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Vinagre não pode ser considerado remédio para tratar diabetes, ao contrário do que afirma vídeo

Estudos que apontam uma potencial ação do vinagre no controle de glicose e insulina são pequenos e não demonstram efeitos significativos no tratamento de pacientes diabéticos, alertam especialistas

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Atualização:

O que estão compartilhando: que o vinagre é o novo remédio para tratar diabetes e demência. Vídeo publicado no Instagram recomenda beber um copo de água com uma colher de sopa de vinagre antes das refeições sob a alegação de que essa prática reduz significativamente os picos de glicose e insulina.

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O Estadão investigou e concluiu que: É enganoso. De acordo com endocrinologistas entrevistados pela reportagem, estudos que apontam uma potencial ação do vinagre no controle de glicose e insulina são pequenos e não envolvem um grande número de pacientes, por isso, são insuficientes para afirmar que o produto pode ser utilizado como remédio para tratar a diabetes e demência.

Conforme explica o endocrinologista e metabologista Levimar Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SDB), recomendar a ingestão do vinagre para tratar a diabetes é arriscado, porque os estudos não são completos ao ponto de tornar a indicação segura. “Os estudos ainda são muito precários”, disse. “Têm um ‘N’ (número de pacientes) muito pequeno e são muito poucos estudos. Eles precisam de uma averiguação maior para a gente ter um embasamento científico maior. Do ponto de vista científico, no momento, a gente não pode validar essa afirmação”.

Especialistas afirmam que vinagre não pode ser considerado remédio para tratar diabetes. Foto: Pixabay/Reprodução

Saiba mais: A postagem em questão recomenda a ingestão de vinagre não só para tratar a diabetes, mas também para prevenir demência, reduzir peso e diminuir os sintomas da síndrome dos ovários policísticos (SOP), o que também não pode ser confirmado.

Em relação à alegação de perda de peso, Levimar comenta que alguns estudos envolvendo o vinagre citam uma discreta melhora metabólica, mas isso não quer dizer que o consumo leva diretamente ao emagrecimento. “Ele pode dar um pouco mais de saciedade, mas não existem estudos completos que comprovem o emagrecimento”, explicou. “É muito precoce fazer uma afirmação desse tipo”.

Da mesma forma, em relação à síndrome dos ovários policísticos, ainda são necessários mais estudos para comprovar benefícios do vinagre. “É necessário um estudo muito mais amplo, com uma abordagem muito maior, para a gente ter essa conclusão que ele (o autor do vídeo) teve”, afirmou Levimar. “É temerário a gente falar isso”.

Estudos não mostram efeitos clínicos importantes

De acordo com a endocrinologista e vice-presidente do departamento de Diabetes Mellitus da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Melanie Rodacki, uma metanálise reuniu vários pequenos estudos sobre o vinagre de maçã em controle de diabetes e identificou que de fato o produto pode reduzir a glicose e colesterol. No entanto, o efeito é clinicamente muito pequeno e não justifica o consumo para a finalidade proposta.

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Melanie comenta que a diferença apresentada pela metanálise é apenas estatística e não tem importância clínica. Portanto, não vai fazer diferença no controle glicêmico do paciente se ele ingerir ou não o vinagre. “É uma diferença que se deu quando se comparou dois grupos de pessoas em vários estudos clínicos”, disse. “A diferença para glicose, por exemplo, foi de 10 pontos. Se uma pessoa tem 200 ou 190, isso não faz a menor diferença clinicamente. É uma diferença numérica, mas na vida de uma pessoa não vai ter um impacto”.

Ao citar os estudos que apontam uma potencial ação do vinagre no controle da diabetes, Rodacki argumenta que eles são muito pequenos e precisam mapear uma população mais homogênea. “A gente tem que reforçar que são estudos muito pequenos, com benefícios muito discretos que talvez não sejam clinicamente justificáveis”, afirmou. “Não há uma justificativa de a gente ficar recomendando vinagre para essa população”.

