Mancha de contaminados e de mortos no mapa mostra a rápida expansão da epidemia, nos quatro cantos do Estado e em cidades em que o problema é maior, no interior e no litoral
O coronavírus avançou rápido pelo interior e litoral de São Paulo. Em abril e maio, a doença espraiou os registros de mortes por covid-19 em municípios dos quatro cantos do Estado. A expansão leva os riscos da explosão de contaminados e de doentes, com necessidade de tratamento e internação, da Grande São Paulo para as demais regiões paulistas, áreas onde é maior a possibilidade de colapso na rede hospitalar (quando há mais doentes que leitos).
Com o primeiro registro em 26 de fevereiro, São Paulo teve uma explosão de contágio: chegou a 107.142 contaminados em três meses, sem contar a subnotificação. A conta sobe diariamente. Trata-se de uma disseminação puxada pelos relatos na capital e cidades do entorno com alta densidade populacional. Concentrada na área da Grande São Paulo, a covid-19 matou 7.532 pessoas até 30 de maio. Ainda sem tratamento de cura, nem vacina, 28.834 vidas tinham sido dizimadas no Brasil, e 369.126, no mundo.
Com base em dados do boletim epidemiológico estadual de saúde, o Estadão identificou registros de casos e de mortos por municípios de SP para mostrar o avanço da doença nas 17 regiões do Estado. Mapas e gráficos ajudam a visualizar as manchas de contaminados e de vítimas, o cenário nas 645 cidades paulistas nos dois meses que antecederam a flexibilização da quarentena, em 1º de junho.
São Paulo é o mais populoso Estado brasileiro, com cerca de 46 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Pouco mais da metade vive no interior e litoral. Nos meses de abril e maio, o coronavírus migrou do epicentro da epidemia para essas regiões. A Secretaria de Estado da Saúde divide o território paulista em 17 áreas, que considera grandes cidades polos urbanos regionais. A divisão serve para a gestão regionalizada de recursos, de políticas públicas, referenciamento de hospitais, divisão de oferta de leitos. Com base nessa divisão, o Estadão reuniu dados de infectados e de mortos em cada cidade, em datas separadas por intervalos de 15 dias, para mostrar os locais em que a epidemia se expandiu mais rapidamente entre abril e maio.
A Grande São Paulo concentra quase a totalidade de casos. Das 1.469 pessoas infectadas no fim de março, 50 eram do interior e litoral. Só cidades maiores, como Campinas, São José dos Campos e Ribeirão Preto, registravam casos. Duas semanas depois, o vírus mostrava seu poder de transmissão: os registros no Estado saltaram para 10.951. No interior e litoral, passou para 1.292. A epidemia atingiu todas as regiões paulistas, como Araçatuba, Araraquara, Bauru, Botucatu, Jundiaí, São José do Rio Preto, Santos e Sorocaba. Isso prova o indicativo de início de transmissão pelas áreas mais densamente habitadas e com ligações rodoviárias diretas com o epicentro da epidemia: a capital. Fora da Região Metropolitana, o problema havia chegado a 165 cidades - duas semanas antes, havia registros de casos em 23 apenas. Quando o mês de abril terminou, a conta mais que triplicou: eram 28.694 casos no Estado.
Manchas indicam os registros e a evolução do coronavírus por cidades de São Paulo, entre março e maio
Autoridades, profissionais de saúde e cientistas estão em alerta com essa “interiorização” do coronavírus. Os gráficos e mapas permitem a visualização da disseminação do foco de contágio. Nos primeiros 30 dias da pandemia, declarada em 11 de março, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cidades fora da Grande São Paulo tinham poucos pontos indicando presença de infectados e um crescimento estável dos registros. Até meado de abril, 454 cidades do Estado (70% do total) tinham pelo menos um contaminado: eram 58.330 infectados, 11.161 deles em cidades do interior. No fim de maio, o total de infectados subiu para 89.483, e o vírus estava presente em 524 municípios.
