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Como o voto distrital misto pode mudar as eleições no País

José Fucs, O Estado de S. Paulo / Com base no estudo de Örjan Olsén

28 de setembro de 2019 | 17h20

Um projeto em tramitação no Congresso poderá mudar a forma de votar e de ser eleito no País. Ele propõe a adoção do sistema do voto distrital misto – uma combinação do voto proporcional, hoje em vigor, com o distrital – para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores.

Apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP), o projeto de lei 9.212/2017 foi aprovado pelo Senado em novembro e está em análise na Câmara. O deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, disse que deve avaliar a retomada das discussões sobre o tema na reunião com os coordenadores de bancada nesta terça-feira.

O substitutivo do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator do projeto, manteve basicamente o texto aprovado no Senado, incorporando sugestões do grupo de trabalho formado para analisar o assunto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), coordenado pelo ministro Luís Roberto Barroso, vice-presidente da Corte. Entusiasta do sistema, também defendido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Barroso chegou a dizer que a adoção do voto distrital misto representará “a redenção política do Brasil”.

Há outros propostas, porém, em discussão. Duas são de autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Uma prevê a adoção do chamado “distritão”, pelo qual os mais votados são eleitos sem levar em conta o quociente eleitoral, em todos os municípios do País. A outra propõe uma combinação do voto distrital com o “distritão” em municípios com mais de 200 mil eleitores, e só o “distritão” em municípios menores.

Já deputado Luís Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) propõe a adoção do voto distrital puro para a escolha de vereadores em cidades com mais de 200 mil habitantes e do “distritão” em municípios de menor porte.


O voto distrital misto em outros países

Alemanha

O sistema eleitoral alemão é considerado um dos mais complexos. O cientista político Jairo Nicolau, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), diz que até trocou o exemplo alemão pelo escocês nas edições mais recentes de seu livro sobre sistemas políticos por causa disso. Na essência, o modelo alemão funciona como qualquer sistema distrital misto. Os eleitores votam duas vezes, no candidato distrital de sua preferência e na legenda. Em tese, metade dos deputados é eleita pelos 299 distritos ( um representante por distrito). A outra metade, em número equivalente, pelo sistema proporcional, com voto em lista partidária, na qual os primeiros nomes são favorecidos.

O problema começa na hora de definir o número de deputados de cada partido. O sistema alemão garante as vagas dos deputados eleitos pelos distritos, mas calcula o número de parlamentares que cada agremiação conquistou com base na votação da legenda. O número de eleitos nos distritos, assim, pode ser superior ao total de cadeiras que couber a um partido. Para não afetar a proporcionalidade, o número de deputados do Parlamento alemão varia a cada eleição. Pela legislação em vigor, o número mínimo de deputados é 598. Hoje, porém, há um total de 709 parlamentares no Bundestag.

Escócia

O modelo escocês conjuga o voto distrital com o voto em lista partidária preordenada. Como em outros países que adotam o voto distrital misto, o eleitor vota duas vezes. Cada distrito elege um deputado. Do total de 129 deputados, 73 são eleitos pelos distritos. Os outros 56 são eleitos em lista partidária pelas oito macrorregiões em que se divide o País, sete deputados em cada uma. Um partido pode, ocasionalmente, conquistar mais cadeiras no distrito do que o estabelecido na distribuição proporcional. Quando isso ocorre, a legislação garante ao partido as cadeiras conquistadas nos distritos. Como o número de cadeiras é fixo, ao contrário do que acontece na Alemanha, as cadeiras adicionais são retiradas dos partidos que ficaram com as últimas vagas na lista.


Uma simulação para estimular a discussão do tema

Para dar a sua contribuição ao debate sobre a questão, o Estado publica, com esta reportagem especial, um estudo exclusivo realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com apoio do professor Örjan Olsén, da Analítica Consultoria, especializado em análise de dados e em eleições. O levantamento apresenta, a partir da definição de 257 distritos em todo o País, uma simulação de como seriam os resultados da eleição de 2018 para deputado federal e como ficariam os gastos de campanha, se o sistema de voto distrital misto já estivesse em vigor.

Segundo o estudo, haveria uma renovação de cerca de 25% na Câmara com o novo sistema. Dos 513 deputados, 382 tenderiam a manter a vaga, sendo 252 pelo voto em lista e 130 pelos distritos. Provavelmente, 131 deputados não seriam eleitos.

“Esse estudo é importante para as pessoas tirarem suas dúvidas e começarem a visualizar o sistema e a se acostumar com ele. Pode parecer uma coisa complexa, mas não é”, afirma o cientista político Luiz Felipe D’Avila, fundador e presidente do conselho consultivo do CLP, que há dez anos apoia essa bandeira. “O objetivo do estudo foi mostrar que é possível dividir o Brasil em distritos, para a escolha de deputados federais e estaduais, e que dá para fazer isso a partir de critérios geográficos imunes à manipulação política”, diz Olsén.

