Foi um salto tão gigantesco que a humanidade não conseguiu suplantá-lo até hoje. Cinquenta anos depois do histórico pouso na Lua, em 20 de julho de 1969, os americanos ainda planejam repetir o passo que garantiu uma vitória política e militar sem precedentes na corrida espacial até então liderada com folga pelos soviéticos. E os planos agora são ainda mais ambiciosos: voltar ao satélite terrestre até 2024, desta vez com uma mulher, e, de lá, lançar-se para a conquista de outros mundos, começando por Marte.
Mais uma vez, os EUA não estão sozinhos na perseguição desse objetivo. Embora a União Soviética nem exista mais, a China já anunciou planos semelhantes, nos quais trabalha com grande discrição e afinco. Foi o primeiro país a pousar, no início deste ano, uma nave no chamado lado oculto da Lua e também já estaria preparando uma mulher para o novo “primeiro passo” – o que daria um simbolismo especial à repetição da façanha no século 21.
O grande motor propulsor da nova corrida espacial é a soberania econômica mundial, não mais a Guerra Fria que impulsionou o mundo durante décadas. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Estado, a disputa foi o maior estímulo para que o homem chegasse tão longe. O fim da divisão do mundo entre capitalistas e comunistas pode explicar também por que a façanha não foi superada até hoje.
A guerra agora é econômica, e China e EUA estão lutando violentamente pelo poderio econômico, com disputas tarifárias e barreiras econômicas. Uma das armas dessa guerra é, justamente, projetar uma imagem de superioridade, e o espaço permite isso de uma forma única para o mundo: nós temos o foguete, temos o conhecimento e temos o dinheiro para bancar tudo isso.”Astrônomo Alexandre Cherman, diretor da Fundação Planetário
Antes de o homem pisar na Lua, os Estados Unidos e a então União Soviética enviaram várias missões para o espaço. E isso continuou após o fim do projeto Apollo também com a União Europeia e agora a China. Navegue por essas outras missões.
“A possibilidade de ir ao espaço era um recurso que garantiria o domínio militar, político e tecnológico entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, uma vez que essas tecnologias permitiriam espionar e atacar outros países”, comenta Paulo Bretones, doutor em educação em astronomia e professor da Universidade Federal de São Carlos.
Os soviéticos foram os primeiros a colocar um satélite em órbita: o Sputnik, em 1957. Vale lembrar que o foguete que lança um satélite é o mesmo usado para o lançamento de um míssil, por exemplo. E cada vez que o Sputnik passava por cima do território americano, a mensagem implícita era: “Isso poderia ser uma bomba atômica sobre as suas cabeças”. Não satisfeitos, apenas um mês depois, lançaram o primeiro ser vivo ao espaço, a cadela Laika. Finalmente, em 12 de abril de 1961, a URSS enviou o primeiro homem à órbita do planeta, Yuri Gagarin, e, meses depois, a primeira mulher, Valentina Tereshkova. A hegemonia soviética na área era indiscutível.
Acredito que esta nação deve se comprometer a alcançar o objetivo, antes que esta década termine, de pousar um homem na Lua e devolvê-lo em segurança à Terra. Nenhum projeto espacial neste período será mais impressionante para a humanidade ou mais importante para a exploração de longo prazo do espaço. E nenhum será tão difícil ou caro para realizar.”John F. Kennedy
A resposta americana não tardaria. Pouco mais de um mês depois, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, anunciou que enviaria o homem à Lua antes do fim daquela década. Para isso, lançou um programa espacial, o Projeto Apollo, que recebeu US$ 153 bilhões em valores atuais, um recorde absoluto em termos de investimento. Nada menos que meio milhão de pessoas, entre funcionários da Nasa (agência espacial americana), da indústria e de universidades estiveram mobilizados para garantir o histórico pouso.
A corrida espacial que levou o homem à Lua começara muito antes do derradeiro anúncio de Kennedy. Remonta à Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha desenvolveu os foguetes V-2, capazes de bombardear outros países à distância. Com o fim do conflito, os EUA conseguiram atrair vários cientistas que tinham participado do projeto, entre eles o próprio chefe da equipe, Wernher Von Braun.
