Cultura

Quer começar a correr? Veja o que os iniciantes precisam saber

Não basta colocar o tênis e sair por aí; confira dicas de especialistas para quem quer dar os primeiros passos na corrida de rua

Danilo Casaletti, especial para o Estadão

29 de maio de 2021 | 04h55

Calçar um tênis e sair para correr. A atividade é democrática, acessível e – a melhor parte – ajuda a manter a saúde do coração, fortalece as articulações, controla o peso e faz bem para a mente. Porém, para quem pretende iniciar na corrida de rua, há muito mais o que se pensar entre amarrar o calçado e comemorar o avanço da distância percorrida.

O empresário Márcio Novak, de 61 anos, pratica atividade física desde os 13. Foi nadador e jogador de polo aquático e, ao longo dos anos, jamais deixou de praticar esporte. Há cerca de 4 anos, pratica a corrida como alternativa a outros exercícios. Chegou a alcançar 10 km de distância. Com a pandemia do novo coronavírus, e os períodos de academia fechada, decidiu encará-la como esporte principal e passou a correr dia sim, dia não. Mas nem tudo saiu como ele planejava.

Novak começou a sentir dores na virilha e nos glúteos. Ao consultar um ortopedista, foi orientado que precisava corrigir sua biomecânica se quisesse ter longevidade na atividade. “Há muita diferença entre correr e treinar corrida. Minha parte cardiorrespiratória estava excelente, mas eu esqueci que tinha músculos”, diz.

Novak procurou um treinador (Roy, à dir.) para corrigir movimentos
Novak procurou um treinador (Roy, à dir.) para corrigir movimentosFelipe Rau/Estadão

A solução que o empresário encontrou foi buscar a ajuda de uma assessoria esportiva. Desde março, treina três vezes por semana no Parque Ibirapuera sob supervisão de um treinador. Entre os erros que precisou consertar, estavam a postura, a pisada, o movimento do quadril e a abertura do peito.

Bem orientado, Novak, agora, tem um novo objetivo: correr uma meia maratona – são 21 km - em Israel, em março de 2022. “Sou o mais velho da turma. Quando os demais alunos estão voltando, eu estou indo. Isso não me incomoda. Minha ansiedade é avançar dentro do meu programa de treino. Correr me deixa centrado, me mantém equilibrado”, afirma.

O Estadão elaborou um manual com dicas para corredores de primeiras passadas, com dicas dos especialistas Felipe Rabelo, mestre em fisiologia do exercício e consultor de corredores iniciantes; Natália Guardieiro, médica do esporte e nutróloga; e Roy Siqueira, corredor e treinador.



1Qual é sua motivação para correr?

Se antes a busca era apenas pela melhora do rendimento em provas de rua, agora muitos querem se disciplinar, combinar a atividade com dieta e até mesmo socializar com um grupo, como as equipes esportivas. “É a busca por um estilo de vida, treinar em lugares abertos. Com a corrida, você ganha uma rotina mais saudável, se alimenta e dorme melhor”, diz Roy Siqueira, sócio da EQ Performance, que oferece aulas em locais como os parques Ibirapuera e Villa-Lobos.

Mais do que isso, correr também tem um reflexo direto na saúde de quem pratica. “A corrida diminui até duas vezes o risco de doenças coronarianas, controla a pressão arterial e o índice glicêmico. Para as mulheres, diminui a incidência de câncer de mama e cólon. Por ser um exercício de impacto, ajuda na saúde óssea. Também é importante para a saúde mental e atrasa o aparecimento de demência para quem tem essa predisposição”, alerta a médica Natália Guardieiro.


2Quem pode praticar corrida?

Em geral, não há contraindicação. “Até mesmo quem já teve um enfarte pode correr. Tudo com cautela e com os lineares cardíacos bem definidos para que ele possa ter benefícios”, diz Natália.

A frequência cardíaca pode ser estabelecida por meio de um teste ergométrico, como o de esteira, ou até em um mais avançado, o ergoespirométrico – aquele no qual o paciente corre com uma máscara. Com ele, é avaliado a eliminação de CO2 e o consumo de oxigênio e estabelecido os lineares. Se a pessoa correr em uma frequência cardíaca muito baixa, não há diminuição de risco cardiovasculares. Para quem está começando, a indicação é de uma atividade moderada.


