Enquanto a guerra na Ucrânia entra em seu 36º dia, a Rússia dá sinais de mudança de foco com o deslocamento de suas tropas de Kiev para o leste ucraniano. Ao mesmo tempo, o presidente Vladimir Putin ameaçou cortar fornecimento de gás a ‘países hostis’ caso não paguem em rublos. Ocidente vê manobras como erros estratégicos e “desespero”.
Análises de inteligência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) corroboram a suspeita ucraniana de que a promessa russa de retirada é apenas um reagrupamento de tropas. Segundo o relatório a Rússia está tentando se reagrupar, reabastecer e reforçar sua ofensiva na região de Donbas ao mesmo tempo que se afasta de Kiev.
No mesmo dia, as forças russas declararam que estavam deixando a usina nuclear de Chernobyl e a cidade vizinha de Slavutich, de acordo com um comunicado da empresa estatal de energia da Ucrânia. O motivo seria o temor entre os soldados com a radiação do local. A Agência Internacional de Energia Atômica deve enviar missões para o local.
Também nesta quinta, um comboio de ônibus ucranianos partiu para a cidade na tentativa de retirar civis que ainda permanecem no local, afirmou a vice-primeira-ministra Irina Vereshchuk, depois que todos os esforços anteriores para alcançar partes de Mariupol falharam.
O comboio enviado nesta quinta-feira, no entanto, é feito por meio de um corredor humanitário apoiado pela Cruz Vermelha, que garantiu um acordo com os russos.
Mudança de foco
O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, afirmou que as forças ucranianas se preparam para novos ataques da Rússia na região sudeste do país, que passou a ser foco de Moscou depois que a ofensiva à Kiev não teve sucesso.
Segundo Moscou, o foco agora é “libertar” das mãos da Ucrânia a região de Donbas, formada por duas províncias do sudeste parcialmente controladas por separatistas apoiados pela Rússia desde 2014. Com isso, as tropas russas se reordenam para a região e saem de Kiev e de Chernihiv, no norte - dois dos locais que sofreram ataques intensos nas últimas semanas.
Zelenski, acredita que o movimento das tropas não significa uma retirada, mas uma “consequência do trabalho dos nossos defensores”, conforme declarou em um discurso de vídeo. Porém, serviços de inteligência da Otan, Estados Unidos e Reino Unido apontam que a estratégia não passa de um reagrupamento.
“De acordo com nossa inteligência, as unidades russas não estão se retirando, mas se reposicionando”, disse Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan. “Ao mesmo tempo, a Rússia mantém pressão sobre Kiev e outras cidades, então podemos esperar ações ofensivas adicionais, trazendo ainda mais sofrimento.”
Pagamentos em rublos por gás
Buscando pressionar a Europa, que é altamente dependente do gás natural russo, Vladimir Putin, assinou um decreto obrigando os compradores estrangeiros de gás a fazer o pagamento em rublos. Em seu discurso televisionado, o presidente ameaçou cortar o fornecimento a “países hostis” caso a ordem não fosse seguida.
Mas o Kremlin moderou a ordem ao permitir pagamentos em dólares e euros por meio de um banco designado que converterá o dinheiro em rublos.
Na prática, o banco abrirá duas contas para cada comprador, uma em moeda estrangeira e outra em rublos. Os compradores pagarão em moeda estrangeira e autorizarão o banco a vendê-las por rublos na casa de câmbio de Moscou. Os rublos seriam então colocados na segunda conta, onde o gás é formalmente comprado.
Os países europeus, em especial a Alemanha que é a mais dependente do combustível para aquecimento e eletricidade, já rejeitaram a demanda e afirmaram que vão manter as compras nas moedas atuais, conforme configura em contratos.
De qualquer forma, o país iniciou no dia anterior um procedimento de emergência para monitorar as importações de gás e a capacidade de armazenamento e instou consumidores e fabricantes a reduzir o consumo em preparação para qualquer paralisação de entregas russas.
A Rússia fornece cerca de um terço do gás da Europa, o que faz da energia a alavanca mais poderosa à disposição de Putin para um revide às sanções ocidentais por sua invasão da Ucrânia. Mas analistas apontam que o impacto também será negativo para a economia russa, já muito sufocada pelas sanções.
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