Figura política controversa – ele trabalhou no desenvolvimento de foguetes na Alemanha nazista e, posteriormente, foi acusado de traição ao regime –, Von Braun era, inequivocamente, um gênio da engenharia aeroespacial, provavelmente só comparável ao seu par soviético, Serguei Korolev. Após a guerra, Von Braun, com outros 1,6 mil cientistas, além de engenheiros e técnicos alemães, foi levado para os EUA, onde trabalhou no desenvolvimento de mísseis militares e, depois, na Nasa, na criação dos foguetes que levariam o homem à Lua. Uma das crateras do satélite foi batizada em sua homenagem.
Foi a mesma tecnologia usada na Alemanha que permitiu o desenvolvimento dos foguetes Saturno. As primeiras versões, o I e o IB, foram usadas para lançar humanos na órbita da Terra. Com a versão V foram feitas duas missões iniciais, as Apollos 4 e 6, sem tripulação, para testar os foguetes. Só depois humanos seriam levados a orbitar a Lua e depois a pousarem nela. Ao longo de todo o Programa Apollo, que terminou em 1972, o Saturno V levou 12 homens a caminhar em solo lunar. O último uso dos foguetes Saturno foi para lançar a Skylab, a primeira estação espacial americana, em 1973.
Outra preparação intensa envolveu os pilotos de origem militar Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins, que faziam parte do programa Apollo e treinaram duro para se tornaram os primeiros seres humanos a chegar à Lua. Armstrong e Aldrin simularam durante meses com a roupa de astronauta os movimentos que fariam em solo lunar, o que por si só já necessitava um grande esforço. A viagem também exigiu treino para a coleta de amostras de solo e a descida do módulo lunar.
O traje usado pelos astronautas tinha nove camadas. Seu peso, somado com o da mochila que levava o oxigênio, chegava a 81 quilos. Isso quando medido aqui na Terra. Sem a gravidade, na Lua o peso caía para 13,6 quilos.
Tamanha mobilização de dinheiro, tempo e recursos humanos operou a façanha. Oito anos depois do anúncio feito por Kennedy, mais exatamente no dia 20 de julho de 1969, às 17h17 (horário de Brasília), o módulo lunar Eagle (águia, em português) pousava na Lua. “Houston, aqui Base da Tranquilidade”, anunciou o comandante Neil Armstrong, se dirigindo ao controle da missão, no Texas, e se referindo ao local de pouso. “A águia pousou.” Em Houston, onde todos mal respiravam em meio à tensão e à expectativa, o momento foi de alívio. “Base da Tranquilidade, (....) tinha um bando de caras aqui quase ficando azuis”, foi a resposta. “Estamos respirando de novo. Muito obrigada.”
Seis horas após o pouso, Armstrong desceu do módulo e, finalmente, pôs os pés na Lua. “É um pequeno passo para o homem. Um grande salto para a humanidade”, disse, numa frase que, garante, não tinha sido ensaiada. Dezenove minutos depois, Aldrin se juntou a ele. Os dois ficaram juntos na superfície lunar por cerca de 2h15 e coletaram mais de 20 quilos de rochas. Em gestos inequívocos de conquista territorial, os astronautas registraram para a eternidade a pegada de Aldrin e cravaram uma bandeira americana no satélite.
É um pequeno passo para o homem. Um grande salto para a humanidade”Comandante da Missão Apollo 11, Neil Armstrong, ao pisar na Lua
“Parecia um filme de terror e suspense que já durava quase quatro dias, todo mundo fixado no rádio e na televisão, torcendo para nada dar errado”, lembra o diretor do Observatório Nacional, o astrônomo João dos Santos que, na época, tinha 25 anos. “Aí chegou o grande momento. O homem ia finalmente conquistar a Lua, colocar os pés naquele solo árido e desértico. Ia chegando a hora e as pessoas foram se reunindo na casa dos amigos e parentes para ver o acontecimento, como se fosse a final de uma Copa do Mundo, uma partida de futebol espacial. (...) Era o planeta olhando para a Lua, esperando aquele pequeno passo com um significado tão grande. Não dá para esquecer aquela imagem, a marca da bota no solo lunar. Cinquenta anos se passaram, mas, ainda hoje, vejo, nítida, aquela imagem indelével, gravada para sempre na memória.”
A repercussão foi imediata. Estima-se que nada menos de 600 milhões de pessoas tenham assistido ao pouso na Lua pela televisão em todo o mundo. As icônicas imagens da pegada em solo lunar, dos astronautas caminhando em outro mundo estão encravadas até hoje no imaginário popular. O New York Times, um dos mais importantes jornais do mundo, numa decisão editorial muito rara em sua história, dedicou toda a primeira página da edição do dia 21 de julho à notícia. “Homens andam na Lua”, anunciava a manchete, em letras garrafais.
