CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES
Estou relendo, acredite, O amor nos tempos do cólera, do Gabriel García Márquez, romance ao qual me reconduziu a ironia da situação atual. Na fila, A peste, de Albert Camus, outra releitura que tem tudo a ver.
Sugestões de leitura
Qualquer um dos livros do Antônio Carlos Viana (1944-2016), na minha opinião o melhor contista surgido dos anos 1990 para cá:O meio do mundo, Aberto está o Inferno, Cine privê e Jeito de matar lagartas. Se possível, todos os quatro. Recomendo a obra, por sua extraordinária qualidade, e também o gênero: na situação de quarentena, a leitura de um punhado de histórias talvez seja mais estimulante do que a de um caudaloso romance. Se eu estiver enganado, o que não é nada improvável, recomendo que se vá correndo a qualquer livro do Philip Roth.
Outras atividades
Quando não estou lendo, sou, como sempre, um galé da ‘escreveção’: uma biografia tão fascinante como complicada, crônicas semanais para o Caderno 2 e curadoria do Portal da Crônica Brasileira, do Instituto Moreira Salles (recomendo com entusiasmo). Afora isso, pandemia & pandemônio nas redes sociais, das quais começo a estar farto, antes de catar um filme na TV. Vicissitudes de quem, em tempos de vírus, agora dorme no emprego.
Sempre leio três ou quatro livros ao mesmo tempo, em horários diferentes. Neste momento leio: A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero (Ed. Todavia); Gente Independente, de Halldór Laxness, autor islandês, de quem jamais ouvira falar e que até ganhou um Nobel em 1955. Da Islândia, tinha notícias através de Valter Hugo Mãe (Ed. Globo); Do que é feita a maçã, de Amós Oz, conversas sobre vida, trabalho, amor, culpa e prazeres. Como nunca lhe deram o Nobel? (Companhia das Letras); História do Mundo Feudal, de Mario Curtis Giordani (Ed. Vozes), grossíssimo - 685 páginas. Tento entender nele a mentalidade medieval do Bolsonaro. Talvez mude para a História de Roma, para ver como ele e Nero são os mesmos.
Sugestões de leitura
● 21 Lições Para o Século 21, de Yuval Noah Harari
● História da Estupidez Humana, de Walter Pitkin - vão encontrar em sebos
● Na Memória dos Rouxinóis, romance da poeta portuguesa Filipa Martins, Ed. Quetzal. - uma delicia!
● Essa Gente, de Chico Buarque
● A Peste, de Albert Camus
● Robinson Crusoe, de Daniel Defoe - para aprendermos a viver sozinhos e isolados nestes tempos de coronavírus
● Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll - para ver como Alice caiu num buraco e descobriu o Brasil. Delicia de metáfora!
● Dicionário da República (Companhia das Letras), de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Staring - para compreender porque este País é assim. Para ler lentamente.
● O idiota, de Dostoievski (Ed.34) - pensar que Dostoievski escreveu este romance no século 19, antecipando o nosso (meu? nunca) Bolsonaro
● Reler Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez - para ver como tudo é possível
● Aproveite e leia também O Outono do Patriarca, do Gabriel Garcia Marquez, mesmo.
● Todos os policiais de Garcia Roza e Tony Bellotto e Raymond Chandler.
● E por que não o Dom Quixote - atualíssimo e engraçadíssimo?
● Uma Biografia: Jorge Amado, de Josélia Aguiar (Ed. Todavia)
● Meu Destino é Pecar, de Nelson Rodrigues - mais atual que nunca. Aqui está a classe média brasileira. Nelson deu assunto para todas as novelas de todas as tevês brasileiras. Menos as da Record, baseadas na Bíblia reescrita pelo Edir Macedo.
● Musashi, de Eiji Yoshikawa - um clássico dos romances de Samurai no Japão. O mais lendário de todos os samurais da história (Ed. Estação Liberdade), 2 volumes, 1.800 páginas. Dá para passar a quarenta inteira emocionado se o bicho vier nem sentimos a piada...
Espero que baste, até que essa 'fantasia' de epidemia desapareça. Depende de quantos Ministros da Saúde sejam trocados até lá.
