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Casas modernistas em São Paulo

Texto: Júlia Corrêa / Vídeo: Bruno Nogueirão / Infografia: Bruno Ponceano

25 de julho de 2019 | 17h00

Se a arquitetura moderna despontou no Brasil com atraso em relação às inovações artísticas de 1922, ela não deixou de seguir os ideais antropofágicos. Arquitetos locais projetaram casas sob influência de nomes como Le Corbusier, mas de um modo genuinamente brasileiro – aproveitando, por exemplo, o clima do País para realizar a integração com a natureza que tanto marcou essa arquitetura.

São Paulo conta com várias dessas construções. Hoje icônicas, algumas viraram centros culturais. A seguir, conheça a história e os novos usos de cinco delas.


O mobiliário foi projetado pelo próprio arquiteto. Coleção Gregori Warchavchik.
A fachada sem ornamentos foi uma das grandes inovações da residência. Coleção Gregori Warchavchik.

1928 | Casa Modernista

Com projeto de Gregori Warchavchik, ucraniano radicado no Brasil, a residência é o primeiro exemplar modernista de São Paulo, construído entre 1927 e 1928. A casa foi moradia do próprio arquiteto, que era casado com Mina Klabin – filha de importantes industriais, foi ela a responsável pelo paisagismo.

Aliás, a extensa área verde que circunda a casa forma o Parque Modernista. Quando a construção estava prestes a ser concluída, Warchavchik alegou não ter mais dinheiro para incluir os ornamentos exigidos à época pela Prefeitura – um pretexto para criar uma fachada mais sóbria, ligada aos preceitos modernistas. Apesar disso, o imóvel ainda remetia a padrões convencionais, algo atenuado em 1935, com uma reforma que incorporou aspectos como o uso do concreto, que aparece no novo terraço.

“Ele fez muitos experimentos aqui”, relata Regina Helena Vieira Santos, arquiteta responsável pela casa, tombada e pertencente, atualmente, à Secretaria Municipal de Cultura. Entre as atrações existentes hoje, há uma exposição dedicada à própria história da casa.

Gregori Warchavchik veio da Ucrânia para o Brasil em 1923, tornando-se um dos principais nomes da primeira geração de arquitetos modernistas daqui.


Sala de estar foi palco de discussões políticas. Instituto Vilanova Artigas.
Vão permite integração da casa com o jardim. Instituto Vilanova Artigas.

1949 | Residência Vilanova Artigas

Esta casa é a que foi aberta ao público mais recentemente, funcionando, desde março, como um instituto que preserva a memória de seu arquiteto, Vilanova Artigas. Autor de projetos como o da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e o Estádio do Morumbi, Artigas criara antes, no mesmo terreno – com área de 1.000 m2 –, uma pequena casa para passar os fins de semana. Na época, o Campo Belo, onde está situada, pertencia à zona rural.

Em 1949, com forte influência de Le Corbusier, ele constrói, então, a casa que seria a moradia fixa de sua família. O projeto é marcado pelo uso de materiais brutos, pilotis e vidro. Com isso, ele quis integrar a casa à área verde e trazer a luz natural.

Responsável pelo espaço, a arquiteta Talita De Nardo Missaglia conta que, na época, as inovações fizeram curiosos questionar se o imóvel era uma escola ou até uma igreja. Também relata que Artigas abria a casa para amigos e estudantes que buscavam lugar para suas discussões políticas e arquitetônicas.

Hoje, com café (que inclui opções de almoço), coworking e atividades como a exposição dedicada ao arquiteto, o instituto busca retomar parte desse espírito.

Vilanova Artigas liderou a Escola Paulista, grupo ligado aos preceitos da arquitetura brutalista. Seus projetos incluem o Estádio do Morumbi e a FAU/USP.

Le Corbusier, suíço naturalizado francês, está entre os principais expoentes mundiais da arquitetura moderna, buscando projetos funcionais, métodos econômicos de construção e uma linguagem sem ornamentos.


Além do projeto da casa, Lina concebeu o paisagismo. Chico Albuquerque/Convênio MIS – SP /IMS.
Os pilotis e o vidro permitem a integração com a área verde. Chico Albuquerque/Convênio MIS – SP /IMS.

1951 | Casa de Vidro

Vindo da Itália, o casal Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi decidiu fixar residência no atual Morumbi, onde, até então, funcionava uma grande fazenda de chá. Autora, mais tarde, de projetos emblemáticos como os do Masp e do Sesc Pompeia, Lina assumiu toda a concepção do local (concluído em 1951), incluindo seus móveis. Além disso, foi ela quem deu início ao plantio da vasta vegetação existente nos 5 mil m² de terreno.

Diretor-presidente do Instituto Bardi, criado por Pietro há 26 anos, Waldick Jatobá explica que Lina tinha em mente, ao lançar mão de pilotis e de vidros na fachada, que a convivência com a natureza está intimamente ligada ao bem-estar em uma casa. Elementos como as luminárias de chão e o revestimento de piso em vidrotil, dispensando a madeira ou o mármore, evidenciam também o vanguardismo da residência.

Nela, o casal recebia intelectuais de diferentes áreas, que se reuniam na ampla sala de estar. Atualmente, com programação voltada a arquitetura, urbanismo, arte e design, o instituto exibe, por exemplo, até 31/8, a instalação ‘Casa de Vento’, de Lucia Koch, que propõe uma intervenção com ‘cortinas’ em tons de rosa e azul.