“A epidemia, como esperado, começou em São Paulo com o primeiro caso no dia 26 de fevereiro”, observou o coordenador do Centro de Contingenciamento do Coronavírus em São Paulo, Dimas Covas. “O pico foi de transmissão a partir da região metropolitana para o interior e para os demais Estados. Então o interior agora está vivendo o que a região metropolitana já viveu em termos de velocidade da epidemia."
Taxas de casos de coronavírus por 100 mil habitantes, agrupados por Departamentos Regionais de Saúde (DRS) do Estado de São Paulo
Uma das taxas usadas para comparar os cenários entre cidades de diferentes tamanhos de forma igual é a de casos por 100 mil habitantes, sejam de contaminados ou mortos. O Estado registrou taxa de 243 no fim de maio. Isso significa que a cada grupo de 100 mil moradores, 243 pegaram o coronavírus. A região da Baixada Santista registrou taxa de 340, inferior apenas a da Grande São Paulo, 392. Registro, no Vale do Ribeira, região paulista mais pobre, também tem taxa alta, de 174. Campinas, por exemplo, a mais populosa região do interior paulista, altamente industrializada e rica, tinha taxa de 109. Em número de infectados, a Baixada Santista (área da DRS-4, com 1,8 milhão de habitantes) e Campinas (DRS-7, com 4,6 milhões) encabeçam a lista.
A região da Baixada registrou 6.244 casos de coronavírus no fim de maio. Apesar de abranger o menor número de municípios entre as 17 regionais de saúde, a área da DRS-4 concentra a maior quantidade de cidades em zona vermelha, com alto risco de contágio, com destaques para Santos, Praia Grande, Guarujá e São Vicente, e há risco de colapso em todas elas na rede hospitalar. A região de Bauru (DRS-6, também com 1,8 milhão de moradores) registrou até fim de maio 1.565 infectados, taxa de 92 casos por 100 mil habitantes. Na área Central do Estado, são três cidades com alerta máximo: Bauru, Botucatu e Jaú. A região de São José do Rio Preto (DRS-15, com 1,6 milhão) contabilizou 1.399 contaminados, mas taxa de 94. Também nesse canto do mapa, Ribeirão Preto (DRS-13, com 1,5 milhão) tem 1.203 infectados e taxa de 82. Franca (DRS-08, 775 mil habitantes) é a região com melhor cenário: 199 casos e taxa de 31.
No mapa paulista, a marcação de letalidade da doença por cidades mostra mancha negra concentrada sobre a área da Grande São Paulo, com o interior e o litoral “limpos”. Eram 111 óbitos. Em meado de abril, o total de registros de óbitos subiu para 778 no Estado. A mancha caminhava para o interior, mas ainda limitada a áreas próximas da capital, como Campinas, São José dos Campos, Baixada Santista e Sorocaba, e grandes cidades. No fim do mês, os registros triplicaram, chegando a 2.375, e espalhando os pontos negros para municípios das 17 regiões paulistas.
Com 7.532 mortos por covid-19 até o fim de maio, 263 cidades tinham um ou mais vítimas, registro que deve incluir as 645 paulistas entre junho e julho. Maio manteve o ritmo acelerado de crescimento da curva de letalidade da doença: bateu recorde de 324 mortos em 24 horas no dia 19. O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello fez um alerta sobre a “nova etapa” da epidemia no Brasil e os riscos maiores para as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. “A progressão para o interior desses Estados é inevitável. Vai acontecer. Rezamos para que o impacto seja menor.”
Manchas indicam os registros e a evolução dos registros de óbitos por covid-19 por cidades de São Paulo, entre março e maio
O quadro de contaminados e de pessoas mortas em São Paulo, se comparado ao números de leitos de UTI disponíveis e às taxas de leitos proporcional ao de habitantes, nas 17 regiões paulistas, mostra onde há maior risco de colapso da rede hospitalar no interior e litoral. "Com o número de casos ainda em ascensão, sem clara política de testagem, das grandes metrópoles para o interior, e com um número ainda alarmante de ocupação de leitos, a redução prematura do isolamento pode semear o caos no sistema de saúde", afirmou o professor Domingos Alves, do Laboratório de Inteligência em Saúde, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, em documento divulgado por grupo de cientistas e pesquisadores, após decisão do governo do Estado de retomar as atividades econômicas. "O esforço de três meses seria completamente desperdiçado, levando a uma perda desnecessária de vidas."