A corrida entre os EUA e URSS para conquistar a Lua teve ampla cobertura do Estadão desde o seu início nos anos 50. Dos primeiros testes com naves não tripuladas, passando pelo voos com cobaias - macacos e cachorros - aos primeiros com humanos dentro das aeronaves, foram várias páginas mostrando a evolução da exploração espacial. Em julho de 1969, a cobertura chegou ao ápice junto com a chegada da Apollo 11 à Lua, com dez dias de manchetes mostrando os ajustes finais, a partida, o pouso e a volta dos astronautas americanos para a Terra. Veja a cobertura original do jornal naqueles dias. E leia o depoimento do repórter Ethevaldo Siqueira, que acompanhou pelo Estadão, direto da Nasa, a viagem da Apollo 11.
“Colocar um ser humano na Lua foi um passo extraordinário para a humanidade, sobretudo quando pensamos na tecnologia disponível na época”, afirma a astrônoma Rosaly Lopes, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. “Mas do ponto de vista filosófico também foi muito importante. Foi um feito não só dos Estados Unidos, mas algo que uniu toda a humanidade.”
A astrônoma Duília de Mello, da Universidade Católica da América, pesquisadora da Nasa, concorda com a colega. “Daqui a 500 anos, quando forem lembrar do século 20, tenho certeza de que ele será citado como o século em que chegamos à Lua. Foi um grande marco para a humanidade”, sustenta Duília. “Além disso, vimos a Terra do lado de fora, da Lua, o que é um feito muito legal porque nos coloca dentro de um outro contexto, revela a pequenez da Terra diante do Universo.”
Além de coletarem amostras para trazer para a Terra, os astronautas da Apollo 11 desenvolveram experimentos que ajudaram a compreender várias características da Lua. Os sismógrafos, por exemplo, mostraram que existe movimento sísmico na Lua – não como na Terra, uma vez que no satélite não existem placas tectônicas, mas pela própria força de maré exercida pela Terra. Medir como variam as medidas entre a Lua e a Terra com o passar do tempo permitiu entender a dinâmica dos dois corpos, e a força que um exerce sobre o outro. A distância é medida desde então e hoje sabemos que ela está mudando. A Lua está se afastando da Terra a uma média de 3,8 centímetros por ano.
O centro de controle da Apollo foi todo restaurado e hoje pode ser visitado tal como ele era no Centro Espacial Jonhson da Nasa, há 50 anos. No local foram monitoradas as nove missões Gemini, todo o programa Apollo e depois 21 missões nos ônibus espaciais. O projeto de restauração buscou retratar com precisão como o centro se parecia no exato momento da aterrissagem histórica, em 20 de julho de 1969. Parece ainda retratar o momento em que, após conseguir o impossível, os controladores puseram seus charutos comemorativos no cinzeiro e voltaram para casa para uma noite de sono muito merecida.
O desenvolvimento científico necessário para levar o homem à Lua há 50 anos está nas bases de várias tecnologias que usamos até hoje. A miniaturização dos componentes, que possibilitou reduzir aparelhos até então enormes e mandá-los para o satélite, foi o primeiro passo para criar todos os dispositivos de bolso que temos atualmente, como os celulares.
Na época, um computador era uma geringonça do tamanho de sete geladeiras colocadas lado a lado. Em um trabalho de centenas de cientistas e engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), foi reduzido a um cubo de 30 centímetros e 30 quilos. A capacidade ainda era menor do que qualquer smartphone que temos hoje, mas já era uma tecnologia cerca de dez anos à frente de seu tempo. E foi o que possibilitou guiar os astronautas até a Lua e também de volta à Terra, como lembra a Nasa em uma página sobre os benefícios da exploração espacial.
A agência sempre teve a preocupação de promover a transferência de tecnologias e mostrar que as viagens tripuladas para a Lua – além de gerarem um enorme conhecimento científico sobre a formação do satélite e sua relação com a Terra e de trazer pistas sobre o próprio sistema solar – também tiveram os mais diversos desdobramentos. Eles vão da criação do programa de satélites Landsat (que registram diariamente imagens do nosso planeta e mostram, por exemplo, a evolução do desmatamento em todo o mundo) – inspirado a partir das primeiras fotos da Terra feita pelas missões Apollo –, à invenção, em parceria com empresas, de novos produtos que podem muito bem sem encontrados hoje em dia em nossas casas. O Programa de Transferência Tecnológica da agência tem, inclusive, uma publicação anual – a Spinoff – que destaca tecnologias da Nasa que se transformaram em produtos e serviços comerciais. Publicada desde 1976, já trouxe histórias de cerca de 2 mil produtos, uma média de 50 por ano.
