Brasil

Cada ponto nesta página representa uma vida perdida pela covid-19 nas últimas 14 semanas

Em 17 de março ocorreu a 1ª morte.

Entre 18 e 24 de março, 45 mortes. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anuncia quarentena com fechamento do comércio e serviços não essenciais (exceção feita a serviços de saúde pública, alimentação, abastecimento, segurança e limpeza) a partir do dia 24. Manifestações religiosas não são recomendadas. Parques são fechados.

25 a 31 de março, 155 mortes. O número de pacientes hospitalizados no Brasil com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) aumentou exponencialmente, coincidindo com a chegada do novo coronavírus, de acordo com a Fiocruz. Somente em uma semana foram estimados no sistema cerca de 2250 casos.

1 a 7 de abril, 466 mortes. Hospital de Campanha do Pacaembu começa a receber no dia 6 pacientes de média e baixa complexidade encaminhados por equipamentos de saúde da capital paulista. São 200 leitos divididos por dez enfermarias. O hospital de 6,3 mil metros quadrados foi construído dentro do próprio estádio.

8 a 14 de abril, 865 mortes. A chegada da epidemia nas comunidades, um dos maiores temores das autoridades de saúde, começa a se desenhar no Rio de Janeiro. Quatro das maiores comunidades cariocas registram pelo menos seis mortes confirmadas por covid-19. Rocinha, Manguinhos, Maré e Vigário Geral somam 23 casos registrados da doença.

15 a 21 de abril, 1.209 mortes. O aumento dos enterros em Manaus exige o uso de valas coletivas no Cemitério Parque Tarumã. O Amazonas foi bastante afetado pela doença. Embora mantivessem o distanciamento entre os caixões e a identificação das sepulturas, as valas coletivas se tornam uma das imagens mais dramáticas dos efeitos da covid-19 na região.

22 a 28 de abril, 2.276 mortes. Plano emergencial para o serviço funerário da Prefeitura de São Paulo prevê a abertura de 13 mil covas e a contratação de 220 coveiros. Os casos de covid-19 deixam ainda de ter um velório comum. As medidas buscam evitar o colapso no sepultamento de corpos diante do avanço de mortes por coronavírus.

29 de abril a 5 de maio, 2.904 mortes. Decreto estadual torna obrigatório o uso de máscaras por todos os cidadãos que saírem às ruas em São Paulo. A fiscalização da regra fica a cargo de cada uma das 645 prefeituras que determinam, em cada município, como vigiar e punir em caso de descumprimento.

6 a 12 de maio, 4.479 mortes. Após fracasso nos bloqueios viários para forçar o aumento das taxas de isolamento, a Prefeitura de SP adota nova forma de rodízio para estimular as pessoas a ficarem em casa. O revezamento de veículos passa a valer para toda a capital, não apenas o centro expandido, o dia todo, e fins de semana. A proibição foi dividida em placas pares e ímpares.

13 a 19 de maio, 5.008 mortes. Nos EUA, a empresa de biotecnologia Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, anunciou testes preliminares positivos em ensaios clínicos. Níveis de anticorpos das primeiras oito pessoas testadas foram semelhantes aos das recuperadas pela covid-19. Faltam os testes em larga escala, em julho.

20 a 26 de maio, 7.104 mortes. A emergência nacional de saúde, social e econômica causada pela pandemia criou uma onda de solidariedade que resultou em mais de R$ 5 bilhões em doações. A maior parte vem de grandes empresas, mas pessoas físicas também colaboram para mudar o cenário de filantropia no País. A expectativa é consolidar a cultura de doações.

27 de maio a 2 de junho, 6.687 mortes. O Brasil se consolida como o país com o maior número diário de óbitos do mundo, superando os EUA. O País já é o segundo colocado no planeta em relação ao número acumulado de infecções. O aumento ocorre no contexto em que a América Latina é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como epicentro da doença.

3 a 9 de junho, 7.298 mortes. A vacina da Universidade de Oxford, no Reino Unido, será testada também no Brasil, em pelo menos dois mil voluntários. Considerado o estudo mais promissor e avançado em busca da cura, o imunizante já está na fase três de testes, a última, em que será testada a sua eficácia.

