100 dias de Milei em cinco gráficos: Argentina tem superávit fiscal, mas pobreza avança

Governo pretende zerar o déficit este ano, mas custo social pode comprometer resultados, alertam economistas

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Atualização:

O libertário Javier Milei chegou à Casa Rosada com a promessa de tratamento de choque para a crise na Argentina: arrocho fiscal, sem gradualismos. Passados 100 dias, o governo celebra dois superávits seguidos no país que há mais de 10 anos só registrava déficits, mas isso não significa que a produção e arrecadação de impostos tenham aumentado. O resultado fiscal é resultado do corte de gastos que tem um custo social e colocou o Executivo em rota de colisão com as províncias.

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De partida, o seu ministro Luis Caputo anunciou um pacote com dez medidas, que têm o cerne da matriz econômica do governo: cortar gastos e subsídios (que seriam em partes compensados por políticas de assistência direta), reduzir ao mínimo o repasse para as províncias e desvalorizar o peso (que o governo pretendia substituir pelo dólar).

Sem o controle de preços e com a desvalorização de 54% na moeda, a inflação disparou no primeiro mês do governo, quando bateu 25,5%, antes de começar a desacelerar em janeiro (20,6%) e fevereiro (13,2%). Quando o Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina (Indec) divulgou o índice de preços ao consumidor do mês passado, o governo celebrou, mas depois Milei admitiu que era uma “tragédia”, culpou as gestões anteriores e alertou que a inflação de março pode vir com um efeito rebote.

Embora as taxas mensais estejam em queda, como resultado da desvalorização da moeda e das políticas recessivas, a inflação acumulada segue em disparada. Era de 211% nos 12 meses encerrados em dezembro, 254% em janeiro e 276% em fevereiro. É atualmente a maior taxa do mundo, depois de ter ultrapassado a Venezuela.

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É que os preços subiram tanto que a melhora recente ainda não se traduz na perspectiva de longo prazo. Além disso, o poder de compra dos trabalhadores despencou em 20% nos últimos dois meses, segundo o índice Ripte, que mede a variação dos salários entre os argentinos com empregos estáveis, e nunca registrou uma desvalorização tão grande.

Para se ter uma ideia ,o poder de compra dos trabalhadores teve queda de 26% em todo o ano de 2002, na sequência da crise do “corralito”, que levou o presidente Fernando de la Rúa a fugir da revolta popular de helicóptero. Ou seja, mesmo com a trégua da inflação mensal e índices baixos de desemprego, os argentinos não estão consumindo - o que coloca em dúvida se a resposta de Milei para controlar os preços é sustentável.

Com salários corroídos, pobreza aumenta

Com a renda corroída pelos preços, a pobreza tem aumentado na Argentina. O índice começou a piorar nos anos de Mauricio Macri, quando saltou de 30% para atingir quase 40% da população e chegou aos 44% no governo do peronista Alberto Fernández. Agora, já passa de 57% e o instituto da Universidade Católica da Argentina (UCA), que faz a medição, alerta que deve fechar o mês de fevereiro no patamar de 60%.

As previsões são reforçadas pela pressão que incide sobre a cesta básica. Cálculos do Indec apontam que uma família de quatro pessoas precisaria ter renda de 690 mil pesos para arcar com todas as necessidades básicas, ou seja, não ser considerada pobre em fevereiro. O que representa um aumento de 15% em relação ao mês anterior.

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Déficit zero é meta ‘inegociável’

No que diz respeito ao aspecto fiscal, Javier Milei tem o que celebrar. Foram dois superávits seguidos, algo que não se via na Argentina desde 2011, conquistados a partir de uma queda brutal nas despesas. O governo pretende atingir o déficit zero ainda este ano e o ministro da Economia Luis Caputo afirmou que essa meta é inegociável ao celebrar os resultados fiscais.

“Os bons dados da economia só podem ser vistos em termos de contas fiscais, da balança econômica do Estado”, afirma o analista político do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires Facundo Cruz.

“Esse superávit financeiro não foi alcançado à custa de mais dinheiro entrando nos cofres do Estado, especialmente em termos de impostos e aumento da atividade econômica, mas à custa de menos gastos do Estado, ou seja, transferências para províncias, aposentadorias, salários e até mesmo gastos para as universidades”, explica o analista, destacando que, embora sejam números bons para as contas públicas, o que os argentinos viram foi a economia pessoal se deteriorar.