Toda parte de sensoriamento remoto (como satélites usados para monitorar desmatamento, mudanças de paisagem e busca por recursos naturais) que temos hoje foi desenvolvida a partir de bases lançadas na corrida espacialRoberto Costa, professor do Instituto de Astronomia da USP
De acordo com Roberto Costa, da USP, uma evolução tecnológica imensa ocorreu na área. “A ciência de materiais evoluiu muito a partir dali. Foi preciso desenvolver compostos que resistissem à temperatura, à pressão, ao tempo. Tudo isso teve impacto na tecnologia e na indústria”, diz.
Dois dos exemplos mais conhecidos e talvez mais populares em todo o mundo são as câmeras digitais e os celulares, resultado da invenção do sensor de imagem CMOS (semicondutor de metal óxido complementar) para captar imagens do espaço. O dispositivo é pequeno, requer baixíssima potência e é altamente eficiente. Outro exemplo destacado pela Nasa é o de ferramentas elétricas sem fio, como os mini-aspiradores de pó que foram desenvolvidos pela Black and Decker após refinar uma espécie de furadeira portátil que os astronautas tinham usado para extrair amostras da Lua.
Não faltam objetos que podem ser encontrados dentro de casa, como o famoso “travesseiro da Nasa”, que já teve como garoto propaganda o atual ministro de Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes, e de fato tem a ver com o espaço. Nos anos 1960, a agência começou a estudar formas de melhorar a segurança e o conforto em viagens aéreas comerciais. A ideia era ter um assento à prova de choques. Chegou-se à espuma temperada, ou com memória, que tem uma boa capacidade de absorver o choque. Hoje é usada em colchões e travesseiros, mas também em camas de hospital e próteses.
Tem tecnologia da Nasa até na chapinha de cabelo. Uma companhia de produtos de beleza incorporou nanopartículas de cerâmica-metálica desenvolvidas pela Nasa em chapinhas, escovas e secadores de cabelo para liberar íons negativos que tornam mais fácil arrumar o cabelo. Essas partículas haviam sido estudadas para criar microcápsulas que carregassem drogas de combate ao câncer com precisão. Também foram adotadas partículas de nanoprata, que a agência havia testado como agentes esterilizantes ajudou a empresa a criar ferramentas com superfícies auto-desinfetantes.
O armazenamento de dados na chamada nuvem teve origem em um esforço que a Nasa empenhou em 2008 para padronizar suas milhares de páginas na internet. Como o trabalho envolveu uma equipe grande de desenvolvedores web, foi criado um pacote padrão de ferramentas e métodos. Mas para isso funcionar, percebeu-se que era preciso construir uma “camada de infraestrutura” que forneceria o poder de computação e armazenamento para executar o serviço. Era a base do sistema Open Stack. A inovação estimulou o crescimento de toda uma indústria em serviços de nuvem de código aberto.
Até mesmo missões que terminaram em tragédia, como desastre do ônibus espacial Columbia, que explodiu alguns minutos antes de pousar de volta à Terra em 2003, matando sete astronautas, deixou um legado de conhecimento. Para entender como uma peça leve de espuma causou um buraco na ponta da asa esquerda da nave, além de compreender o próprio acidente e evitar novos, a Nasa contou com a ajuda de uma empresa que recriou as condições do acidente. Foi preciso usar um sistema adaptado para a alta velocidade da nave para observar como os materiais se deformam em determinadas condições. Depois, esse sistema foi usado para analisar o co mportamento dos pés dos maratonistas olímpicos ao atingir o solo, o que resultou no desenvolvimento de tênis de alta performance.
