadação não é a melhor métrica a ser utilizada. Na verdade, “a noção convencional de solvência para a Dívida pública é o PIB, que representaria a capacidade de pagamento da dívida”, explica.

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“Adicionalmente, a dívida está distribuída em diferentes vencimentos no futuro, de maneira que não faz sentido adotar uma comparação com a arrecadação de um único ano, particularmente porque a receita de impostos é apenas uma das fontes de receita do governo”, acrescenta Roncaglia.

Perspectivas do BCB e da STN já indicavam que, entre 2023 e 2024, a DBGG praticamente se estabilizaria em um valor aproximado de 78,5% do PIB. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Serviço de juros da dívida pública não está em R$ 3 trilhões

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De acordo com a última estatística do BCB, o serviço de juros da dívida pública acumulado em 12 meses terminados em abril de 2023 é de R$ 659 bilhões, ou 6,5% do PIB - e não R$ 3 trilhões, como o vídeo aponta. Na explicação do professor André Roncaglia de Carvalho, esse valor se refere ao “pagamento periódico feito como remuneração ao investidor pela soma total emprestada ao governo”.

De forma simplificada, o serviço é calculado multiplicando a taxa de juros anual (14%, por exemplo) pelo valor da dívida (R$ 1.000, por exemplo): 14% x 1.000 = R$140,00 no ano. “Esta operação se aplica a todos os milhões de títulos que o governo emite ao setor privado, formando o serviço total de juros da dívida pública”, explica o professor.

Carvalho comenta que esse valor incorreto de R$3 trilhões mencionado no vídeo significaria um país em profunda crise econômica - o que não é o caso atual. “Nossos serviços de juros da dívida são muito elevados e contribuem muito para elevar a dívida”, afirma. “Porém, está longe de um abismo que nos leve à hiperinflação”, finaliza.

Como lidar com postagens do tipo:

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É recomendável comparar a abordagem de diferentes veículos a respeito de um mesmo tema. Assuntos ligados à economia costumam ter fontes relevantes em jornais de grande circulação ou em blogs e revistas ligados a instituições de ensino e pesquisa, por exemplo.

Por fim, dados confiáveis sobre a dívida pública, orçamento geral da União, PIB etc estão abertos ao público e podem ser consultados em sites como o do Banco Central do Brasil, Tribunal de Contas da União, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Portal da Transparência.

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