10 a 16 de junho, 6.959 mortes. A cidade de São Paulo permite a reabertura, com restrições, de concessionárias e imobiliárias em junho. Em seguida, escritórios e lojas de rua. O terceiro movimento de abertura inclui shopping centers, mas só quatro horas por dia. É o plano de reabertura do governo para a saída da quarentena, em vigor desde 24 de março.

17 a 20 de junho, 4.602 mortes. Segundo país do mundo com maior número de mortos pela covid-19 e com mais de um milhão de casos, o Brasil ultrapassa a marca de 50 mil mortos. De acordo com o levantamento feito pelos veículos de comunicação Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL, 50.058 pessoas morreram em decorrência da covid-19. Apenas os Estados Unidos registraram mais vítimas.

50 mil vidas perdidas e sofrimento longe do fim

Sem aprender lições do exterior, País vê escalada de casos sob falhas para entregar testes e leitos. Famílias atravessam pandemia entre o luto sem despedida e a incerteza sobre o futuro

Redação

20 de junho de 2020 | 20h00

Pouco mais de três meses após registrar seu primeiro óbito por covid-19, o Brasil superou neste sábado, 20, a triste marca de 50 mil mortos pela doença. Em 95 dias, houve o registro de que 50.058 pessoas perderam a vida no País em decorrência da infecção pelo novo coronavírus. A primeira vítima morreu em 17 de março, quando a pandemia já matava milhares na Ásia e Europa. O Brasil, porém, não soube aproveitar a chance de aprender com a experiência de outras nações.

Enquanto a curva de casos e óbitos subia, ocorreram duas quedas de ministros da Saúde, houve discursos divergentes de autoridades federais, estaduais e municipais e os afetados sofrem com os atrasos na compra e entrega de testes, leitos, respiradores e outros recursos fundamentais para aumentar as chances de sobrevivência dos infectados.


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O Brasil é atualmente o segundo país com mais vítimas, com o agravante de que o número diário de mortos não dá sinais de recuo. Após um isolamento social falho, que não freou suficientemente o avanço do vírus, o desafio agora é fazer com que os planos de reabertura, vistos com ressalvas por especialistas, não levem a um descontrole ainda maior da transmissão.

Os brasileiros vítimas da pandemia deixam pais, filhos, mulheres, maridos. Amigos e amigas. A maioria tinha algum fator de risco, mas outros tantos não resistiram mesmo sendo jovens e sem doença crônica.

Para quem perdeu um parente ou amigo, estar ou não no grupo de risco não importa. A dor da perda repentina por uma doença desconhecida machuca igual. Machuca muito. Machuca para sempre. A perda torna-se ainda mais dura quando nem sequer a despedida é permitida. Por causa do risco de contaminação, as vítimas são enterradas em caixões lacrados, sem direito a velório.

O Estadão conta a seguir como famílias de vítimas da covid-19 estão lidando com as perdas em meio ao isolamento.


João Batista França, 
61 anos, analista de sistemas

No luto, a espera do reencontro e da despedida

Daniel Teixeira/Estadão

Em 31 anos de casados, Maria Rita e João Batista França nunca haviam conversado sobre como seriam suas cerimônias de despedida quando a vida de um dos dois chegasse ao fim. O analista de sistemas de 61 anos não perdia tempo pensando na hora da morte. Pelo contrário. Fã de churrasco, música e dança, ele geralmente estava mais “preocupado” em marcar a próxima festa em família, sem necessidade de data especial.

Foi por conhecer toda a animação do marido que Maria Rita ficou surpresa quando, no início de março, ele comentou, pela primeira vez, seu desejo para quando morresse. “A gente estava vendo as notícias daquele monte de gente morta por coronavírus na Itália quando ele me disse que, quando chegasse a hora dele, não queria ser enterrado. Queria ser cremado e ter as cinzas jogadas no Rio Ribeira, interior de São Paulo, onde nasceu”, conta. Na ocasião, nenhum brasileiro havia sido vítima da covid e a dona de casa não imaginava que sua família, já em isolamento, poderia ser infectada.

Uma semana depois, João começou a sentir febre e cansaço. No dia 24 de março, foi internado com diagnóstico de coronavírus. Um dia depois, Maria Rita deu entrada no mesmo hospital, na zona oeste de SP. Ambos ficaram na UTI, mas João não aguentou. Morreu no dia 4 de abril.