“Magnífica desolação.” Essa foi a primeira ideia que passou pela cabeça de Buzz Aldrin ao pisar na Lua, logo depois de Neil Armstrong dar o primeiro passo no satélite. Impressionado, ele sintetizou naquelas palavras a falta de qualquer sinal de vida, a escuridão, o frio intenso que sentia e a noção de que aquela paisagem, para onde quer que olhasse, até o horizonte, se mantinha a mesma havia milhares de anos. “É a coisa mais desoladora que eu já vi”, diria Aldrin, depois, várias vezes. As amostras que ele e Armstrong – e depois os astronautas das cinco missões Apollo que também pousariam na Lua até 1972 – coletariam daquele cenário, porém, revelaram, em meio à desolação, um testemunho emocionante da história do Sistema Solar. A superfície do satélite guarda um registro não apenas de seu próprio desenvolvimento, como também dos outros planetas.
Seria razoável argumentar que a Apollo lançou as bases para a ciência planetária moderna, certamente no que se refere à origem e à evolução dos planetas terrestres”Ian Crawford, da Universidade de Londres, no artigo O Legado Científico da Apollo, publicado em dezembro de 2012 na revista Astronomy and Geophysics.
As seis missões tripuladas trouxeram para a Terra 382 quilos de amostras de rochas lunares. Um pouco menos da metade foi imediatamente estudada e revelou, por exemplo, que a Lua e a Terra são muito parecidas em termos de composição, com algumas diferenças em relação à quantidade de substâncias específicas, como tório e lítio, encontrados por lá em altas quantidades. “Essa foi a descoberta mais importante. Significa que a Lua e a Terra devem ter se originado de uma maneira muito fortemente ligada, pois são do mesmo tipo de material”, explicou Jim Green, cientista-chefe da Nasa, em palestra em junho no Museu Nacional do Ar e Espaço, da Instituição Smithsonian, em Washington.
O achado confirmou a teoria de que a Lua se formou há 4,6 bilhões de anos, a partir de detritos lançados da Terra por uma colisão com um objeto do tamanho de Marte, no início da história do nosso planeta. Rochas datadas com essa idade, no entanto, surpreenderam os cientistas, uma vez que na Terra as mais antigas chegam a, no máximo, 3,8 bilhões de anos. Os estudos com as amostras também revelaram que no começo o satélite era coberto por um oceano de magma derretido na superfície que, depois, formaria a crosta. Quando ela resfriou, teve início o processo geológico mais importante, que definiu como a Lua é.
Bombardeamentos intensos de meteoritos e asteróides formaram suas tão características crateras, algumas com mais de 300 quilômetros de diâmetro. A maior delas chega a 2,5 mil km. Quando o impacto acontece, a rocha derrete e outras estruturas surgem após o resfriamento. Datações feitas em amostras coletadas nessas rochas permitiram estimar quando as crateras foram formadas.
“Se a Lua tem um monte de crateras e ela é o nosso pequeno acompanhante no espaço, mantendo registro de todos esses impactos, é de se imaginar que a Terra também foi submetida a essa mesma população de corpos impactantes”, afirmou Brett Denevi, cientista planetária do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, também em palestra no Smithsonian em comemoração aos 50 anos da chegada do homem à Lua. “Nosso planeta, porém, não preserva os registros desses impactos, uma vez que temos placas tectônicas em atividade, erosão, intemperismo (na Lua não tem nada disso, sem atmosfera, não há chuva nem vento, por exemplo). Sem a Lua, não conheceríamos esta história incrível de bombardeamento através do sistema solar”, complementou.
Para os pesquisadores, esse é um dos bons motivos pelos quais o homem precisa voltar à Lua. Uma segunda onda de impactos sofridos pelo satélite aconteceu há 3,9 bilhões de anos, época que a vida estava surgindo na Terra. Se a Lua foi atingida, nosso planeta também deve ter sido. “Nossa atmosfera realmente destruiu esses registros, mas podemos imaginar, numa comparação apenas de tamanho, que para cada cratera na Lua devem ter 20 na Terra. Isso significa que todo tipo de material veio parar aqui”, disse Green. “Voltando para a Lua, podemos entender o que pode ter feito semear vida neste planeta. Esta resposta está nas rochas na Lua”, sentenciou.
De acordo com o cientista-chefe, cerca de 60% das amostras trazidas da Lua foram guardadas, de propósito. Simplesmente porque a Nasa sabia que no futuro haveria instrumentos melhores para fazer análises que não poderiam ser feitas há 50 anos. Em março, a agência anunciou que selecionou nove equipes para estudar pedaços da Lua que foram preservados sem nunca terem sido tocados. Alguns deles nem sequer foram expostos à atmosfera da Terra. Vieram selados a vácuo com a última expedição, a Apollo 17, e serão abertos só agora. “Estudando essas preciosas amostras lunares pela primeira vez, uma nova geração de cientistas vai ajudar a avançar nosso entendimento sobre a Lua e preparar para a próxima era de exploração da Lua e além”, disse na ocasião Thomas Zurbuchen, administrador associado do Diretório de Missão Científica da Nasa.
