Homem mais rico do mundo voará em foguete para mostrar que sua empresa é capaz de entregar resultados
Duas semanas após deixar o comando da Amazon, Jeff Bezos se prepara para o voo mais ousado de sua vida – literalmente. Na terça-feira, 20, o homem mais rico do mundo deve embarcar em um foguete da Blue Origin, sua empresa de exploração espacial, para dar uma “voltinha” com vista privilegiada da Terra, a 100 km de altitude. Se tudo der certo, a viagem ajudará a Blue Origin a avançar no turismo espacial e a mostrar que não é uma empresa retardatária dentro do leque de apostas do bilionário.
Embora a nave New Shepard ostente grandes janelas panorâmicas e cadeiras superconfortáveis, ela também deve entregar pitadas de muita emoção. Este será o primeiro voo tripulado da Blue Origin desde que foi fundada, em 2000. São esperados 11 minutos de viagem, que terá três etapas, cada uma com suas particularidades: o lançamento do foguete no oeste do Texas (EUA), a separação da cápsula com os passageiros e o retorno da tripulação à Terra em queda livre com paraquedas em direção à mesma região desértica de onde partiu.
Desenvolvido especialmente para turismo espacial, o foguete oferece apenas um aperitivo do que é estar fora da Terra, com um gostinho de microgravidade: a ideia é cruzar a linha de Karman, que por convenção internacional marca o início do espaço. Ou seja, a nave não chega a entrar em órbita – por isso o voo é chamado de suborbital – e vai passar longe da Estação Espacial Internacional, que está em órbita há 408 km de distância da Terra.
Em testes desde 2015, o foguete da Blue Origin já realizou 15 voos, mas nenhum com passageiros a bordo – o nome da nave é uma homenagem ao astronauta Alan Shepard, primeiro americano a ir para o espaço, em 1961. A New Shepard tem como diferencial tecnológico seu sistema de inteligência artificial (IA): o veículo é totalmente autônomo, o que significa que todos a bordo são passageiros, sem pilotos no comando. Além disso, mirando o barateamento das viagens espaciais, a Blue Origin usa uma técnica de reutilização de foguete, em que o lançador desce verticalmente para a Terra depois de cumprir o objetivo de lançar a cápsula – é um método bastante explorado pela SpaceX, de Elon Musk.
Bezos não será o único a ser guiado pela IA: devem estar a bordo o seu irmão, uma pioneira do setor aeroespacial de 82 anos e um jovem de 18 anos. Por enquanto, o parâmetro do preço para um assento na nave é um leilão de US$ 28 milhões, abocanhado no mês passado por um milionário desconhecido, que acabou desistindo desta viagem. A Blue Origin ainda não revela os preços oficiais dos voos – a Virgin Galactic, outra empresa do ramo, já estabelece o valor de US$ 250 mil por assento.
Assim, aumenta-se a pressão para que nada saia errado. “Quem estiver nesta viagem, estará sentado em cima de dez andares de combustível de foguete, que são extremamente violentos. Se acontecer alguma falha no lançamento, ele pode explodir”, explica Annibal Hetem, professor de propulsão espacial da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Quem estiver nesta viagem, estará sentado em cima de dez andares de combustível de foguete, que são extremamente violentos. Se acontecer alguma falha no lançamento, ele pode explodir”
Para especialistas, apesar dos riscos inerentes a um voo de foguete, completar a viagem é uma tarefa factível. “O procedimento proposto pela Blue Origin é um tipo de lançamento balístico já bastante conhecido e dominado há muito tempo. O voo lembra muito os lançamentos do projeto Mercury, que antecederam as Apollo”, afirma Cassio Leandro Dal Ri Barbosa, astrônomo e professor do Centro Universitário FEI.
No domingo, 11, a Virgin Galactic conseguiu executar com sucesso o voo do bilionário Richard Branson – também foi uma viagem suborbital. Anunciado depois e executado antes do voo da Blue Origin, o feito foi apontado como o pontapé inicial para uma nova era de turismo espacial privado.
Como será o lançamento
Porém, apesar de ter roubado a cena ensaiada por Bezos, a Virgin Galactic não colocou a Blue Origin para escanteio, porque as duas empresas utilizam tecnologias diferentes. A companhia de Branson não usa foguetes: um avião leva a nave a uma altitude de 15 km, de onde ela se desacopla para completar o trajeto até atingir 80 km de altitude. Em uma única estilingada, a Blue Origin atinge 100 km de altitude.
Uma viagem de foguete, com sistema autônomo e reutilizável, provaria uma outra tecnologia para viagens turísticas ao espaço. “Nasce uma nova era de concretização do turismo espacial. O grande momento agora é passar da fase de sonhos e planejamentos para a realidade, com diferentes projetos”, afirma Alexandre Zabot, professor de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ao lado da SpaceX e da Virgin Galactic, a Blue Origin faz parte de uma geração de empresas privadas que disputa a exploração espacial, setor até então conduzido apenas por governos.
Com sede na cidade de Kent, em Washington, a empresa é fruto de uma fascinação de Bezos por viagens espaciais, algo cultivado desde a infância. Com a Blue Origin, o fundador da Amazon pretendia alimentar sua paixão, viabilizando viagens espaciais baratas e frequentes, por meio de sistemas de lançamento reutilizáveis.
