Saúde

Mortes por coronavírus no Brasil:
conheça vítimas da covid-19

Mais letal com idosos ou pessoas com comorbidade, coronavírus também já matou jovens como gestante, com 33, e cozinheiro de 23 anos; conheça suas histórias de vida

Texto: Redação

10 de abril de 2020 | 06h00

O novo coronavírus vem acumulando mortes em todo o mundo. A covid-19 é mais perigosa para idosos ou pessoas com comorbidade, o chamado "grupo de risco". No entanto, até jovens vêm perdendo a vida nesta pandemia.

Casos e mortes de coronavírus no Brasil


Maio

Toni de Lima, 
75 anos, cordelista

Toni de Lima dedicou a vida a escrever cordel e ter filhos. A poesia pagou suas contas até os 75 anos e ajudou a cuidar dos 20 descendentes, segundo suas contas. No último dia 8, morreu por causa do novo coronavírus, após passar mais de um mês internado no Hospital Antônio Giglio, em Osasco.

Passar muito tempo fechado em qualquer lugar sempre causou pânico em Toni. Rejeitou todas as ofertas de emprego em escritório em sua vida. "Dizia que não tinha nascido para ficar trancado", conta a ex-mulher Ana Néri, seu relacionamento mais duradouro.

Com ela, foram dez filhos, sendo quatro adotados. "A gente sempre gostou de criança. Adotamos primeiro. Depois nasceram mais seis." O casal se separou há 20 anos após incontáveis idas e vindas. O dia a dia de Toni era na rua, nas feiras, nos bares, especialmente à noite, onde recitava e vendia seus livros de cordel. Gostava de beber muito, para desgosto de Ana, que o mandava para fora de casa. Ele voltava implorando perdão, pedia mais uma chance em nome das crianças. Ela aceitou no início quando os filhos ainda eram pequenos e choravam pelo pai.

"Era um bom malandro e um grande amigo. Sempre invejei o talento dele como poeta. Era difícil alguém não se encantar com o que ele escrevia", contou Vrejhi Sanazar, dono Diário da Região de Osasco.

Toni escreveu nos últimos 30 anos uma coluna diária nesse jornal, onde recebeu o apelido de 'Príncipe do Cordel'. Também colaborou com outros periódicos da região e com jornais da capital paulista como A Gazeta Esportiva e Notícias Populares, sempre com poesias de cordel. Teve breve participação na TV, no programa A Praça É Nossa, nos anos 80, onde interpretou um caricato Lampião. O personagem foi adaptado anos depois para um programa em um canal de Osasco.

"Me encarno no Lampião como se fosse ele apontando as maldades do mundo e fazendo justiça com as próprias mãos. No meu caso, pelo cordel. É no cordel que cobro os políticos e desço o cacete de vez em quando", contou em 2018 ao Diário da Região.

Há pouco mais de dez anos criou o jornal "O Cordel", só com poesias. Por incomodar políticos e autoridades sofreu dois atentados e teve de responder a nove processos. "É incrível como as pessoas se sentem machucadas em versos. Mas o slogan do jornal era esse: 'a verdade nua e crua, doa a quem doer'", disse em uma entrevista para a ConecTV, em 2010.

O dinheiro que ganhou sempre foi distribuído para os filhos. O último livro inédito saiu em 2014, "O Milagre da Flecha", uma adaptação da canção composta por Moacyr Franco. "Vou transformar em cordel uma das composições escritas por esse mestre e cantada por multidões", escreveu nos versos iniciais.

Toni nasceu em Fernão Velho, Alagoas, e mudou-se veio para São Paulo com cinco anos de idade. A família fugia da fome e a capital paulista era a esperança por dias melhores. Com os livros debaixo dos braços, circulou pelo Brasil, chegou a morar em Maceió, onde teve um filho. Tem outro filho em Brasília. "Não conheci todos. Mas ele diz que tinha 20. O que eu sei é que ele sempre foi do bem, sempre tentou ajudar a todos", conta Sinbad Uriel, de Ana Néri.

Sinbad enumerou os irmãos que conheceu: Dalila, Roxany, Cendye Salaba e Stela, da mesma mãe. Anne, Daniela, Jane e Cristiane que foram adotadas. Antônio e Igor são de outros casamentos.