Essa nova leva de pesquisas das amostras de rocha vem num momento de “renascimento da exploração da Lua” – como define Brett –, que deve culminar com a volta ao satélite prometido para 2024. Depois que terminaram as missões tripuladas da Apollo, a então União Soviética ainda mandou uma sonda para a Lua em 1976, mas depois houve um hiato até o fim dos anos 2000. “Se na primeira era apenas EUA e União Soviética participaram, agora há missões também do Japão, da Índia, da China, de Israel, que estão trazendo um novo olhar fantástico sobre a Lua, mostrando coisas que não sabíamos ou não tínhamos conseguido ver na primeira era da exploração”, comenta Brett.
Segundo a pesquisadora, uma das coisas mais importantes que esse novo período trouxe foi um contexto mais global sobre as características da Lua. Todos os seis pousos da Apollo ocorreram em uma região relativamente restrita do chamado lado mais próximo da Lua – aquele que nós vemos da Terra. E, por mais que as amostras tenham trazido e ainda trazem informações preciosas, não dava para saber se eram representativas de toda a Lua.
O famoso lado oculto – ou lado mais distante, em termos científicos – só começou a ser mais bem entendido nos últimos anos com sondas que conseguiram fotografá-lo em altíssima resolução e fazer medições em detalhes. E as expedições revelaram que os dois lados são bem distintos. Há diferenças, por exemplo, na concentração de elementos e na estrutura da superfície. Enquanto o lado próximo, por exemplo, é repleto dos característicos pontos mais escuros, o lado mais distante tem apenas 4% de sua área com os chamados “mares”. Essas planícies basálticas foram formadas com material vulcânico nos locais onde houve impactos na superfície lunar. “Isso significa que os impactos do lado mais distante não foram profundos o bastante para trazer para cima o magma que preencheu as crateras que dão a visão escura da Lua”, explicou Green em sua apresentação.
Medições com laser feitas pela sonda Lunar Reconnaissance Orbiter também revelaram que no lado mais distante da crosta é muito mais grosso, chegando em alguns pontos a ter 30 quilômetros de diferença. E ali há picos enormes, em oposição às muitas planícies do lado mais próximo. A exceção é uma enorme bacia, de 2.500 km, localizada no polo sul. É a maior bacia de impacto já identificada no sistema solar.
Além do tamanho, o local, chamado de Bacia Aitken do Polo Sul, chama muita atenção porque imagina-se que o fenômeno que o criou tenha sido tão poderoso que deve ter penetrado a crosta da Lua, varrendo-a e expondo o manto. “Como na Terra não conseguimos alcançar o manto do planeta, ali é a melhor forma de termos acesso a isso”, resumiu Green. “Isso é importante porque se trata de como os planetas são formados. O manto fica sob enorme pressão e isso muda a mineralogia, muda tudo sobre a distribuição dos átomos, das rochas. É baseado no que tem no manto, que ele poderá suportar a crosta acima”, disse.
Foi exatamente nesse local que, no início deste ano, a China pousou na Lua pela primeira vez. Foi também a primeira vez que um país colocou um robô no chamado lado oculto do satélite. O feito, com sonda Chang'e-4, faz parte de um amplo projeto chinês de exploração lunar. Pequim também quer enviar astronautas para lá e já tem o plano de colocar em órbita uma moderníssima nova estação espacial em 2022. As mais recentes expedições com instrumentos revelaram ainda que os polos, tanto o sul quanto o norte, são grandes depósitos de água congelada e possivelmente de outros recursos, o que os torna particularmente interessantes para as explorações futuras.
“Isso vai mudar o jogo. Imaginamos que possa existir na Lua algo entre uma a duas centenas de milhões de toneladas de água, o que pode ainda ser subestimado. Só vamos saber quando pudermos andar por lá e olhar, pegar essa água. Criar hidrogênio e oxigênio a partir dela para servir de combustível para foguete. Respirar esse oxigênio, beber essa água. H2O é H2O aqui, ou na Lua ou em Marte”, disse esperançoso Green.
