O que estão compartilhando: que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que faz o que o líder soviético Vladimir Lenin recomendava: usar o “idiota útil” na linha de frente, incitar o “ódio de classe” e “destruir a família e a espiritualidade”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Um vídeo que circula nas redes sociais retira de contexto trecho de entrevista de Dino à TV Brasil em 2015. Durante o programa, Dino reafirmou ser comunista e disse que “faz o que Lenin recomendava”. A peça desinformativa exibe então declarações falsamente atribuídas ao russo. Algumas, inclusive, já foram desmentidas pelo Estadão Verifica em 2021 e em 2020.
Saiba mais: em 14 de abril de 2015, Flávio Dino, então governador do Maranhão, concedeu uma entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil. À época, Dino era integrante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e foi o primeiro governador do Brasil eleito pela sigla.
Durante a entrevista, Dino foi questionado sobre a forma que a agenda comunista poderia responder às demandas da população sob a ótica do capitalismo (a partir do minuto 27:53). Em sequência, o então governador diz que é necessário ser coerente e que, enquanto “socialista, comunista e marxista”, ele faz “o que Lenin recomendava”. Dino explica que, na visão do soviético, a recomendação era a “análise concreta da situação concreta” – a frase foi citada por Lenin em 1920 na revista Internacional Comunista.
Nas redes sociais, postagens desinformativas tiram de contexto a fala do ministro e disseminam um suposto “testamento” de Lenin, líder da Revolução Russa de 1917. As publicações sugerem que Dino estaria colocando em prática tais orientações no Ministério da Justiça.
As frases seguintes, dentre outras, foram atribuídas a Lenin: “O Estado será Deus”; “Usaremos o idiota útil como linha de frente”; “Incitaremos o ódio de classes”; “Destruiremos sua base moral, a família e a espiritualidade”; “Comerão as migalhas que caírem nas nossas mesas”; “Não há moral na política, apenas conveniência”; “Um canalha pode ser útil apenas por ser um canalha”; “Os comunistas devem lembrar-se de que falar a verdade é um preconceito pequeno burguês. Uma mentira, por outro lado, é justificada pelo fim”.
Algumas frases, inclusive, já foram desmentidas pelo Verifica em 2021 e em 2020. Conforme a checagem, o termo “idiota útil” já foi mencionado antes como se tivesse sido cunhado por Lenin, mas não há registros destas palavras em seus escritos. Em 1987, o The New York Times publicou um artigo que desmente a afirmação de que Lenin tenha criado o termo.
Segundo Carlos Zacarias, professor de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), as frases atribuídas ao líder soviético são deturpações e falsidades. “Essas frases podem ser um amontoado de frases deslocadas de contexto e algumas delas efetivamente posso assegurar que não foram ditas por Lenin”, diz. Como um dos indícios de desinformação, Zacarias ressalta para a linguagem utilizada. “Ele falava de forma dura, mas não usava termos chulos como os do texto”, explica.
Zacarias observa que o texto tem objetivo de convencer pessoas que não têm conhecimento histórico de quem foi o líder soviético. Além disso, o historiador ainda ressalta que os partidos comunistas são legalizados no Brasil. “Alguns reivindicam pensamentos de Lenin e nem por isso são movidos por interesses que a democracia não pode comportar”, diz.
De acordo com Angelo Segrillo, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), o que é chamado “Testamento de Lenin” é, na verdade, uma carta do soviético ao Congresso do Partido quando já estava idoso e doente. Na carta, Segrillo explica que Lenin faz uma análise dos principais líderes soviéticos do momento, bem como seus potenciais sucessores, seus pontos fortes e fracos e desenvolvimentos futuros nas relações internas do partido. No texto verdadeiro, não há nenhuma das frases que aparecem no vídeo que viralizou nas redes.
Na entrevista concedida em 2015, Dino explica que faz uso da “análise concreta de uma situação concreta” porque, segundo ele, não é idealista. Assim, ele diz que defende a governabilidade com olhos voltados para a população pobre e, ao mesmo tempo, afirma que lida também com as demandas do mercado. Dino não faz nenhuma menção às orientações falsamente atribuídas a Lenin, como o “uso do idiota útil”, a incitação do “ódio de classes”, tampouco a “destruição da família e espiritualidade”.
Vladimir Lenin nasceu no interior da Rússia em 1870. Ele tornou-se marxista na juventude após a morte do irmão e ficou conhecido pela liderança na Revolução Russa de 1917. Foi o primeiro líder da antiga União Soviética e morreu em 1924.
Como lidar com postagens do tipo: A peça verificada tira de contexto uma declaração de uma personalidade pública e falseia depoimentos de uma figura histórica para disseminar desinformação. Nestes casos, é importante buscar o vídeo na íntegra e entender o contexto da declaração.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.