Apesar de tentar transmitir alegria para todos, no final da vida Toni andava triste. "Ele ficou abatido desde que bloquearam a aposentadoria dele. Se sentia chateado porque não estava conseguindo ajudar minha mãe com remédio, nem dar muito apoio aos filhos", lembrou Sinbad.

"Falta conquistar a felicidade porque, apesar dos pesares, não sou feliz. Não por causa do cordel, mas por motivos particulares. E acho que com a minha idade não vou mais encontrar. A única felicidade que tenho hoje e que me mantém vivo é o cordel", disse Toni em 2018.

Em março, a família ainda não havia escutado falar no novo coronavírus e Toni passou a ter os sintomas da doença: febre, dores no corpo e falta de ar. Depois de passar mais de uma semana com dificuldade para respirar, foi levado para o Hospital Antônio Giglio, em Osasco. Passou cerca de um mês internado, mas não resistiu. "Ele sempre foi do bem, sempre tentou ajudar a família. O que fica é a honestidade. Ele me dizia: 'Sinbad, seja sempre honesto e coerente que a vida sempre dá um jeito. Tudo no seu tempo'".


Jorge Luiz Domingos, 
68 anos, massagista do Flamengo

O novo coronavírus fez uma vítima fatal no Flamengo, clube de maior torcida do Brasil. Funcionário mais antigo do departamento de futebol, com 40 anos de serviços prestados, o massagista Jorginho não resistiu a uma parada cardíaca por complicações causadas pela covid-19. Aos 68 anos, ele ficou duas semanas internados no Hospital da Ilha do Governador e morreu no dia 4 de maio.

Jorginho fez parte da delegação do Flamengo na conquista do Mundial Interclubes de 1981, assim como da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002. Conquistou outros diversos títulos no futebol. Sua morte deixou todos de luto.

"É com muita tristeza que o Clube de Regatas do Flamengo comunica o falecimento do massagista Jorge Luiz Domingos, mais conhecido como Jorginho, funcionário mais antigo do Departamento de Futebol e com quatro décadas dedicadas com muito amor, carinho e seriedade ao clube", escreveu o Flamengo em seu site oficial, ao prestar "condolências à família, amigos e companheiros de trabalho de Jorginho" e agradecer "eternamente por toda a sua dedicação durante muitos anos ao Rubro-Negro".

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também lamentou a morte e classificou Jorginho como "competente e querido do futebol brasileiro". Além da Copa de 2002, o massagista esteve na Copa das Confederações e na Copa América de 2001. Foram, ao todo, 32 jogos a serviço do Brasil, incluindo as Eliminatórias para o Mundial de 2002.

Os jogadores do Flamengo também agradeceram a Jorginho. Praticamente todo o elenco postou foto do massagista nas redes sociais e escreveu mensagens de solidariedade aos familiares. O capitão Diego, por exemplo, disse que "sua maneira alegre, descontraída e companheira faziam dele um cara mais do que especial pra mim e todos. Seu sorriso continuará nos iluminando, amigo! Descanse em paz, Jorginho!"


Abril

Deison Freitas, 
34 anos, músico

A morte do músico Deison Freitas, de 34 anos, pelo novo coronavírus colocou em luto parte dos 100 mil habitantes do município de Tubarão, no interior de Santa Catarina. Pelas redes sociais, somam-se dezenas de postagens e vídeos em homenagem ao artista, que ficou 20 dias na UTI e morreu no dia 7 de abril. "Hoje o seu show é no céu! Descanse em paz, amigo", dizia uma das imagens mais compartilhadas.

Nascido em Porto Alegre, Deison era cantor, compositor e instrumentista. Lançou o primeiro e único álbum, Primeira Página, em 2014. No YouTube, costumava compartilhar vídeos com versões de canções de artistas e bandas como Cazuza, The Beatles e Wilson Simonal, além de trabalhos autorais. Ele também era professor de música há 12 anos e autor do e-book Estudando para cantar.

O artista aprendeu a tocar violão aos seis anos, por influência do pai. Aos 14 anos, já se apresentava profissionalmente em bandas de baile do sul catarinense, enquanto, nos anos seguintes, passou também a fazer shows de voz e violão em bares e eventos.

Já o músico Jorge Nando, de 40 anos, conta que havia composto uma música com Deison. “Moro em outra cidade, mas estávamos sempre nos falando por telefone, sobre o cenário musical, composições e instrumentos musicais. Também íamos gravar um vídeo ainda esse ano, cantando juntos.”