O ser humano deve voltar à Lua dentro de cinco anos. A expectativa é de que em 2024 - 52 anos depois de termos caminhado pela última vez por aquela superfície poeirenta - uma mulher astronauta pise pela primeira vez no satélite. Será o primeiro passo também de um plano de exploração de longo prazo. A humanidade, agora, quer se assentar na Lua e, de lá, ir além: Marte será a próxima parada. Ao menos esses são os planos da Nasa para o Projeto Artemis (irmã gêmea de Apolo na mitologia grega), já reajustados em alguns anos. Reportagens publicadas há dez anos, quando o pouso histórico da Apollo 11 completou 40 anos, já traziam a previsão de que a Lua serviria como um trampolim para Marte. A expectativa, na época, era voltar para o satélite em 2019.
Vai demorar um pouco mais do que os americanos, e o presidente dos EUA, Donald Trump, gostariam, mas agora, mais do que nunca, o cenário parece favorável para começar a nova era de exploração. Se há 50 anos colocar um homem na Lua era uma questão de supremacia nacional em meio ao tenso contexto geopolítico da Guerra Fria entre Estados Unidos e a antiga União Soviética – em que os esforços e os recursos eram predominantemente governamentais –, agora os trabalhos envolvem parcerias da Nasa com empresas e instituições estrangeiras.
As motivações também são diferentes. Há um claro interesse comercial em ocupar o espaço entre a Terra e a Lua para desenvolver a chamada economia lunar, e os custos para o desenvolvimento de tecnologias estão sendo diluídos entre as muitas partes envolvidas. É o que vem sendo chamado de New Space, em que empresas privadas assumem o protagonismo. Com o passado fresco na cabeça, porém, é difícil não observar que ainda há um certo clima de competição. Depois que a China conseguiu pousar com uma sonda robótica, no início do ano, no lado mais distante da Lua, os americanos estabeleceram cronogramas mais justos.
Para especialistas, trata-se de um novo tipo de corrida espacial. “A China tem um programa espacial com uma frequência nunca vista antes. É um negócio frenético, estão lançando em torno de três foguetes por mês. Eles têm uma estação espacial só deles, super moderna, e estão investindo forte na Lua. Hoje estão com um rover no lado mais distante e têm um sistema para se comunicar com ele, o que sempre tinha sido um problema para a Nasa”, comenta o empreendedor espacial brasileiro Lucas Fonseca, diretor da Garatéa, que planeja ser a primeira missão lunar brasileira.
O pesquisador, assim como outros especialistas ouvidos pelo Estado, diz que muita gente do setor desconfia da capacidade da Nasa de cumprir os próprios prazos – até porque eles foram adiados já em outras ocasiões. “Pode ser que a China chegue antes e acho que por isso os Estados Unidos estão correndo com o prazo de 2024”, diz. Em um congresso sobre jornalismo científico ocorrido no início de julho, na Suíça, essa foi a primeira dúvida que surgiu entre os participantes de um painel sobre o futuro da exploração lunar, mas representantes das agências especiais de China, Europa, Estados Unidos e Rússia se esforçaram para passar a imagem de que o clima agora é de colaboração.
Wu Ji, ex-diretor do Centro Nacional de Ciência Espacial da China, reconheceu que é um desejo dos chineses colocar um ser humano na Lua, mas afirmou que neste momento o foco é a construção da nova estação espacial, prevista para 2022. “Vai requerer um grande esforço nosso. E, depois que ela estiver pronta, teremos bastante atividade para fazer lá. Se a gente adicionar um pouso na Lua… bem, não é impossível, mas ainda não há uma decisão de mandar astronautas para lá.” Questionado especificamente depois sobre se a primeira mulher na Lua poderia ser chinesa, foi diplomático. “A primeira mulher será dos Estados Unidos. Eles têm plano para isso.”
O tom foi parecido entre os representantes das agências europeia e americana. Só Anatoly Petrukovich, diretor do Instituto de Pesquisa Espacial da Rússia, fez graça: “Políticos são como crianças no jardim de infância. Se alguém quer, então todo mundo quer. Nesse sentido, é uma espécie de corrida, mas uma em que todo mundo está ajudando o vizinho”, disse. A motivação que parece funcionar como a cola dessa união é pragmática.
