Na primeira reunião de política monetária sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Banco Central se encontra numa delicadíssima encruzilhada: adotar uma postura técnica ao endurecer a mensagem em relação aos próximos passos do Copom, porém elevando a tensão existente com o novo governo, ou contemporizar a piora recente no balanço de risco da inflação e ser tachado de leniente, com prejuízo à sua credibilidade.
A aprovação da autonomia do BC pelo Congresso estabeleceu que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, ficará no cargo até 2024, portanto, o único cargo para o qual Lula não fez a indicação de um nome de sua confiança. Nas últimas semanas, Lula já atacou a independência do BC e a meta de inflação, que ele considera demasiada baixa, forçando um arrocho na economia.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou abertamente o nível dos juros, citando os “70 milhões de CPFs negativados”. Ao lançar um pacote de medidas para reduzir o rombo nas contas do governo em 2023, Haddad disparou: “Isso é uma carta para o Banco Central”. Ao justificar o estouro da meta de inflação em 2022, em carta ao ministro, o BC havia citado incertezas fiscais como um dos riscos ao cenário de inflação e à trajetória dos juros.
Nesse ambiente de atrito, o Copom deve manter a taxa Selic inalterada em 13,75%, ao fim da sua reunião desta quarta-feira, 1º, mas o que está em jogo é a sinalização sobre a política monetária no comunicado que acompanhará a decisão. Com base nessa mensagem, os investidores e analistas vão avaliar se o BC pretende deixar os juros no patamar atual por um tempo mais prolongado ou se pode cortar a Selic mais cedo, como gostaria o governo.
Desde a última reunião do Copom, as projeções de inflação – especialmente para 2024, cada vez mais o horizonte relevante para a política monetária – estão subindo e se distanciando da meta. Na última pesquisa Focus, a estimativa de inflação para 2024 está em 3,90%, enquanto a meta é de 3%. Para prazos mais longos, como 2025 e 2026, também tem ocorrido uma piora nessas projeções. Além disso, o risco fiscal, com as incertezas sobre o novo arcabouço que irá substituir o teto de gastos, segue exacerbado.
Do ponto de vista técnico, com a piora das expectativas de inflação e o risco fiscal ainda elevado, o Copom teria de subir o tom da sua comunicação, mantendo, inclusive, a ressalva de que não hesitará em retomar o ciclo de alta de juros. Se não for duro o suficiente, para não comprar briga com Lula, o mercado poderá questionar a sua independência.
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