Outras atividades
No mais, filmes e filmes. Tenho um deveteca de mais de 600 filmes de meu agrado, antigos e modernos. Rever 8 e Meio (que já vi 130 vezes), A Doce Vida, E O Vento Levou, Bacurau, Os Parasitas, O Cangaceiro, de Lima Barreto, Sinhá Moça, para rever Eliane Lage em seu esplendor, Um Corpo que Cai, Gilda, A Marca da Maldade, Acossado, ...E Deus Criou a Mulher, botar a nostalgia em dia. Ingmar Bergman - tenho completo - principalmente O Sétimo Selo, em homenagem ao Max Von Sydow. E muita Doris Day, Cyd Charisse, Bob Fosse, Fred Astaire. Usar a Netflix e o Now. Se bem que a internet ruim vai piorar com tanto de acessos. No mais, bater caçarola na janela.
Enquanto Houver Champanhe Há Esperança, do Joaquim Ferreira dos Santos, um mestre na habilidade de nos prender. É uma biografia do Zózimo, colunista social do Rio dos anos 1960-70, que fala do duro período da ditadura e de como a sociedade se uniu e tentou, apesar de tudo, viver dignamente, com humor, alegria, e de como tentavam romper o cerco da censura.
Sugestões de leitura
Aproveite para ler aquele livro que você sempre adiou. Emende uma trilogia, como a de Jonathan Franzen. E ler para os filhos, sempre.
Outras atividades
Muitas séries estrearam ou estão em nova temporada na Netflix, como Better Call Saul, do genial Vince Gilligan, e Narcos Mexico. Na HBO, tem o novo Westword, The Plot Against America, do que sempre acerta David Simon, e a divertidíssima Avenue 5, dos roteiristas do The Veep. E na Apple TV, The Morning Show e Amazing Stories, produzido pelo Spielberg.
Leio mais de um livro de cada vez, mas só um pode ser de ficção; se não confunde a cabeça. Minha ficção atual é O Retalho (Le Lambeau), do francês Philippe Lançon, traduzido por Julia da Rosa Simões para a Editora Todavia. Prêmio Femina de 2018, é um romance poderoso, contando a história do autor, sobrevivente do atentado terrorista ao jornal de humor Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015. Ao longo de suas 416 páginas, com idas e vindas no tempo, concatenados com invejável desenvoltura, Lançon, 56 anos, retrocede à sua infância no interior do país (Vanves), às guerras africanas que cobriu como correspondente e ao que viu e aprendeu escrevendo sobre cultura em Paris e em Cuba. Identifiquei-me de cara com Lançon, ao ler este trecho, na pág. 10:
“A crítica me permite lutar contra o esquecimento? Claro que não. Vi muitos espetáculos e li muitos livros dos quais não me lembro, mesmo depois de ter lhes dedicado um artigo, sem dúvida porque não despertaram em mim nenhuma imagem, nenhuma emoção verdadeira. Pior que isso: costumo esquecer o que escrevi. Quando o acaso traz um desses artigos fantasmas à tona, sempre fico um pouco assustado, como se outra pessoa o tivesse escrito sob meu nome, um usurpador. Pergunto-me, então, se não escrevo para esquecer o mais rápido possível o que vi ou li, como as pessoas que mantêm um diário para limpar a memória do que viveram. Perguntava-me, até o dia 7 de janeiro de 2015.”
Sugestões de leitura
O confinado pode optar entre a literatura escapista (que pode até ser Dostoievski e Kafka, mas sem qualquer alusão a epidemias e catástrofes correlatas) e a literatura que, à falta de nome mais adequado, chamarei de engajada, desde os clássicos – Boccaccio (Decameron), Daniel Defoe (Diário do Ano da Peste), Edgar Allan Poe (o conto A Máscara da Morte Vermelha), Albert Camus (A Peste), Alessandro Manzoni (Os Noivos), Thomas Mann (Morte em Veneza), José Saramago (Ensaio Sobre a Cegueira) – aos contemporâneos, como Stephen King (Dança da Morte) e Emily St. John Mandel (Estação Onze).
Os livros de Camus e Saramago voltaram com todas força à lista dos best sellers na última semana, nos EUA. No próximo dia 28, sai por lá o esperado The End of October, de Lawrence Wright, da revista The New Yorker, que é um relato ficcional em torno de uma pandemia global igual a que padecemos no momento. Seu narrador é um microbiólogo. Parece aterrador.
