Vídeo não mostra presos comemorando soltura de 22 mil detentos em mutirão do CNJ

Imagens são de 2022, anteriores a iniciativa da Justiça; não há participação do governo Lula no programa, que revisou mais de 100 mil processos em todo o Brasil entre julho e agosto

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Foto do author Clarissa Pacheco
Por Clarissa Pacheco e Bernardo Costa

O que estão compartilhando: que vídeo mostra detentos comemorando a soltura de 22 mil presos em mutirão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em cumprimento de uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O vídeo em questão circula pelas redes ao menos desde outubro de 2022, meses antes de o mutirão ocorrer. O CNJ coordenou o Mutirão Processual Penal entre os dias 24 de julho e 25 de agosto de 2023. O resultado foi a soltura de mais de 21 mil pessoas que, na avaliação da Justiça, estavam presas irregularmente. A iniciativa não tem relação com o governo federal, de acordo com o CNJ e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom).

 Foto: Reprodução

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Saiba mais: O vídeo investigado aqui menciona que a soltura dos presos é uma promessa de Lula, mas não é bem assim. No programa de governo da campanha petista há menção a medidas voltadas ao sistema carcerário, mas não há a promessa de soltar presos (leia mais abaixo).

O próprio CNJ afirmou que o projeto não tem relação com o governo federal. “Os Mutirões Carcerários ocorreram no País de 2008 a 2014, quando foram suspensos. Este ano, o projeto foi retomado tendo como pressuposto o reconhecimento pelo STF do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro”, disse o CNJ, em nota.

A iniciativa teve apoio dos 27 Tribunais de Justiça e dos seis Tribunais Regionais Federais do Brasil. O mutirão durou 30 dias e foi instituído por meio da Portaria da Presidência do CNJ nº 170/2023. Segundo o site do CNJ, o objetivo é “sanar irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais”.

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Nesta última edição, foram considerados 100.396 processos. Após a análise dos autos, chegou-se à conclusão de que cabia revisão processual em 70.452 deles. Neste montante, 27.010 pessoas tiveram suas situações de aprisionamento modificadas. Outras 21.866 foram colocadas em liberdade, pois, segundo entendimento da Justiça, elas estavam presas indevidamente. Os dados aparecem em relatório divulgado pelo CNJ em 26 de setembro.

De acordo com o CNJ, foram revisados os processos de “prisões preventivas com duração maior do que um ano; gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente; pessoas em cumprimento de pena em regime prisional mais gravoso do que o fixado na decisão condenatória; e pessoas cumprindo pena em regime diverso do aberto, condenadas pela prática de tráfico privilegiado”.

Das 27.010 pessoas que tiveram as situações de aprisionamento modificadas, 75% tiveram a prisão cautelar mantida. Outras 9% passaram à liberdade provisória com medidas cautelares e sem monitoração eletrônica, 7% foram enviadas para prisão domiciliar sem monitoração eletrônica, 7% receberam liberdade provisória sem medidas cautelares, 1% recebeu liberdade provisória com monitoração eletrônica e mais 1% foi para a prisão domiciliar com monitoração eletrônica.

Decisão não tem relação com governo federal

Os dados citados foram apresentados pela ministra Rosa Weber no dia 26 de setembro deste ano, durante sua última sessão como presidente do CNJ. Os números aparecem no relatório parcial do mutirão, que foi organizado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), com o apoio do Programa Fazendo Justiça – parceria do CNJ e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Segundo o próprio CNJ, não há relação entre a realização do mutirão e o governo federal, “mas sim com o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do sistema carcerário”. O Conselho se refere ao acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, julgado em 2015 pelo Supremo, que apontou aspectos inconstitucionais no sistema prisional brasileiro, a exemplo de prisões provisórias que excedem o prazo legal.

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“Em uma primeira análise, podemos verificar que há bastante resistência da magistratura na aplicação das teses consolidadas pelo STF e que são de cumprimento obrigatório. Em 38,3% desses processos houve, sim, alteração fática ou jurídica para as pessoas privadas de liberdade, graças à revisão empreendida. Mais de 21 mil pessoas estavam presas indevidamente em estabelecimentos penais”, afirmou a ministra Rosa Weber, durante a sessão em que apresentou o relatório do mutirão.

Em nota, a Secom negou participação do governo no programa: “O Conselho Nacional de Justiça é um órgão independente do Poder Judiciário, e a Presidência da República não tem nenhum assento. Portanto, o presidente da República não tem qualquer ingerência sobre as ações realizadas pelo órgão. A Secretaria de Imprensa da Presidência lamenta a divulgação de inverdades com objetivos políticos”.

Vídeo circula nas redes sociais desde outubro de 2022

O vídeo usado no conteúdo viral para alegar que presos comemoraram a soltura de 21 mil detentos está fora de contexto. É possível ver que um grupo de homens com fardas na cor laranja comemora quando uma emissora de televisão anuncia a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições do ano passado.

O mesmo vídeo circula na internet pelo menos desde outubro de 2022. Não foi possível identificar onde ele foi feito, mas é evidente que os homens não poderiam estar festejando o resultado do mutirão, que só ocorreu nove meses depois.

O sistema carcerário na campanha de Lula

A situação do sistema carcerário brasileiro foi tema abordado pela campanha de Lula à Presidência da República. No entanto, não há promessa para a liberação de presos. Em seu programa de governo, disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no item 38, que trata de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, lê-se:

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“Construiremos políticas que combatam e revertam a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam a violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro”.

Ainda durante a campanha, matéria do Poder 360 mostrou que a equipe de Lula estudava alterar a Lei de Drogas para reduzir os encarceramentos ao tornar mais claros os parâmetros que definem o crime de tráfico de drogas.

Durante a campanha, portanto, o posicionamento se referia a ações de redução de encarceramentos, e não de liberação de presos.

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