Ele descreve o amigo como uma pessoa bem-humorado e que “sempre lutava pela música de qualidade, que gostava de ouvir e tocar os grandes nome da nossa música.”

“Deison tinha muitos amigos, era muito bem relacionado. É bem conhecido na cidade e região, pois se apresentava em vários lugares”, comenta. “Não imaginávamos que fosse coronavírus, mas o caso foi se agravando e, depois, soubemos que era o vírus. A morte precoce do nosso amigo e músico da região, gerou uma comoção na comunidade musical local. Era bem querido na cidade.”


Valdemar Gomes, 
47 anos, professor

O professor Valdemar Gomes vivia a expectativa de receber seu diploma de doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Era o assunto que ele passou a se empenhar nos últimos anos, tendo sido, inclusive, um dos fundadores do cursinho popular da PUC-SP para vestibulandos de baixa renda. No entanto, Valdemar morreu no dia 5 de abril, vítima do novo coronavírus. Não teve tempo de receber seu diploma nem de se despedir da mulher, Lidia Fabiana, e dos filhos Guilherme Jorge, de 13 anos, e Letícia Aparecida, de 17.

Aos 47 anos, completados no dia 11 de março, Valdemar não tinha comorbidade que o deixaria no grupo de risco para o coronavírus. Também não fumava e mantinha uma vida movimentada com as aulas diurnas e noturnas. Por isso, a morte pegou todos de surpresa. Foram 19 dias desde a primeira consulta por causa dos sintomas até o óbito.

Logo após a morte, as redes sociais do professor foram "invadidas" por estudantes e colegas de profissão. Ele dava aula na EMEF Dona Jenny Gomes e em cursos de extensão. Negro e nascido em Miracema do Tocantins, Valdemar abordava bastante as questões raciais e lutava por igualdade.

"O que ele mais queria era entrar em uma universidade pública como professor. Por isso terminou o doutorado recentemente, o diploma até já estava pronto, mas por causa dessa pandemia não entregaram ainda", conta a esposa, que tem 43 anos e é assistente social. Eles ficaram juntos durante 25 anos, sendo 21 de casados.

A UFABC lamentou a morte e afirmou que entregará o diploma à família. "Com imensa tristeza recebemos a notícia do falecimento (em decorrência da Covid-19) de Valdemar Gomes, nosso estudante egresso da pós-graduação. Tivemos a honra de compartilhar saberes com Valdemar e contar com seu brilhante comprometimento em nosso Programa de Ciências Humanas e Sociais. Certamente, seu legado na pesquisa e na conduta com o próximo permanecerá sempre presente entre nós. Infelizmente, não tivemos oportunidade de entregar o diploma de doutor ao nosso querido estudante. Tão logo as atividades presenciais da UFABC sejam retomadas, providenciaremos a entrega deste documento à família".

Valdemar começou a ter um pouco de febre no dia 18 de março e foi à UPA de Itaquera, onde viu que o pulmão não estava afetado e recebeu medicamentos. Três dias depois, a febre persistiu e ele voltou ao médico. Desta vez, em vez de anti-inflamatório e antitérmico, foi receitado com antibiótico. Os sintomas melhoraram, mas no dia 2 de abril o professor desmaiou, retornou ao hospital e ficou internado.

A falta de ar piorou no dia seguinte, uma sexta-feira, e o cateter nasal passou a ser utilizado. No sábado, Lidia foi chamada ao hospital e autorizou o uso de cloroquina no marido. Porém, o medicamento deu efeito colateral e Valdemar precisou tomar um remédio para desacelerar o coração. No domingo, ele foi transferido para o Emílio Ribas e aparentava estar mais tranquilo. "Saí às 18h do hospital, ele estava respirando só com máscara. Às 20h, me ligaram para avisar que ele tinha falecido depois de uma parada respiratória", diz Lidia.

Embora tenha ficado ao lado do marido desde o início do tratamento, ela não tem qualquer tipo de sintoma da doença. Os filhos também não, mas os três estão em isolamento. Em casa, fica a lembrança de Valdemar. "Até nosso cachorro está sentindo muito a falta dele, ainda sempre espera ele chegar", afirma Lidia.


