80 anos de Stalingrado: Como a ‘batalha de egos’ entre Hitler e Stalin mudou os rumos da 2ª Guerra

Batalha mais sangrenta da História é considerada o ponto de virada para os Aliados na guerra contra os nazistas

PUBLICIDADE

Foto do author Renato Vasconcelos
Foto do author Luiz Raatz
Atualização:

Quando os primeiros disparos da artilharia alemã e bombas incendiárias despejadas pela Luftwaffe atingiram Stalingrado, uma vitória dos Aliados na 2ª Guerra ainda era um sonho distante. A máquina de guerra nazista, que em três anos tomou grande parte Europa continental, agora expandia os domínio do 3º Reich rumo a leste, em busca do chamado “espaço vital” alemão. A batalha, que durou cinco meses, mudou o curso da guerra, exauriu as forças alemãs e abriu caminho para o contra-ataque aliado em duas frentes, pactado entre o ditador soviético Josef Stalin, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o presidente americano Franklin D. Roosevelt.

PUBLICIDADE

A maior batalha da 2ª Guerra foi também a mais sangrenta. Os números são imprecisos, mas fontes históricas estimam que 2 milhões de pessoas, entre soldados soviéticos, do Eixo e civis, tenham morrido, desaparecido ou capturados em Stalingrado - no maior derramamento de sangue em um embate único na História.

“Stalingrado marca literalmente o ponto de virada da 2ª Guerra. Foi a partir dela que os soviéticos começaram lentamente a empurrar os regimentos alemães para trás, e os fizeram passar da ofensiva para a defensiva”, afirma o professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Rússia Angelo Segrillo.

Soldado soviético ergue bandeira no centro de Stalingrado após rendição nazista. Foto: Itar-Tass Photo Agency via REUTERS - 02/02/2013

As tropas do 6º Exército alemão, apoiadas por regimentos formados por finlandeses, húngaros, romenos e italianos, chegaram às margens dos rios Volga e Don após Adolf Hitler dividir as forças que avançavam para o sul da União Soviética, com objetivo de chegar às reservas de petróleo do Cáucaso - o que garantiria recursos vitais para a manutenção da guerra total nazista. Stalingrado não era uma parada obrigatória na rota, mas o Führer acreditava que era possível vencer nas duas frentes simultaneamente.

Publicidade

Enquanto o Eixo movimentava as tropas em direção a Stalingrado, do lado soviético, Josef Stalin organizou uma linha de defesa na cidade que levava seu nome - hoje rebatizada de Volvogrado. Por volta de 17 de julho, quase um mês antes da chegada dos alemães, o líder soviético passou a concentrar unidades do Exército Vermelho no local, preparando a resistência.

O resultado do choque das duas potências foi um cenário caótico. Relatos do conflito apontam que os explosivos e bombas incendiárias alemãs destruíram quase todas as edificações da cidade, a maioria feita de madeira. Mesmo com numerosas baixas, Stalin se negou a retirar a população civil da cidade ou a recuar seus soldados. E quando os soldados alemães invadem e tomam quase toda Stalingrado, a batalha se transforma em uma espécie de guerrilha urbana, em que o controle de cada prédio e setor da cidade era disputado incessantemente.

“Os alemães chegaram a dominar de 80% a 90% do território e poderiam ter conseguido a vitória, não fosse cada detalhe de um conjunto de fatores que permitiu a resistência soviética”, explicou Segrillo.

A blitze nazista

A ofensiva alemã começou avassaladora. Em meados de setembro, os soldados do Eixo já tinham conquistado a maior parte da cidade, chegando a encurralar o Exército Vermelho em uma faixa de apenas 15 km de extensão por 5 km de largura ao longo do rio Volga.

Publicidade

Com a derrota batendo à porta, o líder comunismo determinou, por meio da ordem 227, o novo padrão de disciplina das tropas soviéticas, que seria implantado a ferro e fogo. A determinação de Stálin é para que cada soldado russo lute por cada centímetro de terra, e que qualquer recuo ou retirada só pode ser autorizado pelo Alto Comando do Exército Vermelho -sob pena de execução sumária.

“Não vamos mais tolerar que comandantes, comissários e oficiais políticos permitam que alarmistas decidam a situação no campo de batalha e convençam outros soldados a se retirarem, abrindo assim a frente para nossos inimigos”, determinou Stalin. “Alarmistas e covardes devem ser executados de imediato.”