3O que é uma atividade moderada?

Para quem não tem a possibilidade de fazer um teste como o ergoespirométrico ou ainda está sem o frequencímetro, um bom parâmetro, como explica Natália, é o chamado teste da fala. Na atividade física leve é possível até cantar com facilidade. Na moderada, você consegue falar, com dificuldade, mas consegue. Na intensa é impossível até falar.


4Correr para emagrecer é uma opção?

Entre os principais propósitos dos corredores, para além da performance, estão emagrecimento, estética e saúde. “Quando a pessoa está acima do peso, a estrutura corporal não está preparada para suportar aquele sobrepeso a todo momento batendo no chão a cada passada. Ela deve começar com uma caminhada, combinar o exercício com dieta, e, ao perder peso, começar a correr”, diz o especialista Felipe Rabelo.


5Qual é o volume de treino ideal?

De acordo com Siqueira, há dois perfis entre os corredores que buscam uma orientação profissional: o que se preocupa com a distância, por não ser tão rápido, e prefere correr maratonas; e o outro, que é bom na velocidade e vai preferir provas menores, de 5 km ou 10 km, para sempre diminuir o tempo.

“Você pode estar apto para correr, mas pessoas menos condicionadas não podem correr todo dia. É preciso haver o descanso do corpo. Se você não tiver essa percepção, vai ultrapassar seus limites e podem acontecer duas situações: ou você vai se sentir tão cansado que acabará desistindo ou, pela sobrecarga no corpo, pode se lesionar”, explica Rabelo.

As principais lesões entre os iniciantes são inflamações nos tendões, dores nos joelhos e quadril e a famosa canelite.


6Como deve ser a progressão de distância e velocidade?

O treino para um iniciante deve ser uma combinação de corrida e caminhada. A caminhada serve como recuperação para que o praticante possa ganhar resistência muscular e cardiorrespiratória.  O ritmo de treino deve ser três vezes por semana, intercalado com alguma atividade de musculação ou exercícios funcionais, segundo Siqueira.

Segundo Rabelo, após uma avaliação de performance, e de acordo com o objetivo do corredor, será traçado um plano para que ela possa progredir. Exemplo: quem quer correr uma distância de 5 km vai avançar gradativamente, ou seja: fazer pedaços dessa distância ao longo dos treinos durante a semana, até que ele possa correr os 5 km de maneira confortável.

De acordo com Natália, o corredor nunca deve aumentar mais de 5% a 10% do volume de treino por semana, a fim de evitar lesões.


7Como corrigir os erros?

“Pessoas que não têm uma experiência muito rica com atividade física não têm uma coordenação motora muito boa. Elas têm uma corrida pesada, uma passada muita alongada. A corrida é menos eficiente, o que pode gerar lesões. É preciso corrigir tudo isso”, explica Siqueira.

“Quando comecei, o treinador filmou minha corrida e me mostrou quais pontos eu precisava melhorar. Dessa maneira, eu pude corrigir o que não estava tão legal. Eu corria com o peito muito aberto, por exemplo”, conta o iniciante Márcio Novak.


8Qual é a passada ideal?

Enquanto o passo é o avanço de cada perna isoladamente, a passada é o ciclo completo das duas pernas em movimento. Você pode melhorar sua passada com o treino, mas deve-se evitar a comparação com outros corredores, sobretudo os profissionais.

“A passada é muito importante, sem dúvida. Porém, é preciso observar o corpo de cada indivíduo. Cada pessoa tem sua estrutura, peso, tamanho de perna e repertório motor. Não existe uma corrida ideal para todo mundo. As recomendações não podem ser generalizadas”, afirma Rabelo.


9Que equipamentos comprar?

Relógios e pulseiras digitais ajudam o corredor a controlar tempo, distância e batimentos cardíacos. Um bom tênis pode evitar dores e bolhas nos pés. Para quem vai começar a correr, qual comprar? A resposta é: vá com calma. “No início da prática, todos estão muito empolgados. O mais importante, nesse começo, é respeitar a distância, executar os exercícios corretamente e observar a resposta do corpo”, diz Rabelo.

