Sete ex-membros do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) coordenado pelo neurocientista Miguel Nicolelis divulgaram uma carta no fim de semana na qual acusam o pesquisador de omitir informações sobre suas pesquisas na Universidade Duke, nos Estados Unidos, e de agir "exclusivamente em proveito próprio" na condução do instituto brasileiro. Segundo os autores, Nicolelis teria mantido segredo sobre um projeto de pesquisa na Duke e publicado os resultados de forma isolada, mesmo sabendo que um de seus supostos parceiros no INCT estava desenvolvendo um projeto muito semelhante na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).A carta, intitulada Eu apoio a ciência brasileira, foi enviada por e-mail a dezenas de lideranças científicas do País e reproduzida no blog da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) e no Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ontem, o diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), Rômulo Fuentes, publicou duas respostas no blog da SBNeC: uma em inglês, em nome de Eric Thomson, aluno de pós-doutorado de Nicolelis na Duke, e outra em nome próprio, na qual refuta o conteúdo da carta e contra-ataca com uma série de acusações aos seus autores.Nicolelis não comentou a carta publicamente, mas declarou apoio às respostas postadas por Fuentes e Thomson. O debate se propagou pelas redes sociais, abrindo mais um capítulo na conturbada relação de Nicolelis com vários setores da comunidade científica brasileira.A carta é assinada por sete ex-membros do Comitê Gestor do INCT Interface Cérebro-Máquina (Incemaq), criado em 2009, sob a coordenação de Nicolelis (veja a lista de autores nesta página). A sede do projeto é o IINN-ELS, em Natal, gerido por uma organização social de interesse público, presidida por Nicolelis.O "estopim" para a carta foi a publicação de um trabalho na revista Nature Communications, no dia 12, em que Nicolelis apresenta os resultados de um experimento que ele diz ter criado um "sexto sentido" em ratos, dando a eles a capacidade de "sentir" sinais de luz infravermelha, captados por um receptor conectado ao cérebro. O trabalho é coassinado por Thomson e um aluno de graduação da USP, que fez intercâmbio na Duke.A carta chama atenção para o fato de que um de seus autores, Márcio Moraes, do Núcleo de Neurociências da UFMG, tem um projeto muito parecido com o de Nicolelis. Esse projeto foi apresentado na primeira reunião do Comitê Gestor do Incemaq, em julho de 2010, com a presença de Nicolelis - que não teria feito nenhuma menção ao seu próprio projeto na Duke."Se o trabalho já estava sendo feito na Duke (...), por que manter segredo durante a reunião? Se, por outro lado, o trabalho ainda não havia sido iniciado, mas Miguel Nicolelis considerou a ideia interessante, por que não firmou colaboração com o grupo da UFMG?", questiona a carta."Foi uma postura inaceitável da parte do coordenador de um INCT, cujo objetivo principal é justamente promover parcerias estratégicas entre cientistas e instituições para acelerar a produção de pesquisas inovadoras no Brasil", disse Moraes ontem ao Estado, por telefone. Segundo ele, sua pesquisa com receptores de infravermelho acoplados ao cérebro de ratos é desenvolvida na UFMG desde 2009. Parte dos resultados, que compõem a tese de doutorado de um aluno, não poderá mais ser publicada por conta da publicação do trabalho de Nicolelis - que apresenta basicamente a mesma ideia."Ao privar a ciência brasileira de uma parceria justa e prometida, o Incemaq, na figura do seu coordenador, prof. Miguel Nicolelis, não agiu pelo interesse coletivo, como seria de se esperar de um coordenador de INCT, mas exclusivamente em proveito próprio", conclui a carta.Os sete autores foram desligados do Incemaq em julho de 2012. Procurados ontem, nem Nicolelis nem o CNPq (órgão federal que financia o Incemaq) informaram quem são os integrantes atuais do instituto.
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