Viviane Albuquerque, 
33 anos, fisioterapeuta e professora de ensino superior

Internada em um hospital particular do Recife com covid-19, Viviane Albuquerque, de 33 anos, precisou ser submetida à cirurgia cesariana de emergência, ainda na 31ª semana de gravidez, após sofrer agravamento do quadro clínico. Em estado grave, o bebê foi encaminhado à UTI depois do parto. Já Vivi, como era chamada, até então uma mulher saudável e ativa, não resistiu às complicações da doença e se tornou na noite de domingo, 5, a primeira gestante vítima da epidemia em Pernambuco.”

Vivi já era mãe de duas garotinhas, gêmeas de apenas 6 anos, e morava com as filhas, a mãe e um papagaio, chamado Menininho José, em um apartamento na Boa Vista, bairro no centro do Recife. Fisioterapeuta e professora de ensino superior, dividia a rotina abarrotada entre a família, o trabalho e os estudos. Neste ano, ela concluiria sua segunda graduação, em Direito.”

A nova gravidez - desta vez, de um garoto - não foi planejada: mas ela recebera a notícia com alegria, segundo relatam amigos. “Esse bebê era o sonho da vida dela. O enxovalzinho já estava todo pronto, ela mandava foto do quartinho, que já estava ficando pronto, pedia dica de que cor para a parede…”, conta a vizinha e amiga próxima Beth Costa, de 35 anos. “Estava muito feliz, mas também muito preocupada com o coronavírus.”

Fruto da relação com o atual namorado, o menino receberia o nome de Erick, assim como o pai. A única dúvida era se ganharia nome composto de David, o “rei amado”, como Vivi escreveu em uma rede social. Na família, no entanto, todos passaram a chamar o bebê de Juninho.

Em homenagem no Facebook, uma ex-aluna postou um vídeo com uma festinha de aniversário que Vivi ganhou na faculdade onde dava aula. “Para mim, esse bolinho simboliza o carinho de cada um de vocês. Isso, para mim, é louvável. Sucesso não é só dinheiro, em si”, ela diz na gravação.

No Instagram, Vivi costumava publicar fotos se exercitando na academia e divulgava informações sobre cuidados com a gestação. Era fisicamente ativa e não tinha histórico de doenças, segundo os amigos. Ninguém sabe dizer como ela pode ter contraído o covid-19.

Preocupada com a gravidez, a fisioterapeuta foi ao hospital na última segunda, 30, sentindo falta de ar e um pouco de febre. Após testar positivo para coronavírus, o quadro se agravou rapidamente e Vivi ficou internada na UTI até passar, às pressas, pela cesárea no fim de semana.


Março

Mauricio Kazuhiro Suzuki, 
26 anos, advogado

Segundo os familires, Mauricio Kazuhiro Suzuki não possuía características que o colocassem no grupo de risco - hipertensão, insuficiência cardíaca, renal ou doença respiratória crônica. Porém, não resistiu ao coronavírus e morreu no dia 28 de março. Ele só foi internado após ir ao hospital pela terceira vez.

Maurício tinha família em Promissão, interior do Estado, e vivia com os pais em Itaquera. Formou-se em direito na Universidade Mackenzie e exercia a profissão na capital paulista em um escritório de advocacia empresarial.

Após a morte, amigos e familiares usaram as redes sociais para homenagear Maurício. A 'gripezinha' levou nosso amigo Mauricio Kazuhiro Suzuki. Um jovem de 26 anos, saudável, com a vida toda pela frente! Mas Deus é nosso guardião e sabe de tudo! Descanse em paz!", postou Caroline Fernandes, fazendo referência ao que o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer sobre a doença.

“Um jovem querido. Muito estudioso. Pessoa humana ímpar. Educado e respeitoso, sempre. Receba a minha oração com meu coração apertado. Como professor a gente se sente um pouco pai. Fiquei abatido”, escreveu na rede social o professor de Direito Ernani Calhao, que deu aula a ele no Mackenzie.

A prima Tatiana Harumi Komi agradeceu às mensagens recebidas. "Toda a nossa família agradece imensamente por todas as mensagens e demonstrações de carinho com o Mauricio. Ele sempre estará presente com cada pessoa que o conheceu e estará olhando todos lá de cima."

Rosa Silviano, amiga de Maurício, também lamentou. "O que dizer neste momento de uma das criaturas mais doces e meigas que passaram por mim? Que o Pai amoroso te acolha de braços abertos e conforte o coração de toda família e amigos! Você sempre será um querido. Será eternizado em nossos corações", escreveu.


