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Vídeo engana ao sugerir fraude em terceirização de serviços da Justiça Eleitoral

Fala de deputado do PL em novembro de 2022 volta a viralizar para questionar, sem provas, resultado das eleições presidenciais

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Foto do author Clarissa Pacheco

O que estão compartilhando: que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contratou empresas estrangeiras para gerir as eleições brasileiras, e que essas empresas estão envolvidas em fraudes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O vídeo no Facebook mostra fala do deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), em que ele menciona as empresas Oracle, Indra, Diebold e Smartmatic. Nenhuma delas faz gestão direta das eleições ou tem acesso a dados de eleitores e de votações. A urna eletrônica brasileira não tem acesso à internet e tem várias camadas de segurança para se proteger de possíveis ataques.

 Foto: Reprodução

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Saiba mais: Lima discursa durante a 32ª Reunião Extraordinária da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Congresso Nacional. A reunião ocorreu em 30 de novembro de 2022, um mês após Jair Bolsonaro (PL) perder a eleição para a Presidência da República.

Na ocasião, o parlamentar comparou o Supremo Tribunal Federal (STF) ao gângster norte-americano Al Capone, que, apesar da suspeita de envolvimento em outros crimes mais graves, acabou preso em por sonegação de impostos em 1931. Luiz Lima sugeriu que o STF poderia ser pego pelo “calcanhar de Aquiles”, se referindo à terceirização da gestão das eleições no Brasil. Os argumentos, contudo, são enganosos ou distorcem informações sobre a contratação de empresas estrangeiras pelo TSE, e não pelo STF.

O deputado foi procurado por e-mail, mas não respondeu até a publicação desta checagem.

No vídeo, ele parece ler um texto e o interrompe ocasionalmente para fazer comentários. O argumento central é de que o TSE contratou empresas estrangeiras para gerir as eleições brasileiras e que, além de estarem envolvidas em fraudes, elas têm um papel muito maior do que apenas fazer “serviços periféricos”.

As quatro empresas citadas no comentário são a Oracle, a Indra, a Diebold e a Smartmatic. Boa parte dos argumentos apontados por Lima já foram repetidos por outras pessoas e checados anteriormente pelo Projeto Comprova, do qual o Estadão Verifica faz parte.

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Confira a checagem das alegações sobre cada uma das empresas:

Oracle

Segundo o autor do vídeo, a Oracle foi acusada de coletar dados de milhões de clientes nos Estados Unidos sem autorização. Isso é verdade: a acusação foi feita em agosto do ano passado no estado da Califórnia com base na Lei Federal de Privacidade de Comunicações Eletrônicas. No vídeo, contudo, o deputado diz que, no Brasil, a Oracle tem acesso a todos os dados de biometria dos eleitores e que a empresa é quem “comanda o banco de dados [de eleitores] e diz quem está apto para votar pela liberação da biometria”, o que é falso.

A Oracle é uma das empresas que fornece ao TSE o serviço de Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados (SGBD), usado para “criar, editar e manter arquivos e registros de banco de dados, facilitando a criação de arquivos e registros, entrada de dados, edição, atualização e relatórios de dados”, segundo o Tribunal. Além da Oracle, o TSE utiliza bancos de dados PostGreSQL, SQLServer e MySQL.

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Os dados de biometria, contudo, não são armazenados nos bancos de dados fornecidos pela Oracle ou por qualquer outra empresa. “As biometrias dos eleitores são mantidas em equipamento de armazenamento de dados (storage) na sala cofre do TSE”, explica o Tribunal.

A empresa tampouco tem o poder de decidir quem pode ou não votar: “A definição de quem está apto ou não para votar segue estritamente a legislação eleitoral, com regras muito bem definidas. O conjunto de eleitores aptos para uma eleição – com ou sem biometria – segue rigorosamente tais regras, sem qualquer interferência externa, seja de empresas ou de pessoas”, completa o TSE.

Computador fornecido pela Oracle fica em sala-cofre do TSE. Foto: TSE/Divulgação

O que fica armazenado pelos bancos de dados da Oracle – desde 1996, ano de inauguração da urna eletrônica no Brasil – são os dados do Cadastro Nacional de Eleitores, dos candidatos, das prestações de contas eleitorais e totalização de votos. Apesar disso, a empresa não tem acesso às informações. “Quando uma organização armazena informações em um banco de dados, o respectivo fabricante do produto/software não tem acesso ou gestão sobre os dados ali mantidos”, afirma o TSE.

Na prática, a Oracle fornece o software de banco de dados e o equipamento onde o banco e dados funciona, mas o equipamento fica dentro do datacenter do TSE, em Brasília, e a gestão é feita por servidores da Justiça Eleitoral, como já mostrou o Verifica nesta outra checagem.

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O deputado também engana ao afirmar que o TSE escolheu a Oracle “pela marca, e não pelo serviço” ao contratar o serviço de nuvem computacional da empresa sem licitação. O serviço foi contratado pelo TSE com inexigibilidade de licitação por conta da “inviabilidade de concorrência, tendo em vista a existência de um único fornecedor”. Ou seja, a empresa foi contratada porque detém a exclusividade para a venda de serviços de Cloud Oracle para entes da administração pública no Brasil.