E, se o empobrecimento acelerado não encontrar um piso com uma melhora rápida da inflação que permita a recuperação do poder de compra e a retomada do consumo, argumenta o professor de Economia da UBA Fabio Rodriguez, a economia da Argentina não vai conseguir sair do vermelho.

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Ainda na posse, Milei alertou que pioraria antes de melhorar e aposta que o equilíbrio fiscal vai segurar a inflação, mas a governabilidade tem sido tarefa difícil para o libertário, sem base sólida no Congresso. A chamada Lei Ônibus e o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que somavam mais de mil medidas para desregulamentar a economia, sofreram derrotas na Câmara e no Senado, respectivamente.

A primeira voltou praticamente à estaca zero depois de um impasse envolvendo as privatizações. A segunda já teve trechos derrubados pela Justiça, mas segue em vigor à espera da votação na Câmara, onde o governo corre o risco de sofrer mais uma derrota.

Corte de repasses coloca Milei em pé de guerra com províncias

A governabilidade de Javier Milei é dificultada pela guerra aberta com as províncias. Isso porque, na política argentina, os governadores têm grande influência sobre os partidos e, consequentemente, sobre os votos dos deputados. Em seu discurso de abertura da sessão legislativa deste ano, o presidente disse que governaria com ou sem o Congresso, uma tarefa impossível em uma federação onde até para manter decretos em pé o presidente precisa do aval do Legislativo.

Na reta final do governo Alberto Fernández, os repasses caíram 7% de um ano para o outro com efeito da inflação e da reforma tributária que aumentou a isenção do imposto de renda - uma medida populista do então ministro Sergio Massa, que enfrentou Milei nas eleições.

Agora, no entanto, a ordem é reduzir ao máximo. As chamadas transferências automáticas, aquelas que são impostas por lei, tiveram redução de 11% em janeiro, em relação ao mesmo período do ano passado por causa da inflação. O valor real dos repasses obrigatórios atingiu o menor valor em quase uma década, mostrou o Instituto Argentino de Análise Fiscal (IARAF).

Consideradas as transferências discricionárias, que não são automáticas, os valores reais caíram em 98% no começo de 2024 ante 2023, segundo um levantamento foi pelo economista Nadin Argañaraz, presidente do IARAF. Em 13 províncias, o ano começou sem esses repasses.

A briga por recursos escalou no mês passado, quando governadores ameaçaram cortar o fornecimento de petróleo e gás para Buenos Aires. Os ânimos se acalmaram depois que uma decisão da Justiça deu razão ao governador de Chubut, Ignácio Torres. Os chefes das províncias deram o assunto por encerrado, mas cobraram mais diálogo da Casa Rosada.

O corte, bem como brigas abertas contra estes governadores na internet e nos discursos, provocaram uma cisão entre Milei e os garantidores de sua governabilidade. Tentativas anteriores de amenizar o tom fracassaram e no momento o futuro das reformas econômicas de um presidente sem base de apoio é um completo mistério.

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Para fechar o cenário, o libertário tem à sua volta a sombra de uma possível nova desvalorização da moeda, o que faria todos os ganhos econômicos até agora voltarem à estaca zero. Milei fixou o preço do dólar em 800 pesos em dezembro a fim de conter a alta de preços, uma medida que, segundo economistas, é sustentável apenas no curto prazo, enquanto se busca outras ferramentas de controle.

Com o DNU semi-derrubado e a Lei Ônibus estagnada, não houve novas ferramentas, fazendo do controle cambial - junto com a queda no consumo e congelamento de gastos - a medida principal que segurou a economia até agora. Com uma inflação mensal caminhando em torno de 13% e o dólar se valorizando em um ritmo de 2%, é inevitável que no futuro próximo a moeda volte a valer pouco, fazendo da desvalorização o único remédio.

“O mercado está um pouco pendente de qual vai ser a estratégia porque não se pode sustentar um câmbio congelado aumentando em 2% e os preços indo em torno de 15% todo mês, porque senão perde competitividade”, explica o economista da Universidade de Buenos Aires Fabio Rodriguez.

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