Ao contrário do que desejava um grupo de parlamentares e de analistas que apoiam o projeto, incluindo o próprio Serra, ele dificilmente valerá para as eleições municipais de 2020. Para tanto, teria de ser votado e aprovado pela Comissão e pelo plenário, ser devolvido ao Senado para nova votação, já que deverá sofrer modificações na Câmara, e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até a próxima sexta-feira, dia 4, um ano antes das eleições.

Dinâmica da política. Faltando só três ou quatro sessões legislativas para a data limite, o mais provável, de acordo com Samuel Moreira, é que o projeto seja analisado sem pressa, com foco nas eleições de 2022, para deputados estaduais e federais.

“Acredito que, neste momento, em função da dinâmica da política nacional, com vários temas em andamento no Congresso, seja muito difícil ele ser aprovado num prazo tão curto, já para 2020”, diz Moreira. “Nesta eleição, já vamos ter um grande avanço, com o fim das coligações proporcionais. Isso já deve levar a uma redução do número de partidos na disputa, porque nem todos conseguirão ter chapa exclusiva em todas as cidades.”



Composição

Quais seriam as principais mudanças na Câmara dos Deputados?

Se o sistema distrital misto já estivesse em vigor nas eleições de 2018, a composição da Câmara teria uma mudança considerável.

Haveria uma renovação de cerca de 25% com a adoção do novo sistema
Dos 513 deputados eleitos em 2018, 382 tenderiam a manter a vaga
Entre os que manteriam a vaga, 252 seriam eleitos pelo voto em lista...
e 130 pelos distritos
Provavelmente, 131 deputados que se elegeram em 2018, não seriam eleitos

O novo sistema provocaria sensíveis alterações nas bancadas dos partidos. O PSDB e o PSD, que hoje têm 29 e 35 deputados, respectivamente, seriam os mais beneficiados, com a eleição de mais 7 deputados cada um. O PRB e o Solidariedade ganhariam 5 deputados e o PP, 4. O PSL, hoje com 52 parlamentares, seria o mais prejudicado, com perda de 7 deputados. O PT, que tem 54 deputados, o PR, 33, o PSB, 32, e o PHS, 6, perderiam 4 deputados cada.

Haveria também um contraste na origem das bancadas. O DEM, o PSDB, o MDB e o PDT teriam cerca de 60% dos deputados eleitos nos distritos. O PT, elegeria 65% de seus parlamentares pela lista, e o PR, 75%. Já PSL, PSD, PSB, PRB e PP dividiriam os votos de forma mais ou menos semelhante nas duas modalidades.

O novo sistema afetaria ainda a correlação de forças regionais.

Com o voto distrital misto, as despesas seriam menores e os candidatos nos distritos gastariam menos que os de lista.


Simulação

O caminho até o resultado

Para compreender como o estudo chegou à nova composição da Câmara, a chave é focar em dois aspectos: o perfil dos candidatos e a definição dos distritos.

Um parlamentar como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) representa uma visão ideológica. Ele é um candidato típico para disputar as eleições pelo sistema de lista, já que seus eleitores são distribuídos de forma relativamente homogênea por todo o território do Estado.

Como mostra o mapa de votos, não há um padrão geográfico claro na distribuição de seus eleitores, ainda que algumas regiões sejam mais escuras que as demais, indicando que Eduardo Bolsonaro conseguiu um maior percentual de votos na área.

Há ainda outro tipo de candidato, como Rodrigo Agostinho (PSB–SP), que foi duas vezes prefeito de Bauru e obteve a maioria de seus votos na cidade e nos arredores.

O mapa revela que praticamente todos os seus votos vieram dessa região. Ele seria, portanto, um candidato mais competitivo no distrito que inclui seu reduto eleitoral.

Nem tudo é tão preto no branco, porém. Existem candidatos como Baleia Rossi (PMDB-SP), que tem uma concentração maior de votos na região de Ribeirão Preto, mas que também mas que também é popular em outras partes de São Paulo.

Assim, Baleia Rossi seria um candidato competitivo tanto na eleição por lista quanto na eleição por distrito, dependendo da estratégia adotada por sua campanha. Ele tem um perfil misto.


Como foi feito

A definição dos distritos

Além do perfil dos candidatos, outra questão relevante é a formação dos distritos. Vamos seguir com o exemplo de São Paulo. O Estado, que tem um total de 70 deputados, seria dividido em 35 distritos, a metade do número de parlamentares.

Cada distrito precisa ter aproximadamente a mesma população. Como São Paulo tem cerca de 45 milhões de habitantes, significa que cada distrito precisa conter cerca de 1,3 milhão de pessoas.