Diebold

No comentário, o deputado diz que a empresa Diebold é responsável por produzir as urnas eletrônicas brasileiras e também os pendrives que inserem os programas nas urnas eletrônicas e captam os resultados. Segundo ele, uma parceira da Diebold foi acusada de fraude nos Estados Unidos após ficar provado que os pendrives poderiam ser remanejados para a inserção de programas fraudulentos nas urnas.

Segundo o TSE, a Diebold atuou na fabricação de urnas eletrônicas no Brasil nos modelos de 1998, 2000, 2004, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015. Desde 2015, a empresa não participou mais de licitações no Brasil. Atualmente, ela faz a manutenção corretivas das urnas dos modelos de 2010 a 2015 em todo o País.

“Mesmo tendo acesso ao equipamento, assim como ocorre com os técnicos que participam do Teste Público de Segurança (TPS), a criptografia baseada em hardware impede que haja adulteração do sistema, pois qualquer tentativa de mudança nos programas (para algum que não seja autêntico da Justiça Eleitoral) provoca o travamento da urna eletrônica”, explica o TSE.

Diebold faz manutenção corretiva em urnas eletrônicas de modelos mais antigos Foto: Filipe Araujo/AE

No vídeo, o deputado Luiz Lima insinua a existência de fraude envolvendo a empresa porque ela, supostamente, produz urnas e pendrives com acesso à internet desde 2004 e, por isso, teria sido acusada de fraude nos Estados Unidos em 2014. Isso também não é verdade. Em 2014, a Diebold foi multada duas vezes pelo governo norte-americano por conta de um acordo firmado para resolver acusações de suborno e falsificação de contratos na China, Indonésia e Rússia.

Não há qualquer relação entre as multas e fraude em urnas eletrônicas, muito menos brasileiras. Na realidade, as multas à Diebold envolvem instituições bancárias e caixas eletrônicos. O Comprova mostrou no ano passado que, segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Diebold era investigada por oferecer vantagens para funcionários de bancos privados e estatais em troca de favorecimento nos negócios. Além disso, a empresa também teria falsificado contratos com um distribuidor na Rússia que, por sua vez, teria pagado propina a clientes da Diebold para obter contratos relacionados a caixas eletrônicos.

Quanto aos equipamentos com capacidade de acessar a internet, o TSE explica que é vedada no Brasil a produção de qualquer equipamento para as urnas que permita comunicação com a internet, seja via cabo ou à distância. Os pendrives a que o deputado se refere são, provavelmente, as memórias de resultados. Alguns desses pendrives usados no Brasil foram produzidos pela Diebold porque é a empresa vencedora da licitação que produz os suprimentos, junto com as urnas. Os dos últimos modelos – 2020 e 2022 – foram produzidos por outra empresa, a Positivo Tecnologia, e eles também não têm acesso à internet.

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“As empresas vencedoras das respectivas licitações seguem uma extensa especificação de como deverá ser a urna eletrônica, suas mídias e suprimentos. Em tais especificações é vedado que haja qualquer dispositivo que permita a comunicação com a internet, seja via cabo ou à distância”, diz o TSE, em nota.

Todo o processo de produção dos equipamentos é acompanhado e auditado por servidores da Justiça Eleitoral e ainda pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Além disso, o TSE esclarece que os equipamentos só funcionam com softwares desenvolvidos pela Justiça Eleitoral. Ou seja, se houvesse uma tentativa de inserir um dispositivo diferente, a urna não funcionaria. Já os dados gravados nas mídias de resultado são digitalmente assinados por dois algoritmos diferentes, um baseado em hardware e outro em software.

“Como é demonstrado nos Testes Públicos de Segurança (TPS), não há como forjar as duas assinaturas digitais que asseguram a integridade e autenticidade dos resultados de uma urna eletrônica”, diz o TSE.

Indra

A empresa espanhola Indra foi contratada por meio de licitação para prestar serviços ao TSE entre 2013 e 2015 na área de Tecnologia da Informação. Diferente do que diz o deputado, a Indra “não tem acesso aos sistemas de transmissão dos resultados das eleições brasileiras e não há suspeita de fraude envolvendo a empresa e eleições brasileiras”, segundo o TSE.

Ao final do comentário sobre a Indra, o parlamentar afirma que a empresa estatal espanhola foi acusada de fraude eleitoral em Angola e de corrupção na Espanha. De fato, essas acusações foram feitas. No entanto, Luiz Lima diz também que a empresa esteve envolvida em fraude eleitoral na Colômbia, o que não é verdade. Em abril do ano passado, o site La Silla Vacía desmentiu o boato de que o então senador e candidato à Presidência da Colômbia Gustavo Petro havia se reunido com um diretor da Indra na Espanha.