Sobre a demência, também citada pelo autor do vídeo, a endocrinologista explicou que só existem estudos em camundongos. Como não há estudos com humanos, não é possível dizer que o vinagre pode tratar ou evitar a demência. “É difícil recomendar para uma população sem ter feito estudos em humanos”, lembrou. “Muitas coisas que foram testadas em camundongos, quando foram feitos estudos clínicos, não se viam efeitos que eram relevantes clinicamente”.

Efeitos do vinagre na diminuição da glicose são discretos e não justificam uso para tratar a diabetes. Foto: Freepik

Remédios não podem ser substituídos por vinagre

Os especialistas alertaram que a substituição de medicações seguras por um produto que ainda não foi amplamente estudado pode trazer riscos para a saúde de pacientes diabéticos. Na avaliação de Levimar, é arriscado um paciente trocar a medicação por uma recomendação de internet, pois pode ocorrer um descontrole. “O nosso alerta é justamente esse para que não troque as medicações sem conversar com um médico”, ressaltou.

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Melanie também destacou que por enquanto não existe um produto milagroso contra diabetes. As pessoas precisam manter o tratamento e não podem deixar de fazê-lo sem orientação médica. “É muito importante quando se tem tratamentos novos ou formas alternativas de tratamento”, comentou. “Várias coisas estão sendo estudadas para a diabetes continuamente, e se a gente encontrar produtos naturais e baratos que sejam úteis, será ótimo, mas devemos ser realistas”.

Para a endocrinologista, é exagero recomendar que a população tome vinagre antes das refeições, uma vez que o produto apresenta um potencial redutor de glicose pouco explorado e com efeitos discretos na vida do paciente diabético. “O efeito é muito discreto e os riscos têm que ser pesados, especialmente nos dentes,Quanto aos pacientes que têm um transtorno do esvaziamento gástrico, da velocidade de movimentação do intestino”, lembrou. “Em uma população que pode ter isso em maior efeito, a gente não vai recomendar aumentar tanto a ingestão de ácido”.

A especialista ressaltou que o controle da diabetes é muito importante para prevenir complicações da doença e proporcionar uma vida melhor ao paciente. “O controle glicêmico é muito poderoso para diminuir a complicação da doença”, explicou. “Se a pessoa se arrisca com tratamentos que não são cientificamente comprovados, larga os tratamentos, e a glicose sobe, aí sim ela está em risco de muitas complicações”.

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Segundo ela, o controle da glicose também é importante para diminuir o risco de demência. “Já foi mais do que comprovado que o controle da glicose adequada é muito importante para diminuir o risco de demência em pessoa que tem diabetes”, disse. “Por isso, se a pessoa se arrisca e a glicose sobe, ela vai ter um impacto muito ruim na parte que chamamos de cognição, a capacidade mental para prevenir a demência”.

Publicado originalmente no perfil do médico neurologista Pedro Schestatsky, no Instagram, o vídeo foi compartilhado por um homem que se apresenta como terapeuta iridologista, na mesma rede social. No perfil do neurologista, o vídeo possui mais de 850 mil visualizações. Na página do terapeuta, o conteúdo alcançou mais de dois milhões de visualizações.

Após a publicação do texto, o neurologista Pedro Schestatsky disse que o vídeo foi infeliz ao ser intitulado “Novo remédio para diabetes”. Segundo ele, “não se trata de usar apenas medicamentos ou apenas vinagre, mas sim de usar ambos”. O neurologista concordou que não há estudos suficientes para se relacionar o vinagre ao controle de demência ou síndrome de ovários policísticos. Mas defendeu a validade e a importância de metanálises que se debruçaram sobre a relação entre o vinagre e o controle do diabetes. Já o perfil do terapeuta que compartilhou o vídeo não respondeu ao e-mail enviado.

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