Vídeo negando o aquecimento global volta a circular após ano mais quente da história

Terra bateu recordes de temperatura em 2023, segundo o Observatório Copernicus; entrevista de 2012 dá informações erradas sobre derretimento de geleiras e aumento do nível do mar

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Atualização:

Voltou a circular nas redes sociais uma entrevista antiga no Programa do Jô em que um professor mente que não há provas científicas do aquecimento global. O entrevistado nega evidências e o consenso científico sobre o assunto – a maior parte dos cientistas concorda que as mudanças climáticas são resultado da atividade humana no planeta. Nesta semana, o observatório europeu Copernicus informou que 2023 foi o ano mais quente da história – 1,48ºC a mais que na época pré-industrial. Confira abaixo a checagem de cada alegação:

Último relatório do IPCC, divulgado em 2022, afirmou ser inequívoco que a influência humana na emissão de gases de efeito estufa vêm aumentando a temperatura global. FOTO: CLAYTON DE SOUZA/ESTADAO Foto: CLAYTON DE SOUZA / undefined

Provas científicas

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O que estão compartilhando: que não há provas científicas para o aquecimento global.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O monitoramento de diferentes indicadores levou a um consenso entre instituições como a agência espacial norte-americana (Nasa) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC). Eles concordam que, embora o clima da Terra tenha mudado ao longo da sua história, o aquecimento atual está acontecendo em ritmo acelerado devido à influência humana.

Segundo levantamento da Nasa, a temperatura média da superfície do planeta aumentou cerca de 1º C desde o final do século XIX. A maior parte desse aquecimento ocorreu nos últimos 40 anos.

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A instituição afirma ser inegável que atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e de carvão, produzem gases de efeito estufa que retêm a maior parte da energia do sol. Essa energia extra vem aquecendo o planeta, o oceano e a atmosfera.

De acordo com a professora do departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das autoras do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC Mariana Vale, dizer que não existem provas para o aquecimento global não é verdadeiro nem hoje e nem na época em que a entrevista verificada aqui foi ao ar. “A quantidade de estudos é tão grande que é preciso fazer sínteses do que é produzido”, explica a professora.

O último relatório do IPCC, divulgado em 2022, afirmou ser inequívoco que a influência humana na emissão de gases de efeito estufa vêm aumentando a temperatura global. Com seis documentos até o momento, o objetivo dos relatórios é fazer um apanhado do estado do conhecimento de mudanças climáticas até agora. “Cada um desses volumes tem cerca de três mil páginas e milhares de referências citadas”, afirma a professora. “Então é completamente falso que não existe certeza científica sobre isso”.

Poluição urbana

O que estão compartilhando: que a poluição em grandes cidades, como São Paulo, não contribui para o aumento da temperatura no planeta

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. De acordo com Mariana Vale, toda e qualquer emissão de gases de efeito estufa em cidades contribui para o problema das mudanças climáticas. Alguns exemplos de atividades que adicionam emissões incluem produção de energia, indústria, agricultura e pecuária. A cidade de São Paulo, citada na entrevista, foi responsável por emitir 14 milhões de toneladas de gases de efeito estufa em 2022, a maior parte proveniente do setor de transportes. Os dados são do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG).

Um trabalho publicado em 2021 na Science Daily indicou que entre 70% e 80% das emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes atmosféricos oriundos da queima de combustíveis fósseis e do tratamento de resíduos e efluentes vem de áreas urbanas. O estudo também indica que, apesar desse aumento geral, as megacidades com mais de 10 milhões de habitantes em países de alta renda têm reduzido suas emissões, enquanto as emissões nas regiões em desenvolvimento, como o Brasil, ainda estão crescendo.

Segundo Mariana, os ambientes urbanos contribuem com o aumento da temperatura em razão da pouca arborização e baixa percolação do solo, que está coberto por asfalto, calçadas, etc. Isso faz com que a população das cidades sofra muito com as alterações nos termômetros e com eventos climáticos extremos. “O fenômeno, por exemplo, de onda de calor, está associado com o fato de que as cidades são áreas que absorvem muito calor”, afirma.

Cidade de São Paulo, citada na entrevista, foi responsável por emitir 14 milhões de toneladas de gases de efeito estufa em 2022. FOTO - DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO Foto: ESTADAO CONTEUDO / ESTADAO CONTEUDO

Geleiras

O que estão compartilhando: que o derretimento das geleiras é um processo natural, que não tem a ver com a intervenção humana.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Novamente, a professora Mariana Vale enfatiza que é inequívoco que o aquecimento global que vemos hoje tem um componente muito forte de ação humana, de emissão de gases do efeito estufa. “É claro que existe também uma componente natural, porque a gente está no período interglacial, que é naturalmente um pouco mais quente”, afirma. “Mas, simplesmente, a quantidade de calor que vem se acumulando é muito maior do que a gente teria apenas com as forçantes naturais”, completa.

Em 2022, um estudo da Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou que a Terra quebrou recordes preocupantes por derretimento de geleiras. Com apoio de um relatório da Agência Espacial Europeia, foi descoberto que a perda de gelo da Groenlândia e da Antártida foi responsável por um quarto do aumento do nível do mar.

Nível do mar

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O que estão compartilhando: que o nível do mar não está subindo. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas teria previsto uma elevação de 50 cm, daqui a 100 anos.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. De acordo com a Nasa, o nível global do mar subiu cerca de 20 centímetros no último século. A taxa de aumento nas últimas duas décadas, entretanto, é quase o dobro da do século passado e acelera a cada ano, segundo a instituição.

O último relatório do IPCC indica que o aumento médio do nível do mar entre 1901 e 1971 foi de 1,3 milímetros por ano. Entre 1971 e 2006, essa média aumentou para 1,9 milímetros ao ano. Entre 2006 e 2018, esse número subiu para 3,7 milímetros por ano. O documento afirma que a influência humana foi “muito provavelmente” o principal fator desses aumentos desde, pelo menos, 1971.

Outro lado

Quem fala na entrevista é o ex-professor da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Augusto Felício. Ele foi demitido da instituição no ano passado por faltas. O Estadão Verifica tentou contato com Felício por e-mail, mas não houve retorno até a publicação da matéria.

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Como lidar com postagens desse tipo: As alegações no vídeo se tratam de negacionismo climático, a crença de que a mudança climática não está ocorrendo ou não é causada pela atividade humana. Como outras teorias da conspiração, esse tipo de argumento costuma ignorar evidências que o conteste, ao passo que também não apresenta outras provas. Diante de conteúdos assim, é importante dar atenção às produções científicas de órgãos oficiais, como a OMM.

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