“A Blue Origin foi fundada por Jeff Bezos com a visão de possibilitar um futuro onde milhões de pessoas vivam e trabalhem no espaço para trazer benefícios à Terra. A fim de preservar nosso planeta, acreditamos que a humanidade precisará expandir, explorar, encontrar novas energias e recursos materiais e mover para o espaço as indústrias que esgotam a Terra”, diz a empresa em seu site.
Apesar do objetivo bem traçado, a Blue Origin mostrou poucos resultados significativos em seus projetos nos últimos anos. Enquanto a empresa de Elon Musk avançou ao ponto de lançar astronautas em órbita no ano passado – um feito inédito para uma companhia privada – a New Glenn, nave da Blue Origin de viagem orbital prevista para ficar pronta este ano, teve o voo adiado para o final de 2022 após a empresa perder um contrato com o Pentágono.
O livro Amazon sem Limites (Editora Intrínseca), do editor da Bloomberg News Brad Stone, conta que a Blue Origin tem sido vista como a retardatária no império de conquistas de Jeff Bezos, que nos últimos anos transformou a Amazon em uma empresa avaliada em mais de US$ 1 trilhão – a companhia de foguetes tem capital fechado e seu valor não é divulgado. Stone conta que, em 2016, Bezos chegou a fazer uma série de almoços com executivos da Blue Origin ao longo de várias semanas para discutir os problemas e atrasos da companhia, que vivia na sombra da SpaceX.
“Mesmo com o voo de Bezos, não sei se a Blue Origin realmente resolveu algumas de suas disfunções internas. A empresa certamente não tem muito a mostrar: o foguete orbital New Glenn está atrasado e também houve perda de contratos para a SpaceX, incluindo o de viagem à Lua”, disse Stone em entrevista ao Estadão.
A Blue Origin não tem muito a mostrar: o foguete orbital New Glenn está atrasado e também houve perda de contratos para a SpaceX, incluindo o de viagem à Lua”
Parte do problema se deve ao caminho que a Blue Origin escolheu, afirma Zabot. “A SpaceX entrou exatamente no nicho desejado pela Nasa, que era contratar empresas privadas para desenvolver os sistemas deles. A Blue Origin se concentrou no turismo espacial, que não é o objetivo da agência”. A empresa de Elon Musk, criada dois anos após a Blue Origin, também segue uma filosofia diferente. “A Blue Origin é mais ligada à Terra, enquanto a visão da SpaceX é sempre para fora da Terra, vislumbrando Lua e Marte”. Elon Musk, que também é fundador da Tesla, tem o ambicioso plano de colonizar o planeta vermelho.
Depois de anos concentrada em pesquisas “secretas”, a Blue Origin vem tentando se posicionar na corrida, disputando ativamente contratos comerciais. Em abril, depois de a SpaceX vencer uma licitação da Nasa para construir uma espaçonave para transportar astronautas da Nasa entre a Terra e a Lua, como parte do programa Artemis da agência espacial, a empresa de Bezos não aceitou a derrota. Ao lado da Dynetics, uma empresa do setor militar com sede no Alabama, a Blue Origin protestou contra a decisão, alegando falhas no processo de contratação. O contrato está suspenso e a decisão final deve ser revelada no mês que vem.
Passear no espaço por enquanto é uma montanha-russa para ricos. O primeiro turista espacial do mundo bancado com recursos próprios foi o milionário Dennis Tito, que passou oito dias na Estação Espacial Internacional (ISS) em 2001. Neste mês, o magnata Richard Branson se juntou ao clube ao embarcar em um voo da Virgin Galactic. O próximo da fila é Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em U$$ 210 bilhões. E, pelo menos nos próximos anos, o preço do passe deve continuar nas alturas.
Porém, mais do que um tipo excêntrico de turismo, esse tipo de voo pode abrir caminhos para uma finalidade mais importante: viagens intercontinentais rápidas. “As viagens espaciais ajudam a desenvolver tecnologia e logística em voos suborbitais, que poderiam ser usados, por exemplo, para fazer um trajeto de São Paulo a Hong Kong (China) em seis horas. Seria um tiro mais alto e mais promissor”, afirma Cassio Leandro Dal Ri Barbosa, astrônomo e professor do Centro Universitário da FEI. É um tipo de avanço que aviões supersônicos tentam há décadas.
Alguns especialistas projetam que esse tipo de voo pode ser viável daqui a 20 anos. Mas há limitações no meio do caminho. “O problema maior é a quantidade de combustível necessária para conseguir lançar uma nave a essas altitudes – um voo comercial intercontinental levando 200 passageiros seria inviável nesses moldes. Não tem como manter uma estrutura tão grande estável nessas acelerações, é muito perigoso ela se desfazer”, afirma Alexandre Zabot, professor de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Para Basílio Santiago, chefe do departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), algumas necessidades também devem ser colocadas na balança antes de depositar todas as fichas em voos suborbitais. “Nós já temos aviões supersônicos que certamente serão capazes de cobrir as distâncias geográficas sem necessidade de voos suborbitais caríssimos”, questiona Santiago. As empresas de foguetes terão de mostrar o seu valor.
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Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Reportagem Giovanna Wolf / Edição Bruno Romani / Infografista Multimídia William Mariotto / Designer Multimídia Dennis Fidalgo