Em tese, os limites dos distritos podem ser manipulados para concentrar um determinado tipo de eleitor, favorecendo um candidato ou partido específico e tornando a disputa naquela região menos competitiva. Nos Estados Unidos, por exemplo, discute-se que o desenho de alguns distritos foi elaborado para favorecer o Partido Republicano.

O estudo usa as microrregiões e macrorregiões do IBGE para criar distritos contínuos que tenham características socioeconômicas semelhantes.

A cidade de Bauru é um ótimo exemplo:

O mesmo procedimento foi feito para os outros 34 distritos de São Paulo – e, posteriormente, para os demais Estados do país.

Vale ressaltar que existem diversas outras maneiras de dividir o território do país em distritos. Cada recorte pode gerar uma composição da Câmara diferente. Usar a divisão territorial do IBGE como um guia para o desenho é uma forma de minimizar a interferência política.


Enfim, a disputa

A simulação da eleição dos deputados

Com todos os distritos do país e os perfis dos candidatos definidos, a base está pronta para apurar quais candidatos seriam competitivos e quais não seriam no novo sistema. O primeiro passo foi peneirar os próprios candidatos. Para isso, foram analisados os votos de 8.055 candidatos que disputaram uma cadeira de deputado federal nas eleições de 2018.

É importante ressaltar que, com uma eventual mudança nas regras eleitorais, a maneira como os partidos e candidatos organizam a campanha também mudaria. O estudo oferece apenas uma projeção, com certo grau de incerteza, do cenário político nacional sob o voto distrital misto.


O resultado da simulação

Confira os desempenhos de cada candidato e de cada partido em 2018 e como seriam pelo sistema de voto distrital misto.


A metodologia do estudo

O desenho dos distritos
Para desenho dos distritos, o estudo levou em conta as seguintes premissas:
1) Número de eleitores de cada distrito equivalente ao total de eleitores de cada Estado dividido pela quantidade de distritos, observando uma diferença máxima no número de eleitores entre os distritos de até 10%, para mais ou para menos;
2) A contiguidade geográfica dos distritos;
3) A maximização da compacidade e a redução da endentação na demarcação dos distritos.

No desenho dos distritos, seguiu-se a norma geral de usar a população do censo como base para determinação do tamanho dos distritos. A reavalição dos dados a cada 10 nos é feita com base no censo em praticamente todos os países que adotam o voto distrital ou distrital misto. A contiguidade dos municípios foi obedecida.

A compacidade foi seguida quando possível. Há muitos casos em que acidentes geográficos, a proximidade de limites de outros Estados (como no caso de Minas Gerais em suas fronteiras com São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás) ou de municípios costeiros tornam mais lógica a formação de um distrito que acompanhe esses contornos. Com esta ressalva, foram evitadas, ao máximo, as chamadas endentações.

Algumas vezes, o formato dos municípios é um obstáculo. Um exemplo é Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, que teve de ser dividido em dois para o estudo respeitar os limites de população.Com o objetivo de construir distritos que reunissem municípios similares, o desenho básico procurou apoiar-se na estrutura geográfica das microrregiões nas quais o IBGE (Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística) divide os Estados.

Foram realizados ajustes nos limites dessas microrregiões, agrupando algumas e incorporando municípios na fronteira entre dois distritos.

Como foram escolhidos os candidatos mais competitivos nos distritos
É importante ressaltar que o estudo não tem a pretensão de prever quem ganharia se o voto distrital fosse adotado no País, já que foram utilizados os resultados de 2018 para as simulações. Não se trata, portanto, de uma previsão. Com o voto distrital, os critérios de seleção dos candidatos pelos partidos seriam bem diferentes.

Assim realizamos uma simulação de quem poderia ser mais competitivo em cada distrito, usando os passos e critérios descritos a seguir.

Começamos com um universo de 8.055 candidatos lançados em 2018. O critério baseou-se nos votos nominais obtidos nos distritos.

A seguir, ordenamos a lista por Estado e, dentro de cada um, por ordem dos votos nominais totais. Selecionamos os mais votados até completar metade das vagas.

Depois, selecionamos como competitivos aqueles que ficaram acima de 25% do quociente eleitoral mínimo e situados entre os 10 mais votados em cada distrito. Isso deixou 1.369 candidatos competitivos.

Excluindo os que foram considerados eleitos pela lista, ordenamos os restantes pelo número de votos obtidos dentro de cada distrito. Aqueles com maior número de votos no distrito foram considerados como tendo maior probabilidade de vitória.

Nos casos de candidatos bem posicionados em mais de um distrito, escolheu-se o distrito no qual ele teve mais votos. / Örjan Olsén.


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