Nascida no Brasil, Chen Levy Gavillon, hoje com 27 anos, soube ainda pequena que havia sido adotada por um casal israelense. O tema não era segredo na família, que tem outro filho adotivo. "Fui crescendo com a impressão de que adoção não era algo bom, ao ver filmes e programas na TV", contou ao Estado. "Não queria que ninguém soubesse."Certa vez, na escola em que estudava, em Ra'anana, ao norte de Tel-Aviv, um grupo de alunos furtou papéis, pensando se tratar de provas que seriam aplicadas aos colegas. Mas eram documentos com informações pessoais dos estudantes. Entre eles estava a ficha de Chen. Ao descobrirem sobre a adoção, eles a confrontaram com a informação que ela tentava esconder. "Claro que eu neguei, disse que devia ser um erro, mas, ao chegar em casa, histérica, chorei e disse à minha mãe que nunca mais voltaria à escola."O incidente no colégio, quando ela tinha apenas 10 anos, foi o pontapé inicial de uma busca contínua, com uma porção de insucessos. Naquela ocasião, ela conseguiu que os pais contassem o que sabiam sobre a família no Brasil. Embora tenha investigado e procurado de forma quase incansável ao longo de vários anos, Chen ainda não sabe quem são os pais biológicos, pessoas que ela se recusa a chamar de "pais", apesar do desejo de encontrá-los. A pouca informação que ela tem se resume ao nome do Hospital Nossa Senhora das Graças, de Bom Retiro (SC), onde ela teria nascido. A história de Chen se parece com a da personagem Aisha, vivida pela atriz Dani Moreno na novela Salve Jorge, da TV Globo. Na trama, Aisha vive na Turquia, sabe que é adotada e busca os pais, também brasileiros. Na semana passada, Aisha e Chen se encontraram em um capítulo da novela em que a personagem descobre uma confusão nos documentos. "Ontem eu estava falando com a Chen sobre isso", diz Aisha a uma amiga, ao mostrar um vídeo em que a israelense chora enquanto pergunta, em português: "Por que me deixaram?"Chen aprendeu o idioma dos pais biológicos justamente nas novelas. Muito populares em Israel, elas são exibidas no idioma original, com legenda, o que facilita o aprendizado. "Nunca frequentei nenhuma escola, apenas comprei um dicionário para estudar em casa", diz. "Sempre gostei do idioma." Burocracia. Chen foi adotada em 1985, logo após nascer. Nos documentos do hospital, não aparece nome algum. "Recebi apenas um sobrenome", conta.O irmão de Chen, hoje com 30 anos, também nasceu no Brasil e foi adotado dois anos antes, mas não teve interesse em buscar a família biológica.A escolha dos pais de Chen pelo Brasil, segundo ela, teve a ver com a facilidade de adotar uma criança no País, na época. De fato, segundo a diretora Nili Tal, que fez dois filmes sobre o tema, cerca de 3 mil crianças brasileiras foram adotadas por famílias israelenses nos anos 1980.Um caso ganhou fama no país quando a Justiça decidiu que a criança deveria ser devolvida aos pais biológicos. Bruna Vasconcelos, que recebeu dos pais adotivos o nome Caroline, passou dois anos em Israel antes de voltar para o Brasil - onde acabou engravidando aos 13 anos. "É uma alegria eu ter sido adotada pelos meus pais. Tenho uma vida boa em Israel. Não sei qual teria sido meu destino no Brasil", disse Chen.Ela e o marido, o argentino Leo Gavillon, que está em Israel desde 2003, passaram cinco meses no Brasil, em 2007, logo após concluir o serviço militar, obrigatório também para meninas. "Queria muito conhecer a cultura. Sabia que eu pertenço a outra cultura", conta. "Costumo dizer que sou uma 'brasileira falsa'. Tenho muito orgulho disso." No Rio, ela chegou a buscar informações sobre a mãe biológica, mas acabou desistindo depois de ser alertada de riscos por um policial. "Guardei os papéis e fui para a praia." Hoje, mãe de Maya, de 1 ano e meio, ela conta que tem medo de se frustrar com um encontro. "Sou muito sensível", diz. E promete: quer visitar o Brasil na Copa de 2014.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.