Vídeo mente ao associar vacina contra dengue a microcefalia e ‘guerra biológica’

Conteúdo disseminado nas redes sociais distorce informações sobre processo de produção, função e os efeitos da Qdenga, imunizante disponível em vários países, aprovado pela Anvisa e adotado pelo SUS

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Por Flavio Lobo
Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo com o título “A verdade sobre a dengue” apresenta a vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda, como instrumento de “uma guerra biológica discreta que envolve o Brasil”. O vídeo associa a vacina à microcefalia e diz que a tecnologia utilizada na produção do imunizante tem relação com a “manipulação de genes” realizada “para criar novas doenças”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Não há fundamentação científica nem base factual indicando que a Qdenga tenha alguma relação com microcefalia (bebês nascidos com cabeças menores que o normal), com algum tipo de guerra biológica ou bioterrorismo ou com a criação ou aumento de incidência de doenças. Conforme avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Qdenga apenas protege as pessoas vacinadas contra os quatro tipos do vírus da dengue.

Vídeo mente ao associar vacina contra dengue a microcefalia e ‘guerra biológica’ Foto: Reprodução/Telegram

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Avaliada e aprovada pela Anvisa como um imunizante seguro e eficaz, a Qdenga também foi aprovada e está disponível na Argentina, Indonésia, Tailândia e países da União Europeia. Em resposta a conteúdos nas redes sociais descrevendo a Qdenga como um produto de manipulação genética capaz de causar outras doenças, o laboratório Takeda afirmou ao Estadão Verifica que essa é uma alegação “totalmente infundada, sem comprovação científica, indo contra os resultados apresentados após 15 anos de estudos, e em discordância com as recomendações de Sociedades Brasileiras de Imunizações, Pediatria, Infectologia e Medicina Tropical e da Organização Mundial de Saúde (OMS)”.

Saiba mais: Divulgado em redes sociais como o TikTok e o Telegram, o vídeo “A verdade sobre a dengue” em algumas publicações é apresentado como “trailer” de um filme. O conteúdo traz informações falsas sobre fases do processo de produção da Qdenga. A utilização de “células Vero” na vacina é apresentada como algo suspeito – que, no contexto da narrativa do vídeo, evidenciaria a alegada “guerra biológica” e a intenção ou o risco de a vacina causar outras doenças.

Na verdade, a utilização de células Vero – linhagem de células renais do macaco-verde africano desenvolvida em 1962 – é um recurso conhecido e utilizado há décadas para a produção de vacinas seguras e eficazes, inclusive contra varíola e poliomielite, por diversos laboratórios mundo afora e por instituições brasileiras de qualidade reconhecida, como o Instituto Butantan.

O vídeo também engana ao exibir uma figura relativa à microcefalia num contexto narrativo que faz parecer que este seria um possível efeito da vacina. Na verdade, não há nenhuma relação entre a Qdenga e a microcefalia, malformação do sistema nervoso central que pode ser causada durante a gestação pelo zika, outro vírus transmitido por mosquitos do gênero Aedes.

Os efeitos colaterais mais comuns associados à vacina são dor no local da aplicação, dor de cabeça, fraqueza e febre.

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Mosquitos geneticamente modificados

O vídeo faz referência a outra narrativa falsa disseminada nas redes sociais ao dizer que “o programa de mosquitos geneticamente modificados implantado no Brasil é apenas parte da história que você ainda não sabe sobre a dengue”.

Conforme checagem do Estadão Verifica em parceria com o Projeto Comprova, a ideia de que mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados teriam agravado a cenário da dengue no Brasil não tem base factual.

Testes feitos em cidades brasileiras na última década com mosquitos modificados pela empresa britânica Oxitec, os “Aedes do Bem”, tinham o objetivo de controlar a dengue e outras infecções. A tese de que esse projeto teria aumentado a incidência de doenças foi levantada por um artigo publicado na revista científica Nature, em 2019. Mas, diante da falta de evidências de que isso poderia de fato ter acontecido, em 2020 a própria Nature apontou a inconsistência do estudo em um editorial.

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