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11 de setembro chileno: Aversão a Pinochet diminui entre chilenos com aumento da violência no país

Chilenos estão menos propensos a democracia e mais conservadores com aumento da criminalidade; crimes cometidos durante a ditadura são esquecidos na memória coletiva

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Por Redação

SANTIAGO – O mundo lembra o general Augusto Pinochet como o ditador cujo regime torturou, matou e desapareceu 3.065 pessoas em nome da luta contra o comunismo.

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Mas enquanto o Chile completa 50 anos nesta segunda-feira, 11, do golpe que levou Pinochet ao poder por quase 17 anos, muitos no país não veem como um dia sombrio. Em meio a uma economia fraca e um aumento na criminalidade violenta, pesquisas recentes mostram que muitos chilenos não acham que os direitos humanos sejam tão prioritários.

O Chile lida com o que vê como o legado complicado de Pinochet em um momento em que um grande número disse aos institutos de pesquisa que está perdendo a fé na democracia. “Antes, não havia tanta violência como há agora”, disse Ana María Román Vera, de 62 anos, que vende bilhetes de loteria. “Nunca se viu tantos assaltos.”

O ex-ditador Augusto Pinochet, que governou de 1973 e 1990, deixando 3 mil mortos e mais de mil desaparecidos no Chile Foto: Claudia Daut/Reuters

Uma pesquisa de julho do Centro de Estudos Públicos, uma fundação de pesquisas chilena, descobriu que 66% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que, em vez de se preocupar com os direitos dos indivíduos, o país precisa de um governo firme. Isso é mais do que o dobro dos 32% que concordaram com a afirmação há menos de quatro anos.

No Chile, o 11 de setembro foi um marco antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 contra os EUA porque foi a data do golpe de 1973. Esse significado, porém, vem mudando. As pesquisas mostram que mais de um terço dos chilenos justificam hoje a tomada de poder pelos militares de um governo democraticamente eleito e suas consequências nos anos seguintes, com violação aos direitos humanos, assassinato de opositores, cancelamento de eleições, censura midiática, sindicatos suprimidos e partidos políticos dissolvidos.

“Deveria haver uma maioria esmagadora de chilenos que denunciam a ditadura e o golpe militar e reconhecem que os militares destruíram a democracia”, disse Marta Lagos, diretora da empresa de pesquisas regionais Latinobarómetro e fundadora do instituto de pesquisas Mori Chile. “Essa seria a situação normal em um país normal. Mas não é o caso.”

No final do mês passado, o presidente de esquerda Gabriel Boric revelou o que será efetivamente o primeiro plano patrocinado pelo Estado para tentar localizar as cerca de 1.162 vítimas da ditadura que continuam desaparecidas.

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No entanto, mesmo enquanto o governo de Boric e organizações de direitos humanos planejam eventos para marcar o aniversário do golpe, muitos no Chile não parecem ver a destituição de um líder democraticamente eleito como errada.

Uma pesquisa realizada no início deste ano pelo instituto de Lagos descobriu que 36% dos chilenos acreditam que os militares “libertaram” o Chile “do marxismo” quando depuseram o presidente de esquerda Salvador Allende, que havia sido eleito democraticamente em 1970 e se matou no dia do golpe. A pesquisa apontou que 42% disseram que o golpe destruiu a democracia, o menor número desde 1995.

Pinochet liderou o golpe em um momento em que o país estava atolado em uma crise econômica que incluía escassez de alimentos e inflação galopante, que chegava a uma taxa anual de 600%. Quando os militares assumiram, implementaram uma economia de livre mercado que, de repente, inseriu aqueles com dinheiro em uma festa consumista, mesmo quando a taxa de pobreza disparou.

O contador aposentado Sergio Gómez Martínez, de 72 anos, disse que “felizmente, Augusto Pinochet liderou o golpe” contra o governo socialista de Allende. Ele argumentou que seu bem-estar econômico melhorou sob o governo militar de direita “porque havia ordem, emprego, e o campo e as indústrias começaram a produzir”.