Bruno Nascimento Leite, 
29 anos, funcionário público

O novo coronavírus interrompeu a ascensão política de Bruno Nascimento Leite, de 29 anos. Em 18 de março, ele acordou com febre e foi ao Pronto-Socorro Central de Embu das Artes, na Região Metropolitana de São Paulo. O quadro médico piorou e ele teve de ser transferido para o Hospital Geral de Itapecerica da Serra, onde morreu no dia 29 de março.

De acordo com amigos, Bruno não tinha qualquer comorbidade que o deixaria no grupo de risco do coronavírus. Também não se sabe onde ele possa ter contraído a covid-19.

Ele era funcionário público e amigo do prefeito de Embu das Artes, Ney Santos (Republicanos), que lamentou a morte em uma postagem no Facebook. "Deus recolheu o nosso amigo, ele foi descansar nos braços do Pai. Que o Espírito Santo console todos os amigos e familiares nesse momento de profunda dor e saudade", escreveu o prefeito na legenda da foto que tirou ao lado de Bruno.

A ligação de Bruno com a política ocorreu por meio de Renato Oliveira, assessor pessoal de Ney Santos. Bruno era cabeleireiro, virou funcionário público e trabalhava na secretaria de comunicação da Prefeitura de Embu das Artes. Há dois anos, trabalhou na campanha de Ely Santos, que é irmã do prefeito e se candidatou a deputada federal em São Paulo, recebeu quase 50 mil votos e ficou como segunda suplente do Republicanos. Bruno puxava votos principalmente das pessoas do bairro Santo Antonio, onde era considerado uma liderança política.

"Ele não era do ramo político, mas estava crescendo na função. Viu que tinha jeito para a coisa e se tornou um líder do bairro, bem ativista, defendendo ideias para a comunidade", contou o secretário de governo de Embu das Artes, Jones Donizette, que esteve com Bruno dias antes de ele sentir os primeiros sintomas da doença. "Foi tudo muito rápido", lamentou o amigo.


Matheus Aciole, 
23 anos, cozinheiro

O sonho de abrir um bistrô para colocar em prática o que aprendeu nas faculdades de Gastronomia e Nutrição não deu tempo de ser realizado por Matheus Aciole. O jovem queria ser reconhecido como um chef promissor e se dedicava à produção de bolos artísticos e doces em geral, paixão que herdou dos pais, donos de uma fábrica de bolos artesanais na zona Leste de Natal. Ele morreu aos 23 anos, em Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, no dia 31 de março.

"Ele tinha uma ideia de abrir um bistrô. Era formado em Gastronomia, cursava Nutrição e ainda fazia uma pós-graduação. Ele gostava de trabalhar. Já tinha uma pequena empresa de bolos e doces e estava bastante empolgado com a minha festa de formatura, perguntando como eu queria os doces, o bolo", relembra Gleydson Almeida, primo de Aciole.

A imagem que fica para Gleydson do primo que não resistiu à fúria da covid-19 é a de 'um menino ingênuo, bom, querido por todos". "(Matheus) Gostava muito de festas. Ele era uma criança grande. Era ingênuo e gente boa demais. Ele trabalhava junto com os pais, ajudando", declara.

De acordo com as autoridades locais de saúde, Aciole era obeso e apresentava pré-diabetes, fatores considerados de risco para o novo coronavírus.


Manoel Messias Freitas Filho, 
62 anos, porteiro

O porteiro Manoel Messias Freitas Filho, de 62 anos, era descrito como educado, atencioso e discreto. Gostava de falar de futebol, especialmente do Flamengo, time que ganhou tudo no ano passado e que o enchia de orgulho. Mas adorava mesmo eram os jogos e apostas de todo tipo. Estudava combinações e probabilidades. O único passeio que fazia com regularidade era até a lotérica para apostar Megasena. Nunca teve grandes prêmios, mas não perdia a fé. Divorciado e sem filhos, o porteiro tinha no jogo uma de suas poucas paixões. Tudo isso até ser a primeira vítima fatal do novo coronavírus no Brasil. Ele morreu no dia 16 de março, em São Paulo.

Manoel saía pouco de sua casa própria, no Paraíso. Um dos fatores que limitava sua mobilidade eram os problemas de circulação nas pernas. Sofria de hipertensão, trombose, diabete e erisipela, infecção da pele causada por bactérias que entram por ferimentos da pele. Para minimizar as dores, passava boa parte do tempo com meias especiais.