Smartmatic

Sobre a Smartmatic, o deputado afirma que a empresa forneceu satélite e contratou técnicos de urna para as eleições de 2012 e 2014, e que a empresa recebeu o código-fonte das urnas durante a licitação de 2014, o que é falso.

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A Smartmatic firmou contratos com o TSE em outras eleições para fornecimento de serviços de conexão de dados e voz, e não para o desenvolvimento de urnas eletrônicas, nem para contratação de técnicos de urna. Em 2020, a empresa participou da licitação para produção de urnas, mas perdeu a concorrência para a Positivo Tecnologia.

O TSE também nega a acusação do deputado de que a empresa tenha recebido o código-fonte das urnas. “O sistema eletrônico de votação brasileiro foi concebido para que sua segurança não dependa apenas de um ou outro acesso privilegiado, o que inclui o código-fonte”, diz o TSE, em nota.

“Há uma cadeia de custódia e geração dos sistemas para que as urnas eletrônicas o reconheçam como autêntico e oficial da Justiça Eleitoral. Nem mesmo a equipe de desenvolvimento dos sistemas da urna eletrônica ou a fabricante das urnas eletrônicas têm condições de gerar uma versão que se passe pela oficial”, completa o Tribunal.

O que fazem os técnicos de urna?

Outra alegação do deputado durante a reunião é que os técnicos de urna fazem muito mais do que o TSE reconhece – ele diz que os técnicos fazem o carregamento dos programas, têm acesso à linha privada do TSE e fazem a transmissão dos resultados. Nada disso é verdade.

“Técnicos a serviço da Justiça Eleitoral apoiam a transmissão dos arquivos de boletins de urna para o TSE. O acesso concedido aos técnicos permite tão somente a remessa de arquivos para um repositório intermediário, apartado dos equipamentos servidores de bancos de dados. Não permite qualquer acesso diverso, a exemplo de acesso a bancos de dados ou código-fonte dos sistemas eleitorais”, diz o TSE, em nota.

Ao citar o trabalho dos técnicos de urna, o deputado insinua que eles atuam sob influência de empresas terceirizadas, como a Indra. A empresa espanhola chegou a prestar serviços em eleições anteriores para o Tribunais Regionais Eleitorais da Bahia, Santa Catarina, Goiás e Paraíba, sendo os dois primeiros para a contratação de técnicos de urna. Esse tipo de contratação cabe, desde 2015, aos Tribunais Regionais, e não ao TSE.

Mesários não podem votar por eleitores faltosos

O autor do comentário ainda afirma que mesários chegam a votar por 70 eleitores e que, quando uma biometria não é reconhecida, o mesário “digita um código qualquer e autoriza a votação”. Isso e absolutamente falso.

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Segundo o TSE, desde o início do projeto da biometria, ela é utilizada para auxiliar o mesário na identificação do eleitor no momento da votação. Ou seja, a biometria é usada para confirmar os dados dos documentos do eleitor. Se ela não for reconhecida, aí sim o mesário dita o “código” a que o deputado de refere.

O código nada mais é do que o ano de nascimento do eleitor, como explica a Resolução nº 23.669/2021, que dispõe sobre os atos gerais das eleições de 2022. Nesse caso, a votação só será autorizada se o ano for o mesmo do cadastro eleitoral vinculado àquele título eleitoral.

Biometria é usada por mesário para ratificar identidade do eleitor Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

O artigo 113 da Resolução determina que, após o eleitor apresentar um documento com foto na mesa receptora de votos e não havendo dúvidas sobre a identidade, o número do título será digitado no terminal usado pelos mesários. Assim que o número do título for aceito pelo equipamento, será solicitado ao eleitor que posicione o dedo polegar ou indicar no leitor biométrico.

Se a biometria for aceita, o eleitor é encaminhado para a urna de votação. Se não, é possível fazer até quatro tentativas de leitura de biometria. Caso ela não seja reconhecia até a última tentativa, o mesário deve primeiro conferir o número do título digitado no terminal e, se confirmado, perguntar ao eleitor o ano de seu nascimento. É esse “código” que o mesário digita no terminal para autorizar a votação do eleitor que não teve a biometria reconhecida.

Se o ano coincidir com o do cadastro eleitoral, o eleitor e encaminhado para a urna eletrônica. Se não, o mesário pode repetir a pergunta apenas mais uma vez. Caso persista a não identificação do leitor pelo ano de nascimento, ele é orientado a procurar a Justiça Eleitoral para consultar o ano de nascimento registrado junto ao cadastro. Só assim poderá ser feita uma nova tentativa.

Na eleição do ano passado, uma mesária manipulou um video para dar a entender que era possível votar por um eleitor faltoso. Na realidade, a liberação para votação por meio do ano de nascimento só pode ser feita na presença de um eleitor, que precisa apresentar o número do título e o ano de nascimento – que não aparece no caderno de votação. Além disso, as informações sobre o eleitor e sobre quem liberou uma votação sem o reconhecimento por biometria são registrados no log da urna, registro de todas as atividades performadas pelo equipamento.

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