Outras atividades
Não saio da internet. De vez em quando, dou uma espiada na GloboNews, que está fazendo uma cobertura séria, competente. Procuro evitar um pouco o intoxicante noticiário sobre o avanço do covid-19 e a atualização das estatísticas, é muito aflitivo. Ao pessoal do streaming recomendo um filme de Steven Soderbergh, Contágio, aqui lançado em 2011, que hoje a gente assiste como se estivesse vendo – e se assustando com a verossimilhança – um especial de TV sobre o coronavírus.
Estou sempre lendo. Sem os livros, teria me suicidado porque o vale de lágrimas está cada dia pior e hoje velho, estou no grupo de risco dos que confirmam que nós, brasileiros, gostaríamos que o Brasil desse cerrado e hoje é o mundo do que está acabando. Uma delícia para essa categoria de gente. Voltando, porém, a pergunta: releio trechos do Thomas Mann, A Montanha Mágica que é muito citado e pouco lido só para lembrar a ironia humana do livro: um jovem vai visitar um primo doente de tuberculose em Davos.
Lembro que no século passado a tuberculose era uma doença tipo coronavírus: contagiava e, pior, não tinha cura sobretudo para quem morava em clima tropical. Pois bem, o herói, Hans, vai visitar o primo doente incurável por 7 dias e descobre que também é tuberculoso e fica no sanatório por 7 anos, saindo dele para entrar numa sangrenta batalha da primeira guerra mundial!
Sugestões de leitura
Leia bons livros. Há autores como Mann, Kundera e, entre nós, Machado de Assis que são geniais. Os grandes autores, como Chekhov, ensinam que não sabemos. Que temos que conviver com o inesperado…
Outras atividades
Escrever contos e preparar aulas e me preparar para os desenganos do mundo.
Pensei em aproveitar o confinamento para organizar meus livros, mas não fui muito longe: descobri entre os livros desorganizados uma revista literária inglesa que eu nem me lembrava que tinha, chamada Areté, com o roteiro para um filme sobre o Galileu escrito pelo Tom Stoppard. É o que estou lendo agora. O filme, cujo script ocupa toda a revista, nunca foi feito. Como leio tudo que encontro escrito pelo Stoppard, foi uma boa surpresa. Também ando dando espiadas no último livro da Naomi Klein, escrito antes do ataque dos coronavírus, mas cujo titulo, A doutrina do choque, a ascensão do capitalismo de desastres serviria para o atual desastre que nos assola.
Sugestão de leitura
O Essa gente do Chico Buarque, por que não? O rapaz precisa de um incentivo.
Nesse período de reclusão, li dois bons romances: Apátridas, de Alejandro Chacoff, e O que ela sussurra, de Noemi Jaffe. Esses e outros livros, que li antes da chegada da pandemia, mostram o vigor e a diversidade da literatura brasileira. Cada um, com seus temas e modos de narrar, aludem a esta época estranha, para não dizer sombria.
Sugestão de leitura
Acrescento a essas sugestões de leitura a noveleta A gaiola, do mexicano José Revueltas (1914-76). A gaiola faz um recorte da vida degradante de três presidiários numa penitenciária da Cidade do México. Conciso, denso, narrado com traços de oralidade, o livrinho de Revueltas é ainda um exercício de estilo, bem ajustado a um gênero literário difícil: a novela. A estranheza, a violência, o horror do cotidiano são metáforas da descida ao inferno. Enfim, uma metáfora que fala do nosso tempo.
Outras atividades
A atividade de um escritor é uma espécie de voluntária reclusão domiciliar. Ajudo a cuidar da casa, e convivo mais com meus filhos. Leio e reviso o manuscrito que dará sequência ao romance Pontos de fuga.
No mais, espero que os brasileiros criem uma rede solidária, visando ao bem-estar da coletividade, principalmente os idosos. Nesse período crítico, é preciso renunciar às encarniçadas batalhas ideológicas e seguir as orientações do Ministério da Saúde e do dr. David Uip, aqui em São Paulo. Devemos apoiar e homenagear os que trabalham em hospitais, no SUS e em tantos outros serviços. Sem o trabalho e o empenho dessas pessoas, o abismo estaria mais próximo de todos nós.