Melhor do que comprar um tênis muito tecnológico é ter um confortável. O especialista dá a dica sobre a troca de um tênis usado por um novo: faça um rodízio. “Não se pode trocar de um dia para o outro. Isso gera uma agressão ao corpo”, explica.

Tampouco é necessário sair comprando tudo o que vê pela frente - nem sempre o corredor está num nível que vá precisar de tantos equipamentos.


10O que comer antes da corrida?

Uma boa fonte de energia antes da corrida é o carboidrato, sobretudo o de baixo índice glicêmico, para os iniciantes. Sendo assim, é recomendado comer uma fruta, por exemplo, trinta minutos antes. “Isso será suficiente para manter até uma hora de atividade física”, diz Natália.

Entretanto, o corredor precisa ter em mente que ele precisa estabelecer uma estratégia nutricional ao longo da semana para obter um melhor desempenho e a recuperação dos músculos. A alimentação deve caminhar com a intensidade e a duração do exercício.

Carboidratos, que junto com a proteína são importantes para a recuperação muscular, devem ser consumidos de 5 a 8 gramas por quilo de peso do corredor por dia. Se a atividade for mais intensa, essa quantidade pode duplicar. De proteína, o consumo pode ser 1,5g por quilo por dia. Tudo sempre fracionado ao longo das refeições.No pós-treino, a recomendação da médica são os carboidratos de alto índice glicêmico, como um suco de beterraba ou batata doce.


11Onde correr?

Quem nunca correu ou não está preparado para fazê-lo em distâncias mais longas, vai sentir o impacto do chão mais duro, como concreto ou asfalto. A recomendação de Rabelo é que os iniciantes corram em terra batida ou grama.

Em áreas urbanas, com grande volume de carros nas ruas, é preciso ter um senso de alerta muito apurado. Prefira começar em parques e praças.


12Qual é o melhor horário para correr?

O horário mais adequado é aquele no qual o corredor se sente mais disposto. Uns vão preferir o dia, outros a noite. Corredores em nível mais avançado, no geral, gostam de praticar a atividade logo pela manhã.

Porém, atente-se: correr em horários muito quentes e secos pode gerar estresse para o corpo.


13Qual é o traje ideal para correr?

O tecido mais indicado para camisetas, com manga ou de alça, e para o short, é o dry fit, que não retém o suor e deixa a peça leve ao longo do treino. É recomendado evitar o uso de bermudas, pois elas podem prender o movimento e prejudicar a mobilidade do praticante.

De acordo com Siqueira, o tênis para iniciantes é diferente para quem já pratica a corrida há mais tempo. No começo, o ideal é um calçado que tenha um amortecimento maior para evitar possíveis instabilidades na passada. Para os mais experientes, há tênis que trazem até placa de carbono na sola.




Dez dicas para os iniciantes:

1Antes de começar a correr, procure um médico para uma avaliação física. Com ela, você vai descobrir sua frequência cardíaca ideal para o exercício;

2Para obter os benefícios cardiovasculares da atividade, é preciso atingir 150 minutos de atividades físicas por semana, com intensidade moderada;

3O aumento de intensidade de treinos – tempo e distância – não deve ultrapassar 5% a 10% de uma semana para a outra;

4O aquecimento deve ser feito com movimentos articulares. Correr no mesmo lugar ou fazer polichinelos são boas opções;

5Se estiver acima do peso, comece com uma caminhada. É preciso se adaptar ao impacto;

6Se você nunca correu ou não está acostumado a fazê-lo em longas distâncias, evite pisos mais duros. Opte por grama ou terra batida;

7Para correr em ruas ou avenidas, é preciso ter senso de alerta mais apurado;

8O horário ideal é aquele no qual o praticante se sente mais confortável e disposto. Porém, evite períodos em que o sol esteja muito quente;

9Trinta minutos antes de praticar a corrida, alimente-se de um carboidrato de baixo índice glicêmico, encontrado na água de coco ou em frutas como banana e manga;

10Após a corrida, é preciso fazer o resfriamento. Não pare de correr abruptamente. Você pode ter uma queda de pressão ou desmaio.