“Eu estava na UTI, mas estava lúcida. Meu filho ligou e disse: ‘Mãe, o pai não resistiu’. Chorei muito na hora, mas o que eu mais pensava é que eu tinha de conseguir sair para meus filhos não ficarem sozinhos”, diz ela, que teve alta dias depois.

O filho teve de cuidar dos trâmites da cremação do pai. Mas com a mãe ainda no hospital e os demais parentes isolados no interior, a família adiou a cerimônia no Rio Ribeira. “Meu filho foi até a cidade de Sete Barras e colocou a urna com as cinzas junto do túmulo da minha sogra. Construiu uma capelinha para que fiquem lá até que toda a família possa se encontrar de novo e fazer uma cerimônia bonita de despedida para ele.” / FABIANA CAMBRICOLI


José Cajueiro, 
79 anos, músico

‘Quando alguém morre, renasce como árvore’

Acervo Pessoal

Tutu, maraka, tiama, charango, kena, violão. Não importava o nome, José Cajueiro dominava qualquer instrumento de percussão ou de corda. Desde jovem era o responsável por levar música às festas, rituais e também aos protestos realizados pelos kokamas.

Nascido na aldeia em Santo Antônio do Iça, no Alto Solimões, circulou por diferentes regiões do Amazonas. Os últimos anos de vida passou na Aldeia Karuara, na zona rural de Manaus. Teve cinco filhos.

A música fez dele figura fundamental na integração do seu povo – são cerca de 12 mil kokamas espalhados pelo Amazonas, de acordo com censo do IBGE de 2010. “Era de uma alegria contagiante. Inspirava os mais jovens. Foi muito importante por manter viva as nossas tradições”, conta a prima Altaci Rubim.

Cajueiro partiu de repente, em maio, quando a pandemia invadiu o interior do Estado. Passou uns dias internado em Manaus com todos os sintomas da covid-19. Mas não foi testado. E por ter morrido fora de sua aldeia não foi registrado como indígena. “O atual governo tem essa política de excluir os índios. Não pensaram em nada para diminuir a pandemia nas aldeias. Contamos apenas com a solidariedade da sociedade”, diz Altaci, que reivindica, por exemplo, a construção de hospitais de campanha no interior do Amazonas, onde indígenas estão morrendo. “Não há nenhum atendimento nas regiões mais afastadas.”

As mortes dos índios fora das aldeias e as medidas restritivas da pandemia não permitem aos kokamas realizar suas cerimônias. Eles aguardam a passagem do vírus para fazer uma grande festa em homenagem a quem sucumbiu à doença.

“Quando uma pessoa morre, ela renasce como árvore. Se você foi bom, volta como uma planta medicinal ou frutífera. Se não, voltará em uma planta com espinhos que ninguém se aproxima”, diz Altaci. Para ela, o primo se tornará uma samaumeira. “É grande e protetora. Ele era assim. E com sua música, nos protegia.” / JOÃO PRATA


Tatiane Ferreira Ferraregi,
36 anos, enfermeira

O sonho de salvar vidas e o adeus antes do tempo

Acervo Pessoal

Tatiane Ferreira Ferraregi já tinha mais de 30 anos quando finalmente concluiu a faculdade de enfermagem. Como a maioria dos brasileiros, por falta de condições financeiras, não conseguiu iniciar uma graduação logo ao sair do ensino médio, mas nem por isso desistiu de trabalhar na área da saúde, sua grande paixão.

Fez um curso para tornar-se técnica em enfermagem e logo começou a trabalhar em hospitais públicos e privados. Depois de alguns anos, pelo bom desempenho profissional, teve a oportunidade de cursar uma faculdade com parte da mensalidade paga pelo empregador. “O hospital ofereceu uma bolsa para ela fazer enfermagem. Ela ficou muito feliz. Depois ainda se especializou no atendimento de pacientes em UTI”, conta a irmã Cilene dos Santos, de 42 anos, também enfermeira.

Tatiane se formou em 2016, aos 32 anos, e depois disso atuou principalmente no tratamento de pacientes graves. Desde fevereiro, esteve na linha de frente do atendimento a doentes com covid-19 nos dois hospitais da Grande São Paulo em que atuava. “A gente mal estava conseguindo conversar porque ela fazia plantão de 12 horas todos os dias, cada dia em um hospital”, conta Cilene.