“Nós fomos para a Lua há 50 anos para bater os russos, para ganhar a Guerra Fria. Agora as razões pelas quais vamos voltar têm mais a ver com os planos do que queremos fazer na Lua depois. O valor do programa espacial tem de justificar o gasto. Se formos como uma corrida espacial, não teremos colaboração”, defendeu Lori Garver, ex-administradora da Nasa, entre 2009 e 2013, e chefe executiva da Earthrise Alliance, organização filantrópica que trabalha com dados de satélites do planeta.
A Nasa tem feito uma série de acordos com empresas privadas que vão começar a transportar para a superfície do satélite instrumentos científicos. A ideia inicial é coletar novos dados para ajudar a definir onde será o pouso futuro, mas depois peças dessas máquinas serão reutilizados para montar a Gateway – estação espacial que vai ficar na órbita da Lua para servir de suporte para as futuras missões tripuladas e robóticas. Com propulsão gerada por energia solar, será a hospedagem mais longe da Terra que o ser humano jamais esteve.
Já para o final do ano que vem está agendada a decolagem inaugural do Space Launch System (SLS), o maior foguete já projetado e que no futuro próximo vai lançar a cápsula Orion com os astronautas. O SLS vai fazer um voo em oito ao redor da Lua e voltar para a Terra. A estimativa é que em 2022 ele já possa orbitar o satélite, e que em 2024 aconteça finalmente o pouso da Orion. A proposta neste momento é descer no polo sul, onde há enormes reservas de água congelada. A ideia é descobrir se é possível extrair essa água tanto para consumir quanto para poder quebrar as moléculas a fim de gerar oxigênio e também energia com hidrogênio. Pelo cronograma da Nasa, a expectativa é a partir de 2028 ter uma constante presença humana e robótica na Lua. E quem sabe por volta de 2040 ir de lá para Marte.
Empreendedores que vêm há tempos sonhando com essa ocupação, têm os mais diversos planos, alguns com jeitão de ficção científica, mas muita gente acredita que são possíveis. “Podemos criar manufatura na Lua, por exemplo, para indústria de pesados, que poderiam ser trabalhados lá com muito mais facilidade por causa da falta de gravidade”, enumera Lucas Fonseca. Entre as ideias está fazer esses produtos com metais minerados diretamente de asteroides. “Tem um asteroide próximo da Terra que sozinho tem em minério o equivalente a US$ 10 quatrilhões”, diz. “Existe uma justificativa econômica, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, para pensar num aproveitamento de recursos naturais fora do planeta. E assim não mais contaminar nem destruir o que resta da Terra”, defende o também pesquisador brasileiro Sidney Nakahodo, professor da Universidade Columbia e presidente da New York Space Alliance.
Mas antes disso, deve crescer a chamada economia cislunar – entre a Terra e a Lua – com destaque para o turismo espacial. “Acho que 2019 será um ano pivotal para começarmos a ver mais disso. No começo, a aviação também era somente coisa de gente rica. Esse turismo vai começar com gente milionária, mas essas viagens vão validar a tecnologia e gerar receita para desenvolver um sistema de transporte que daqui a pouco estará viajando do Brasil a Tóquio em 1h30”, imagina Nakahodo.
Visionários como Elon Musk, da SpaceX, e Jeff Bezos, da Amazon e Blue Origin, querem mudanças ainda mais radicais, como realmente tirar as pessoas daqui. Musk quer colonizar Marte. Bezos quer esvaziar a Terra para sempre. Ir para a Lua é visto como o primeiro passo para começarmos a aprender a viver em outro lugar. “Esses magnatas do espaço querem mudar o rumo da humanidade”, resume Fonseca. O princípio é preservar o planeta e ocupar outros espaços de modo mais sustentável.
É uma ideia que encontra ressonância no passado da exploração lunar. Em dezembro de 1968, na véspera do Natal, a Apollo 8 – primeira missão tripulada a orbitar a Lua – fez o que se tornaria a mais icônica imagem da Terra a partir do espaço. Os astronautas se preparavam para mandar uma mensagem de Natal para o mundo quando, pela janela, viram uma bola azul surgindo por trás da Lua. Era o nascer da Terra (ou Earthrise, como a expressão ficou conhecida). Nosso planeta aparecia sozinho, frágil no meio da escuridão. Era como um oásis. O astronauta William Anders, encarregado como fotógrafo da missão, começou a disparar sua máquina e aquelas fotos se transformariam em bandeira para o nascente movimento ambientalista. A Terra se mostrava algo singular, “a única cor no Universo”, diria Anders anos depois. A vida estava toda ali. Era preciso cuidar daquele planetinha.