Repressão contra opositores

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A repressão foi desencadeada contra os opositores no dia do golpe. Nos dias que se seguiram, o Congresso foi fechado e os partidos políticos foram dissolvidos quando a junta militar assumiu o controle de todo o Estado. Aqueles que se opunham ao regime eram regularmente presos e torturados e centenas de milhares eram forçados ao exílio.

Gómez disse que as violações dos direitos humanos dos anos Pinochet “poderiam ter sido evitadas”, mas não parecem estar no centro de sua memória dos anos da ditadura. Segundo algumas estimativas, cerca de 200 mil cidadãos foram exilados por razões políticas e cerca de 28 mil opositores do regime foram presos e torturados.

Ele não está sozinho. Quase quatro em cada 10 chilenos acham que o governo de Pinochet (1973-1990) modernizou o país e 20% veem o ditador como um dos melhores governantes do Chile do século 20, de acordo com a pesquisa Mori.

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Uma pesquisa regional do Latinobarómetro deste ano descobriu que apenas 48% dos latino-americanos acham que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, o que representa uma queda de 15 pontos em relação a 2010.

Em toda a América Latina, homens fortes como o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ganham popularidade. Bukele ganhou seguidores fervorosos devido à sua severa repressão às gangues, apesar de um histórico de abusos dos direitos humanos.

Boric, por sua vez, viu uma queda acentuada em seus índices de aprovação desde que chegou ao poder em março de 2022 como o presidente mais jovem do Chile, aos 36 anos. Ele ascendeu como líder após protestos de ruas liderados por estudantes que mostraram como as desigualdades econômicas geradas pela ditadura continuavam. Mas, no ano passado, os chilenos rejeitaram amplamente o texto de nova constituição para substituir a Constituição em vigor, da época da ditadura. O novo texto teria sido uma das cartas magnas mais progressistas do mundo.

Depois, na Assembleia Constituinte para a criação de um novo texto, os chilenos elegeram mais conservadores.

Heranças da ditadura

Efrén Cortés Tapia, um pintor de 60 anos, disse que suas memórias mais vívidas sobre os anos da ditadura não são apenas a “repressão”, mas também “não poder ouvir a música de grupos folclóricos proibidos”. Para ele, a ditadura levou a “limites no desenvolvimento cultural”, além de “medo e pavor”.

E enquanto a sociedade chilena lida com seus sentimentos mistos sobre a ditadura, mais se aprende sobre a repressão dos anos através dos tribunais. Há cerca de 1,3 mil processos criminais ativos no Chile por violações de direitos humanos durante a ditadura e cerca de 150 pessoas cumprem penas na prisão de Punta Peuco, uma instalação reservada exclusivamente para condenados por crimes da época da ditadura.

O governo de Boric também está procurando respostas no exterior, pressionando os Estados Unidos a desclassificar documentos que possam ajudar a esclarecer o papel que Washington desempenhou no golpe que apoiou.

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No final de agosto, a CIA desclassificou partes dos relatórios diários do presidente americano relacionados ao Chile. Os documentos datam do dia 8 de setembro de 1973 e 11 de setembro de 1973 e confirmam que o então presidente Richard Nixon foi informado sobre a possibilidade de um golpe.

Durante uma visita recente ao Chile, a deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez (Democrata) disse que era “muito importante (...) reconhecer e refletir sobre o papel dos Estados Unidos” no golpe.

Pinochet permaneceu no poder até 1990, renunciando após a maioria dos chilenos votar contra o regime militar em 1988. Ao contrário de outros ditadoras, Pinochet não desapareceu. Imediatamente ao sair da presidência, se tornou comandante-em-chefe do Exército até 1998 e, mais tarde, tornou-se senador vitalício, cargo que criou para si mesmo. Ele renunciou em 2002 e morreu em 2006 sem nunca ter sido condenado nos tribunais chilenos, embora tenha ficado detido por 17 meses em Londres por ordem de um juiz espanhol.

“Os chilenos se acostumaram a conviver com Pinochet”, disse Lagos. “Pinochet, acredito, é o único ditador da história ocidental contemporânea, durante este século e o século passado, que, 50 anos após seu golpe, ainda é apreciado por 30 ou 40% da população de um país.”

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