Lina Bo Bardi, italiana radicada no Brasil, é autora de outros projetos icônicos em São Paulo, como o Masp. Atuou em diversas áreas, como a moda, o design e o teatro.


Mesa de pingue-pongue revela cotidiano da antiga residência. PC Scheier/Acervo Fundação Maria Luisa e Oscar Americano.
A enorme piscina era outro ponto de encontro da casa. PC Scheier/Acervo Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

1953 | Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

Encomendada pelo engenheiro Oscar Americano, a casa foi projetada por Oswaldo Bratke, sendo concluída em 1953. Ali, Oscar viveria com a mulher, Maria Luisa, e seus cinco filhos. Reuniões entre importantes figuras políticas da época e festas, como até mesmo o casamento das filhas, marcam a história da residência, onde a família viveu até a morte de Maria Luisa, em 1972.

O terreno tem área de 75 mil m² – formando um grande parque em pleno Morumbi, a partir do projeto paisagístico de Otávio Augusto Teixeira Mendes. As linhas retas, os ambientes contínuos e os grandes vãos estão entre as principais marcas da residência.

Hoje, é possível visitar sua vasta coleção, que inclui peças do período colonial e imperial, e também obras modernistas de artistas como Candido Portinari e Lasar Segall. Além disso, a fundação conta com um salão de chá e também promove concertos mensais de música clássica. No dia 4/8, às 11h30, haverá apresentação do pianista Luca Buratto (R$ 60).

Oswaldo Bratke, arquiteto e urbanista, teve o início da carreira marcado pelo estilo eclético. Na década de 1940, passou a trabalhar com as formas modernas.


Entre os dois jardins, a sala com decoração e móveis originais. Acervo Digital Rino Levi FAU PUC Campinas.
A fachada da casa em evidência, com bem menos árvores do que hoje. Acervo Digital Rino Levi FAU PUC Campinas.

1958 | Residência Castor Delgado Perez (Luciana Brito Galeria)

O projeto da casa, de 1958, envolve uma série de parcerias. Ela foi uma encomenda do industrial espanhol Castor Delgado Perez ao seu amigo arquiteto Rino Levi, que contaria com o apoio de Burle Marx para a parte de paisagismo. Além disso, todas as cores do imóvel foram escolhidas pelo artista, também amigo deles, Francisco Rebolo.

O projeto ganhou destaque na época, saindo em várias publicações. A luminosidade que entra através dos cobogós, o uso de pastilhas de vidro e, claro, toda a integração com o jardim estão entre as principais marcas da construção.

Após a morte de Delgado Perez e de sua mulher, a casa ficou ocupada por um de seus três filhos, até ser comprada, em 2016, por Luciana Brito, que procurava um novo espaço para a galeria que leva seu nome. Foi um encontro oportuno, já que muitos dos artistas que representa são ligados ao modernismo. Até 25/8, há uma mostra de fotógrafos do período.

Rino Levi, arquiteto e urbanista, foi autor de manifestos pela arquitetura moderna no Brasil. No início da carreira, foi influenciado por Warchavchik. Lecionou na FAU/USP.

Roberto Burle Marx, paisagista, arquiteto e artista plástico paulistano, dedicou-se ao estudo da paisagem natural brasileira e atuou ao lado de nomes como Lucio Costa e Oscar Niemeyer.


Entrevista com André ScarpaO arquiteto conversou com o Divirta-se sobre as principais características das residências modernistas

Que pensamento embasa o projeto das casas?
Eles trazem pontos que Le Corbusier havia definido como uma nova forma de construir. A planta livre, por exemplo, com as paredes não sendo estruturais, é até um pensamento sustentável, que vai permitir diferentes usos conforme a mudança dos tempos.

Quais são os principais aspectos que as identificam?
A integração com o ambiente exterior; o uso do concreto armado; a arte e a arquitetura integradas; o paisagismo fazendo parte do projeto como um todo…

Como elas conciliam a questão formal e funcional?
Nessa arquitetura que está se desfazendo de ornamentos, a beleza está associada à inteligência para resolver problemas funcionais, como estruturas elegantes que vão permitir grandes vãos livres.

Qual foi o impacto dessas casas quando erguidas?
Seus proprietários, quando não o próprio arquiteto, eram pessoas à frente de seu tempo; por isso, destoavam muito do que era o corriqueiro.

Como você avalia seus novos usos?
É muito bom visitar uma casa na qual você não entraria se não fosse amigo do dono. O potencial desse conjunto permite essa mudança de usos. Há avanços tecnológicos que devem ser incorporados, até porque você a está plugando na cidade de novo, mas não dá para driblar o fato de que ali está o pensamento de uma época.

Ah, o Divirta-se apurou que a família de Tomie Ohtake planeja abrir ao público a antiga residência da artista, no Campo Belo – quando isso ocorrer, será mais uma casa modernista a ser visitada.

Expediente

Editor Executivo de Arte
Fabio Sales
Editora de Infografia
Regina Elisabeth Silva
Editor Assistente de Infografia
Vinicius Sueiro
Editora do Divirta-se
Marina Vaz

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