É de 2014 um vídeo do projeto Você Fiscal, em que o pesquisador Diego Aranha, então professor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), incentiva eleitores a fotografarem os boletins de urna fixados nas portas das seções de votação após as 17h e os compartilharem com o app do projeto para uma fiscalização paralela da totalização dos votos. O projeto funcionou durante as eleições de 2014 e 2016, mas não está mais ativo.
Apesar de não conter informações falsas, a circulação do vídeo agora engana porque, na época, Aranha afirmava que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tinha feito Testes Públicos de Segurança (TPS) nas urnas daquele ano, e não era possível saber se as vulnerabilidades apontadas em 2012 tinham sido corrigidas para o pleito de 2014. Fora de contexto, a fala sugere que não houve testes de segurança para as eleições de 2022, o que não é verdade.
Não é a primeira vez que o vídeo do projeto circula fora de contexto. O conteúdo original já não está mais disponível no canal do Você Fiscal no YouTube -- mas é possível assisti-lo usando a ferramenta WayBack Machine, que armazenou a página em 28 de junho de 2018. No canal, inclusive, o projeto foi sinalizado como inativo, mensagem que também aparece no perfil do Você Fiscal no Twitter. No entanto, em julho de 2018, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL), compartilhou o vídeo no YouTube com a informação falsa de que o Você Fiscal iria fazer uma contagem paralela dos votos.
Na época, o TSE divulgou uma nota de esclarecimento afirmando que o projeto tinha funcionado nas eleições de 2014 e 2016, mas não iria atuar no pleito de 2018. Idealizador do Você Fiscal, o professor Diego Aranha disse ao Estadão Verifica que decidiu tirar o vídeo do ar do canal oficial do projeto justamente porque ele estava sendo usado para espalhar desinformação.
"Ele estava sendo usado para desinformação nas eleições de 2018. Apesar de as informações nele contidas serem absolutamente acuradas em 2014, quando o vídeo foi produzido, naturalmente não eram mais atualizadas para 2018 e além", explica.
Problemas foram solucionados
O projeto Você Fiscal surgiu, segundo Aranha, "como mistura de protesto e inovação pela falta de transparência nas eleições de 2014". Ele tinha participado, junto com uma equipe da Universidade de Brasília (UnB), dos testes públicos de segurança das urnas em 2012 e encontrado fragilidades. No vídeo, Aranha diz que, naquele ano, o TSE não tinha realizado testes públicos de segurança e não era possível saber se as fragilidades tinham sido corrigidas. Ele se referia às eleições de 2014, embora não fale isso no vídeo.
Embora o ano não seja mencionado, há alguns sinais de que Diego se referia àquele pleito: em dois momentos, aparece na animação o termo "Eleições 2014" - aos 0:35 e, mais adiante, em 1:41. Ainda segundo Aranha, que atualmente é professor assistente na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, aqueles críticas eram pertinentes em 2014, mas deixaram de ser a partir de 2016, quando o TSE voltou a realizar os Testes Públicos de Segurança, ainda que, segundo ele, com algumas restrições importantes.
"As vulnerabilidades detectadas em 2012 foram resolvidas, mas certamente em velocidade muito aquém da ideal: algumas delas ainda estavam presentes na versão do sistema que tivemos a chance de analisar no TPS 2017/18", diz.
Realmente, o TPS não aconteceu em 2014. A primeira edição foi em 2009 e, depois, ele aconteceu em 2012, 2016, 2017, 2019 e 2021. Desde 2016, a realização do TPS é obrigatória. Em nota, o TSE informou que a sexta edição do Teste Público de Segurança das urnas aconteceu em novembro do ano passado com o maior número de participantes de todas as edições: 26 investigadores realizaram 29 planos de ataque às urnas. Em maio deste ano ocorreu o teste de verificação do TPS, que é quando se verifica se foram feitos os aprimoramentos necessários a reforçar a confiabilidade das urnas.
Projeto premiado e encerrado
O Você Fiscal atuou em apenas duas eleições - 2014 e 2016. De acordo com Diego Aranha, o projeto não tinha necessariamente um período de funcionamento, mas alguns obstáculos contribuíram para que ele fosse encerrado. "O principal obstáculo naquela ocasião foi aquisição e processamento das fotos, que era a única forma de capturar resultados eleitorais disponível", afirma. Na época, os eleitores eram orientados a fotografar os boletins de urna e os enviar para o projeto por app ou pelo site.
Para as eleições de 2016, o TSE inseriu QR Codes nos boletins de urna, obrigatoriamente fixados do lado de fora das seções de votação. "Em 2016, com esse problema resolvido após a introdução dos códigos QR, nós tentamos resolver o outro problema desafiador de coletar uma amostra de qualidade de resultados parciais, mas não conseguimos atingir esse objetivo. Ao observar que o projeto já tinha cumprido sua função principal, especialmente com a implementação dos códigos QR, decidimos encerrá-lo", completa o idealizador.
Em 2015, o projeto recebeu o prêmio Innovators Under 35 Brazil pela MIT Technology Review. Segundo Aranha, é inegável que o Você Fiscal foi o primeiro projeto de fiscalização pela sociedade da fase de totalização dos votos, e ele inspirou várias outras iniciativas apesar de, segundo o professor, nunca ter recebido os créditos por isso.
Boletim na Mão
Atualmente, os eleitores podem conferir através de um aplicativo se os resultados do boletim de urna fixado na porta da seção eleitoral é igual ao resultado divulgado pelo TSE. Basta baixar o app Boletim na Mão, do próprio TSE, escanear o QR Code do boletim e conferir os dados. Os presidentes das Mesas Receptoras de Votos já fazem essa conferência, assim como os fiscais dos partidos políticos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.