Um dos vetores importantes para predições estatísticas de como vai evoluir a epidemia, com ou sem as regras de quarentena e isolamento, é a taxa de contágio imediato. Ela aponta para quantas pessoas um contaminado irá passar o vírus. Em São Paulo, essa taxa em maio era de 2,7. Quase o dobro da taxa de 1,5 do H1N1, na epidemia de 2009. No sarampo, essa taxa fica em torno de 15. Para entender a conta, considere uma taxa de contágio imediato de 3. Quer dizer que quando uma pessoa for infectada, vai transmitir o vírus para outras 3. Cada um dos contaminados vão infectar outros 3, serão 9, que vão contagiar mais três, cada um, chegando a 27, que por sua vez vão transmitir para mais 81... O exemplo é dado pelo estatístico Benilton de Sá Carvalho, que coordena equipe na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Taxas de óbitos por 100 mil habitantes agrupados por Departamentos Regionais de Saúde (DRS) de São Paulo
Campinas, onde mora o professor do Departamento de Estatística da Unicamp, até primeira quinzena de maio, registrava taxa de contágio imediata de 1,5. Depois, a cidade teve taxa de 2, mas há possível desaceleração da curva. Professor e doutor em bioestatística pela Universidade John Hopkins, nos EUA, ele usa outro exemplo para que se entenda essa curva de “crescimento exponencial” de contágio. “É como se a gente acelerasse um carro, está acelerando, tem uma hora em que o carro embala e a gente tira o pé do acelerador, mas o carro continua aumentando a velocidade. Só depois de algum tempo é que essa velocidade começa a diminuir, até que eventualmente o carro para.” Campinas, segundo ele, estaria na etapa “em que o pé foi tirado do acelerador, mas o carro continua acelerando”. Pela tendência, em junho, a taxa local fica abaixo de 1, diz.
“Não tem nada tranquilo ainda. Não podemos passar para as pessoas uma sensação de acomodação. Temos de ficar atentos, porque enfrentamos um inimigo difícil“, afirmou o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB).
Nas pequenas e médias cidades do interior paulista, fora dos centros urbanos regionais, onde o coronavírus não foi disseminado ou sequer chegou até início de maio, a rotina de sossego teve pouca alteração.“Aqui não tem essa doença, não”, diz Pedro da Silva, com a certeza de quem ainda não viu, entre amigos e familiares, nenhum doente nem morto “com essa tal de covid-19”. Morador de Limeira - cidade com 306 mil habitantes na região de Piracicaba -, o funileiro aposentado tem 68 anos. Na “falta do que fazer em casa”, ocupa as tarde com partidas seguidas de “buraco na pracinha” com os companheiros de velhice. Rotina que diz não ter sido alterada.
Limeira é cortada pelo corredor rodoviário financeiro mais importante do Estado - formado pelas rodovias Anhanguera, Bandeirantes e Washington Luís. No fim de abril, a cidade registrava 35 casos. Em meado de maio, 69. No fim do mês, 155. Essa disseminação foi potencializada por um dos mais baixos índices de isolamento social do Estado: 36%, quando índice estadual era 47%. A subnotificação nas cidades do interior pode ser outro problema no monitoramento. Limeira registrou 4 pessoas mortas até maio. A cidade integra a região de Piracicaba, com 1.260 casos de coronavírus e 83 mortes. Araras, com 106 casos, registrou 3 mortos. Mas no cemitério da cidade, fechado desde maio e com restrições de funcionamento do velório, o movimento tem sido alto nas últimas semanas.