O contra-ataque soviético

Manter a posição perante o avanço alemão só foi possível com um abastecimento contínuo das tropas e um esforço de guerra descomunal por parte dos soviéticos. De acordo com o historiador britânico Max Hastings, em seu livro Inferno: o mundo em guerra, Moscou produziu 24 mil veículos blindados apenas em 1942, contra 4.800 dos alemães. O número de aeronaves e de soldados empregados em combate também foi infinitamente superior.

Mas era preciso mais do que defender a posição para virar o jogo. Por volta da metade de novembro daquele ano, com a aproximação do inverno, o Exército Vermelho lança uma contraofensiva batizada como Operação Urano. Evitando o combate frontal com o 6º Exército Alemão, os soviéticos começam a atacar o flanco inimigo, onde estavam tropas mais despreparadas do que a linha-de-frente alemã. Antes do fim do mês, as forças do Eixo estavam completamente cercadas.

Publicidade

PUBLICIDADE

“A Operação Urano foi o ponto de virada dentro do ponto de virada. Foi a partir daí que os soviéticos começaram a caminhar lentamente e encaminhar uma contraofensiva. Depois de estarem na defensiva o tempo todo, eles começaram a cercar as tropas do Eixo”, conta Segrillo.

Guerra de egos e o fator inverno

Sem admitir a derrota mesmo com o cerco das tropas, Hitler proíbe a retirada ou rendição de seus soldados. Operações de reabastecimento das tropas por via aérea e de enviar reforços são frustrados, tornando a situação insustentável com a chegada do inverno. Os soldados alemães e aliados foram alvo das tropas soviéticas por mais de dois meses após serem totalmente isolados, antes da rendição final, em fevereiro de 1943.

Soldados nazistas capturados em Stalingrado. Foto: Itar-Tass Photo Agency via REUTERS - 20/12/1943

Um componente que acompanhou toda a campanha em Stalingrado ajuda a entender a resistência de ambos os lados à rendição - os egos de Stálin e Hitler.

Uma das razões para a divisão das tropas que iam para o Cáucaso na tentativa de garantir recursos necessários para a Alemanha foi a ideia de Hitler de conquistar “a cidade de Stálin”, uma conquista que certamente seria utilizada pela propaganda nazista. Do outro lado do tabuleiro, Stálin se negava a entregar sua própria cidade aos alemães, e tentava recuperar a confiança no Exército Vermelho, após as derrotas no início da fulminante de invasão alemã.

Publicidade

“A dimensão simbólica teve sua importância. Outro general poderia ter deixado aquela frente de batalha de lado para seguir o plano original (do lado alemão) ou reforçar a defesa em outro lugar, em outra circunstância. Mas esse talvez tenha sido um dos menores fatores (em comparação as dimensões materiais)”, pondera Segrillo, que reputa à entrega dos soldados soviéticos e o esforço de guerra montado por Moscou, com uma imensa quantidade de recursos utilizados para manter sua linha de defesa, como fatores decisivos.

Ao final de Stalingrado, 91 mil soldados do Eixo se renderam, além de um número estimado de 800 mil mortos. Com as forças nazistas extenuadas, começaria a lenta e custosa marcha do Exército Vermelho em direção a Berlim.

Em paralelo, Churchill e Roosevelt selariam com Stalin na Conferência de Teerã no final de 1943 o plano para atacar Hitler em duas frentes, que culminaria com a invasão da Normandia, em 6 de junho de 1944. No dia 16 de abril, os soviéticos iniciaram o ataque contra as posições defensivas da Alemanha em Seelow, nas proximidades de Berlim. Quando a cidade foi oficialmente invadida, no dia 25, a luta por Berlim foi travada rua por rua.

Com os soviéticos conquistando a capital alemã, Adolf Hitler passou os seus dias finais em seu abrigo subterrâneo, e cometeu suícidio em 30 de abril de 1945. Com a morte de Hitler, o poder da Alemanha foi assumido por Karl Dönitz, que tratou de aceitar os termos da rendição incondicional no dia 2 de maio de 1945. A capitulação definitiva foi assinada, porém, em 8 de maio de 1945 em Berlim, data em que até hoje a europa comemora o Dia da Vitória.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.