De olho nos apps

Os aplicativos de corrida são uma boa opção para acompanhar o desempenho em cada treino, com dados de distância, velocidade e gasto calórico. Com eles, o corredor consegue comparar o desempenho em diferentes dias de atividade, além de receber dicas de treinamento. É importante ressaltar que os aplicativos não substituem a avaliação médica e as orientações de um profissional de educação física. Todos têm versões gratuitas, com opções pagas com mais recursos. Confira:

Entre as funcionalidades oferecidas estão o registro de atividades via GPS, a definição de metas, o monitoramento do progresso, provas virtuais e integração com treinos de amigos que também usam o app.
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Indicado para treinos de corrida, caminhadas e competições, tem acompanhamento por GPS, estabelece desafios semanais, oferece planilhas de treinamento, incentivo de áudio de amigos durante o treino, mostra o uso do tênis e, para estimular, oferece troféus e medalhas a cada conquista. Permite sincronizar playlists do Spotify e Apple Music.
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Além de funções básicas, como distância e velocidade percorridas, o aplicativo oferece estatísticas sobre o treino realizado, mediação dos batimentos cardíacos, planos de treinamento e a possibilidade de tirar fotos para compartilhar nas redes.
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Com tela personalizável, ele oferece planos de treinamento, monitora o ritmo cardíaco por meio de bluetooth, mostra histórico de exercícios executados e análise estatística dos treinos. Em versão gratuita, ele promete não exibir publicidade.
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Indicado tanto para corridas quanto para treinamento de bicicleta. Oferece monitoramento de distâncias, rotas, batimentos cardíacos e recordes registrados. Com as informações registradas no aplicativo, o usuário poderá comparar seus desempenho dentro de determinados períodos.
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Glossário

Basta começar a correr para ser introduzido em uma série de novos jargões. Separamos aqui algumas das expressões mais usadas, segundo o app Adidas Running by Runtastic.



Alongamentos estático e dinâmico

O alongamento dinâmico é realizado através de movimentos leves, cíclicos, visando cobrir toda a extensão do movimento envolvida para aquecer o corpo antes da corrida. No alongamento estático, a ideia é chegar até o fim da extensão do movimento e mantê-la. Esse tipo de alongamento pode ser feito após a corrida.


Treinos anaeróbicos e aeróbicos

Nos exercícios aeróbicos (ou cardio), o oxigênio absorvido pela respiração é suficiente para atender às demandas de energia dos músculos. O exercício se torna anaeróbico quando a respiração não é mais capaz de fornecer oxigênio suficiente para alcançar as necessidades energéticas. Exemplo: atividades de alta intensidade.


Zonas de frequência cardíaca

A frequência cardíaca (FC) indica as contrações do músculo cardíaco, e é medida através de batimentos por minuto (bpm). As zonas alvo de frequência cardíaca definem níveis de intensidade nos treinos com base na frequência cardíaca máxima.


Pace

O seu pace (pronuncia-se 'pêis') corresponde a quantos minutos você precisa para correr 1 km.


Pisada

Na corrida, qual parte do pé toca o chão primeiro? É isso que define o seu tipo de pisada. Existe a pisada de calcanhar, a com o meio do pé e a com o antepé (ponta do pé).


Cadência

Significa quantos passos você dá por minuto quando está correndo.


Educativos de corrida

São uma combinação de exercícios voltados para melhorar sua postura na corrida, normalmente integrados ao aquecimento.


Treinamento de base

Destinado a criar resistência. Para quem é iniciante, o ideal é investir nos treinos de base antes de iniciar um programa de preparo para maratonas.


Longão

O treino longo normalmente cobre 30% da quilometragem semanal e deve ser realizado em um pace mais lento, confortável.


Canelite

Lesão recorrente para corredores, identificada por uma uma dor que sobe a parte interna da canela.

Consultores: Felipe Rabelo (mestre em fisiologia do exercício), Natalia Guardieiro (médica do esporte e nutróloga) e Roy Siqueira (treinador)


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Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Designer Multimídia Lucas Almeida / Ilustrador Multimídia Marcos Müller / Infografista Multimídia Gisele Oliveira / Edição Adriana Moreira / Reportagem Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Foto de abertura Felipe Rau/Estadão

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