75 anos de Hiroshima: preservando a mensagem de paz dos sobreviventes

Eles conseguiram transformar as memórias do pesadelo das explosões e suas consequências em uma força visceral para promover um mundo livre de armas nucleares

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Por Ben Dooley e Hisako Ueno

TÓQUIO - Os hibakusha, como são conhecidos no Japão os sobreviventes dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, conseguiram uma poderosa façanha de alquimia: transformaram as memórias do pesadelo das explosões e suas consequências em uma força visceral para promover um mundo livre de armas nucleares.

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A cada ano, há mais de meio século, muitos deles se reúnem nas primeiras horas de 6 de agosto no Parque Memorial da Paz de Hiroshima para expressar seu luto diante da destruição da cidade pelas forças armadas dos Estados Unidos durante a 2ª Guerra e prestar seu testemunho vivo sobre os perigos permanentes da bomba.

Mas na quinta-feira, quando Hiroshima lembrou os 75 anos do ataque nuclear, os hibakusha tiveram uma presença menor, vítimas da pandemia de coronavírus e do avanço da idade.

Sobrevivente de Hiroshima presta sua homenagem às vítimas no Peace Memorial Park Foto: Dai Kurokawa/EFE

“Algumas pessoas se questionavam se não haveria problema para os hibakusha participarem da cerimônia em meio à pandemia”, disse Kunihiko Sakuma, presidente da filial de Hiroshima da Confederação Japonesa das Organizações de Vítimas das Bombas A e H.

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Apesar dos riscos à saúde, um número relativamente pequeno de sobreviventes compareceu este ano, disse Sakuma. Eles acreditam que “chegaram até aqui” e “não podem parar”, disse ele, acrescentando que “é extremamente importante enviar esta mensagem de Hiroshima”.

Autoridades da cidade e ativistas da paz haviam previsto uma série de grandes eventos para celebrar o que provavelmente foi o último grande aniversário do bombardeio para quase todos os hibakusha (pronuncia-se hee-bak-sha) ainda vivos.

Mas o coronavírus os forçou a restringir os eventos, passando as conferências sobre desarmamento nuclear para plataformas on-line, cancelando ou adiando reuniões relacionadas e reduzindo o número de participantes para cerca de 800 pessoas, um décimo da participação em um ano normal.

Ciente do declínio da população de sobreviventes dos dois atentados atômicos, que agora gira em torno de 136 mil pessoas, o governo de Hiroshima decidiu concentrar a cerimônia deste ano no luto aos mortos e na homenagem à experiência daqueles que continuam vivos.

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As memórias dos hibakusha, que agora têm em média 83 anos, são um recurso cada vez mais precioso. À medida que sua quantidade diminui, eles e seus apoiadores estão sendo forçados a imaginar como será o movimento de desarmamento sem as pessoas que deram um rosto humano às perdas da guerra nuclear.

Sakuma disse esperar que os filhos e netos dos sobreviventes continuem a luta pelo tempo que for necessário. “Os hibakusha não podem evitar o fato de que estamos desaparecendo”, disse ele. “A cada ano, mais alguns milhares deixam de existir. Quem sabe quantos anos ainda nos restam?”

Marcados física e mentalmente pela tremenda explosão desencadeada pela fissão de átomos sobre Hiroshima e Nagasaki, os hibakusha se tornaram uma referência para ativistas da paz de todo o mundo, bem como um lastro moral do pacifismo pós-guerra do Japão.

Os sobreviventes dedicaram tempo e energia imensuráveis fazendo campanha para a completa eliminação das armas nucleares. Desde receber visitantes em suas casas em Hiroshima e Nagasaki até palestras em navios de cruzeiro, eles compartilharam sua mensagem de paz com o público no Japão e no exterior, até mesmo com líderes políticos e religiosos do mundo.

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Para as pessoas e os governantes, ouvir em primeira mão as experiências dos sobreviventes dos bombardeios que mataram mais de 200 mil japoneses foi “realmente importante no nível pessoal”, disse Sharon Squassoni, diretora do programa de segurança global da Union of Concerned Scientists. “Há um grande risco de essas questões se tornarem abstratas, porque essas armas não são usadas há 75 anos.”

Quando as organizações de sobreviventes começaram a atuar politicamente, ainda nos anos 50, elas tinham dois objetivos: exigir compensação e apoio financeiro do governo japonês e pressionar pela eliminação das armas nucleares.

Elas tiveram grande êxito na primeira frente, embora alguns pedidos de indenização ainda estejam sendo analisados pelos tribunais do país.

Mas, depois de anos de otimismo alimentados por sinais de progresso, a maioria dos sobreviventes agora diz que um mundo livre de armas nucleares é um sonho distante. Essa perspectiva sombria reflete um sentimento geral na comunidade de controle de armas: o mundo está perdendo avanços conquistados com muito esforço.

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O número de ogivas nucleares caiu de um pico de cerca de 70 mil em meados da década de 80 para cerca de 13 mil nos dias hoje. Mas, nos últimos 25 anos, Índia, Paquistão e Coreia do Norte se estabeleceram como Estados nucleares. A China expandiu seu modesto arsenal. E o mais importante: os EUA e a Rússia - de longe as maiores potências nucleares - começaram a se livrar dos tratados com os quais estavam comprometidos desde o fim da Guerra Fria.

Essas tendências, no entanto, apenas reforçaram a determinação dos sobreviventes em lutar. Em 2017, seus esforços foram recompensados com a aprovação do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares na Assembleia Geral das Nações Unidas.

O futuro do tratado é incerto. O texto tem apenas 40 das 50 assinaturas necessárias para poder entrar em vigor. E é improvável que algum dia obtenha apoio de Estados que têm armas nucleares ou de países, como o próprio Japão, que estão sob a égide do arsenal dos EUA. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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