Veja na tabela a situação das 645 cidades paulistas: contaminados e mortes
Em Campinas, o monitoramento diário de ocupação de leitos nas UTIs por pacientes com doenças respiratórias graves têm indicado aumento das taxas nos hospitais públicos e privados. Desses internados, cerca de 30% eram pessoas de outros municípios da região. A Santa Casa - o mais antigo hospital da cidade - preparou 50 vagas de UTI exclusivamente para atendimentos da covid-19. Sem receber recursos, conseguiu ativar na última semana de maio 10 leitos. “Em três dias, todos estavam ocupados”, afirmou o provedor da Irmandade Santa Casa de Misericórdia - Hospital Irmãos Penteado, Murilo Almeida.
O problema se repete em todo interior. Autoridades, pesquisadores e profissionais de saúde passaram a reforçar os alertas sobre o perigo do avanço da doença, chegando a municípios com menor número de vagas em hospitais. A velocidade com que a máquina pública - União, Estado e municípios - consegue colocar em funcionamento novos de UTI é inferior à velocidade com que o coronavírus se espalha.
Quantidade de leitos de UTI por região do Estado
Com menos casos que na Grande São Paulo, o interior tem taxas inferiores de ocupação dos leitos de UTI para covid-19 - mesmo com menor oferta de vagas em relação à população. Mas o risco de colapso em áreas como Baixada Santistas (ocupação de 72% dos leitos), Campinas (65%) e Sorocaba (72%) não é descartado. Em maio, 75% dos leitos de UTI para covid-19 estavam ocupados no Estado. Taxa puxada para cima pela Grande São Paulo, que tem 89%. No final de maio, o governo informou que o total de vagas havia aumentado para 7.200.
A Baixada Santista é uma das áreas que receberam “reforços” de leitos de UTI, segundo o secretário de Estado da Saúde, João Henrique Guermann Ferreira. Com 2.542 casos havia 337 leitos de UTI, em 12 de maio, nessa região, onde moram 1,8 milhão de pessoas. Taxa de 18 leitos para cada grupo de 100 mil moradores. “As pessoas precisam começar a entender que quando falam que a capacidade de leitos chegou a 90%, quer dizer que existem 10 leitos ocupados e só um desocupado”, diz o estatístico da Unicamp Benilton Carvalho.
Médicos, epidemiologistas, infectologistas, profissionais de saúde e cientistas têm reforçado os avisos de que o isolamento social e a higienização individual são as únicas armas comprovadas e disponíveis, até o momento, para frear o avanço da epidemia e minimizar os impactos para a saúde pública.
Veja a taxa de leitos de UTI por 100 mil habitantes por região do Estado
A flexibilização em SP considera as 17 regiões paulistas e estabelece cinco cenários distintos de fases de contágio. A classificação considera capacidade do sistema de saúde e evolução da epidemia. São cinco fases epidêmicas: de alerta máximo (zona vermelha); de controle (laranja), de flexibilização (amarelo), de abertura parcial (verde) e normal controlado (azul). As regiões da Grande São Paulo, Baixada Santista e Registro foram declaradas áreas de alerta máximo (vermelha). Nas zonas laranja, podem abrir, com restrições, as imobiliárias, concessionárias, escritórios, comércios e shopping centers. Estão nessa categoria Rio Preto, Araçatuba, Marília, Franca, Ribeirão Preto, São João da Boa Vista, Piracicaba, Campinas, Taubaté e Sorocaba, além da capital. Regiões que estão na zona amarela, podem abrir salões de beleza, bares, restaurantes e similares, além dos setores previstos para as zonas laranja. Estão nessa situação as regiões de Presidente Prudente, Bauru, Araraquara, São Carlos e Barretos.
O governador João Dória (PSDB) afirmou, ao anunciar o plano, em 27 de maio, que "todas as decisões do governo em relação à covid-19 foram pautadas pela ciência e medicina.” O governo destacou o número de pacientes que tiveram alta dos hospitais paulistas e o total recuperados: 49 mil - no fim de maio. As prefeituras que regularão por decreto a reabertura dos comércios e serviços e também vão fiscalizar o cumprimento das restrições mantidas.
Editor executivo multimídia: Fabio Sales / Editora de infografia multimídia: Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia: Adriano Araujo, Carlos Marin, Glauco Lara e William Mariotto / Edição: Robson Morelli