As suspeitas iniciais da família em relação à causa da morte foram os problemas já existentes. Ninguém imaginou se tratar de coronavírus. Amigos afirmam que a família descobriu o motivo da morte pela imprensa. Mas as suspeitas de que havia algo errado começaram a surgir quando o caixão foi lacrado.

A transmissão foi confirmada como comunitária, ou seja, quando não é possível identificar a trajetória da infecção. Para um dos vizinhos, ele pode ter contraído a doença no contato com moradores do condomínio onde trabalhava e que haviam retornado de viagem do exterior.


Paulo Fernando Moreira Palazzo, 
56 anos, médico

Primeira morte confirmada pelo novo coronavírus de um profissional do Samu, serviço de atendimento móvel em São Paulo, o médico Paulo Fernando Moreira Palazzo foi homenageado com um “sirenaço” pelos amigos de trabalho. Aos 56 anos, ele também era chefe de plantão de Urgência Clínica do Pronto-Socorro do Hospital São Paulo, da Unifesp.

O “sirenaço” foi realizado por diversas equipes do Samu da capital. Em vídeo postado nas redes sociais, colegas de trabalho lembraram da trajetória de Palazzo e chegaram a se emocionar durante a homenagem.

Segundo a Prefeitura de São Paulo, o hemoterapeuta trabalhava "na linha de frente do atendimento de urgência, despertava o respeito e a admiração dos colegas e pacientes pela dedicação com que cumpria sua missão de vida". "Perda irreparável, no momento em que a comunidade de Saúde da cidade se prepara para enfrentar seu maior desafio, Paulo deixa um exemplo de coragem a todos que agora formam a última barreira de proteção contra a pandemia."

Hematologista e hemoterapeuta, Palazzo também atuava na Associação Beneficente de Coleta de Sangue (Colsan), entidade sem fins lucrativos de promoção à doação de sangue. Ele era formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM), da Unifesp.

Segundo nota da Unifesp, o médico começou na EPM “muito antes de se tornar médico”. “De família humilde, batalhou durante oito anos, trabalhando como balconista, abrindo fichas dos mesmos pacientes do PS (pronto-socorro) que se tornariam seus pacientes. Estudava a noite, trabalhava de dia até que seu sonho de tornar-se médico e da família EPM tornou-se realidade.”

A nota ainda diz que Palazzo "trabalhou durante toda sua carreira na linha de frente com plantonista e preceptor no pronto-socorro do Hospital São Paulo. Era humano e preocupava-se principalmente com os aqueles menos favorecidos. Deixa dois filhos, amigos e exemplo de que todo sonho pode se tornar-se realidade”.


Sérgio Campos Trindade, 
79 anos, engenheiro

Especialista em bioenergia e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007, o engenheiro brasileiro Sérgio Campos Trindade morreu no dia 18 de março, em Nova York, nos Estados Unidos, aos 79 anos, em decorrência de complicações associadas ao coronavírus.

O engenheiro químico recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007 ao lado dos integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) pela luta na preservação do meio ambiente e a divulgação do conhecimento sobre mudanças climáticas e os efeitos no planeta.

O brasileiro era um especialista em energia renovável e trabalhava como consultor em negócios sustentáveis. Ele era membro do Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, na sigla em inglês), agência vinculada à Unesco.

"Tio Sérgio sempre foi uma referência na família. Uma inspiração e um ponto de contato. Somos muitos Arrudas espalhados pelo mundo, mas sempre tivemos na sua casa e de tia Helena Arruda Trindade, próxima a Nova York, um ponto de acolhimento garantido. Encontrá-lo era sempre certeza de escutar novidades", conta o jornalista Felipe Arruda Mortara, colaborador do Estado e sobrinho-neto de Trindade.

"Quando começava a contar sobre suas pesquisas e palestras sempre se entusiasmava. Era um viajante apaixonado e adorava contar dos países que conhecia. Já manifestava preocupação com as mudanças climáticas há mais de uma década, quando ainda era algo muito abstrato para todos. Uma pessoa à frente de seu tempo. Aliás, soava quase como uma loucura dizer que um parente seu era ganhador de um Prêmio Nobel da Paz. Afinal, sempre disseram que o Brasil nunca teve um Nobel. A sensação era a de que todos não tinham ideia do tamanho do Tio Sérgio", afirma Mortara.


Expediente

 Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin, Glauco Lara e William Mariotto / Editor Robson Morelli / Designer Multimídia Dennis Fidalgo

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