A rotina extenuante de trabalho na pandemia era tanta que Tatiane, ao sentir os primeiros sintomas do coronavírus, achou que era cansaço físico relacionado ao trabalho. “Ela começou a se sentir ofegante quando subia a rua da casa dela, mas achou que era o cansaço acumulado pela sobrecarga de trabalho e pela correria. Só que no fim de março ela acabou piorando e foi internada. Foram 19 dias no hospital, 18 dias entubada”, conta a irmã.

Mesmo com 36 anos e sem doença crônica, Tatiane foi vencida pela covid e morreu em 16 de abril, deixando marido, dois filhos, os pais e dois irmãos. “Para ela a enfermagem não era só um ganha-pão, era uma coisa que ela amava e lutou bastante para conseguir. Fazia tão pouco tempo que ela tinha conseguido realizar esse sonho e já partiu.” / FABIANA CAMBRICOLI


Márcia Nazaré Lima Alcântara,
54 anos, professora

“Fica a lembrança dela deitada na rede, a gente conversando”

Acervo Pessoal

Márcia Nazaré Lima Alcântara era séria, meio contida. Não ficava de conversa com qualquer um. Nos aniversários, reunia somente os familiares mais próximos. Muita gente a incomodava. Tinha aversão a barulho.

Trabalhou a vida toda como professora. Era sorridente com os alunos, zelosa com quem conseguia ganhar sua confiança. Viver para ela não era fácil. Tinha medo de multidões e da solidão. Não andava sozinha na rua e não entrava em ônibus lotado. Tinha muitas fobias.

“Me marcou uma vez que fomos a um prédio e precisava pegar o elevador. Para subir, tinha outras pessoas junto da gente e ela acabou entrando. Mas para descer, quando estávamos só nós duas, ela não quis entrar não. Já era noite, não havia luz na escada e foi uma agonia para conseguir descer”, conta a sobrinha Alessandra.

Alessandra tinha Márcia como uma mãe. Elas viveram por muitos anos juntas. “A gente cresceu na casa da minha avó. Morávamos todos ali, mais ou menos dez pessoas. Fazia cinco anos que ela não morava mais lá, mas cresci com ela. Ela é madrinha do meu filho de dois anos, o Heitor.”

As duas iam juntas para a escola. Uma para dar aula e a outra como estudante. Por evitar o transporte público, Marcia e Alessandra voltavam a pé para casa, ganhavam mais tempo para conversar. Márcia mudou bastante nos últimos anos. A doença do marido, que enfrentou um câncer, deu mais coragem para ela. Passou a encarar de frente os traumas. Há nove meses, ficou viúva. Vivia somente com o filho André Raphael Câmara dos Santos, de 29 anos.

Apegou-se ainda mais à religião. Católica, gostava de acompanhar as novenas do Círio de Nazaré, assim como sua mãe, suas irmãs e toda a família. São todos devotos da Nossa Senhora de Nazaré, a padroeira de Belém.

A doença pegou Márcia no início da pandemia no Brasil, em março. A gripe ia e vinha. Às vezes mais forte, às vezes mais fraca. Como tinha fobia de hospital, nem cogitou procurar um médico. “Lembro quando ela passou mal. Ouvi de longe ela dizer que não estava com falta de ar e dor no peito, portanto não deveria ir ao pronto socorro. Ela sentia muita dor abdominal e vomitava muito. Ela ficou na cabeça que só deveria ir para o hospital se tivesse falta de ar, esse foi o problema.”

A partida foi rápida. Passou mal em casa de manhã e na madrugada faleceu. A família não conseguiu cumprir o rito católico. Não houve velório. O enterro teve a presença de somente cinco pessoas. “Minha avó fez a novena em casa, uma oração durante sete dias. Depois, a tradição seria ter a missa de sétimo dia. Teve a missa, mas só pôde ser assistida pela internet.”

Para Alessandra, a lembrança que fica é de um dia comum. “Fiz um chá para nós duas. Ela deitada na rede, a gente conversando. Meu filho perto da gente, brincando.” / JOÃO PRATA


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