80 anos de Stalingrado:‘Frente oriental da guerra fez Hitler sangrar’; leia a entrevista

Alemanha nazista atacou a União Soviética de olho no petróleo do Cáucaso e acabou em batalha que mudou rumo da guerra

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Foto do author Renato Vasconcelos
Atualização:

A resistência soviética à invasão nazista em Stalingrado foi o ponto de virada na frente Oriental da 2ª Guerra, que foi responsável pelo maior número de baixas do Exército alemão em todo o confronto. De acordo com o professor de História Contemporânea da USP e especialista em Rússia, Angelo Segrillo, a frente oriental “é que fez Hitler sangrar”.

“No contexto geral da 2ª Guerra, Stalingrado marca o ponto de virada literalmente. A partir dela, os soviéticos começaram a empurrar os alemães para trás, e os fizeram passar da ofensiva para a defensiva”, explicou o professor. Que completou: “A frente oriental da guerra é que fez Hitler sangrar. Aproximadamente 80% das baixas alemãs aconteceram no embate com os soviéticos”.

Soldado soviético agita bandeira após vitória em Stalingrado  

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Em que contexto acontece a Batalha de Stalingrado? O que leva a Alemanha nazista a invadir a União Soviética e colocar Moscou na 2ª Guerra?

Hitler conquistou a França rapidamente, mas não conseguiu ter o mesmo sucesso na Inglaterra, apesar de todos os bombardeios. Ele percebeu que a guerra iria durar muito mais tempo que o esperado e que precisava de recursos como petróleo, que a Alemanha não tinha. É aí que ele decide dividir a guerra em duas frentes, uma ocidental e uma oriental, indo contra a opinião de alguns de seus generais.

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Berlim rompe com o pacto de não-agressão Ribbentrop-Molotov, que deixou a União Soviética fora da guerra por dois anos, com a intenção de obter esses recursos para sustentar uma guerra de longo prazo, e no início até parecia que o plano seria bem sucedido: as tropas do Eixo caminharam muito rápido em território soviético, em mais uma guerra relâmpago.

Mas, com uma visão retrospectiva, podemos dizer que Hitler errou quando dividiu o Exército na frente ocidental. No momento em que ele avançava rapidamente, os generais queriam que ele continuasse em direção a Moscou, mas ele achou que não deveria fazer isso, até em observação a uma experiência histórica: Quando Napoleão invadiu o Império Russo e foi até Moscou, os russos colocaram fogo na cidade e recuaram, e ele precisou colocar o rabo entre as pernas.

Então, em vez de tomar a capital, ele envia tropas em três direções. Uma para o Norte, em direção a Leningrado - o que também se mostrou um erro - e para o sul, em direção ao que hoje é a Ucrânia, que já era uma região industrial e rica em petróleo e minérios. A estratégia até fazia sentido, mas isso atrasou a ida até Moscou, o que acrescentou outro fator de dificuldade: a chegada do inverno.

Com as forças divididas, o inverno dificultando o movimento das tropas, e os russos ganhando tempo para se rearmar, Hitler não consegue tomar Moscou. É nesse contexto que acontece a Batalha de Stalingrado.

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O professor de história contemporânea da USP e especialista em Rússia. Foto: Francisco Emolo/ Jornal da USP

Por que Stalingrado virou um alvo da ofensiva alemã?

Stalingrado era uma cidade estratégica, às margens dos rios Volga e Don, que realmente daria aos nazistas uma posição importante. No entanto, ela não era o foco principal das divisões alemães que seguiam para o sul.

O plano inicial de Hitler era alcançar as reservas de petróleo do Cáucaso, principalmente em Baku (no atual Azerbaijão), que produzia cerca de 60% do petróleo soviético na época. Ele poderia ter escolhido um caminho sem passar por Stalingrado, mas, em algum momento, ele acreditou que poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, e decidiu dividir as forças novamente - o que se mostrou um erro.

Há também um componente de ego. Como havia acumulado vitórias no começo da guerra, principalmente com a rápida tomada da França, Hitler se achou um grande general. Com os problemas na ofensiva em Moscou, ele assumiu pessoalmente o controle do Exército alemão - e nesse contexto entra uma certa questão de orgulho no caso de Stalingrado.

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Conquistar a cidade que levava o nome de Stalin seria um grande golpe de propaganda nazista. Ao mesmo tempo, Stalin não admitiria perder aquele território, impondo uma resistência implacável. Isso deu uma dimensão simbólica aquela batalha.

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Como se desenrolou a Batalha de Stalingrado e de que maneira os soviéticos conseguiram resistir? O que aconteceu para que ela tivesse a dimensão que acabou tendo?

Em um primeiro momento, os alemães levaram vantagem em Stalingrado. Eles chegaram a dominar de 80% a 90% do território e poderiam ter conseguido a vitória, não fosse cada detalhe de um conjunto de fatores. A dimensão simbólica, como já mencionei, teve sua importância - outro general poderia ter deixado aquela frente de batalha de lado para seguir o plano original ou reforçar a defesa em outro lugar - mas esse talvez tenha sido um dos menores fatores.

Em primeiro lugar, temos que considerar que os soviéticos estavam lutando para defender a própria pátria. É algo similar ao que se passa hoje na Ucrânia e ao que vimos na guerra do Vietnã: muitas vezes uma força inferior numericamente pode defender o avanço de um invasor mais poderoso. Mas só vontade não basta.

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Por causa do pacto Ribbentrop-Molotov, a União Soviética teve dois anos a mais para se amar. A modernização dos equipamentos e das tropas veio à lá Stalin, com mão pesada e muita repressão, inclusive com a morte de generais que ele considerava que ameaçavam seu governo. O inverno também atrasou os alemães e permitiu que mesmo com o país sob invasão, indústrias civis passassem a produzir equipamento militar, em um grande esforço de guerra.

Para além disso, é preciso considerar que a União Soviética, assim como a Rússia atual, era um país riquíssimo em recursos naturais: diamante, ouro, petróleo, gás, madeira, papel... Isso faz uma diferença monumental, porque permite o país se fechar e sobreviver só com seus recursos. As reservas concentradas na Sibéria eram inalcançáveis aos ataques frontais alemães - e esses recursos foram poupados, mesmo às custas de morte de soldados, para não serem gastos de uma vez, esperando pelo momento de maior cansaço das tropas do Eixo.

Por fim, existem outros detalhes “à lá Stalin” que contribuíram para a vitória. Um dos mais famosos é a ordem 227, assinada após o ataque alemão a Stalingrado, que proibia qualquer soviético a recuar no campo de batalha sem autorização - sob pena de ser fuzilado sem julgamento. Atiradores eram mantidos na retaguarda com ordem para atirar em qualquer pessoa que tentasse fugir - o que, segundo alguns soldados, passou uma segurança de que os compatriotas se manteriam na luta até as últimas consequências. Stalin também se recusou a retirar os civis de Stalingrado - o que, de um certo ponto de vista, é até um crime de guerra.

Qual a importância da Batalha de Stalingrado para a resistência soviética e para as forças aliadas como um todo?

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Independentemente da União Soviética, a Batalha de Stalingrado entraria nos livros de História porque ela foi não apenas a batalha mais mortal da 2ª Guerra, mas a batalha mais mortal da história. Os números são imprecisos, mas calculam-se cerca de 2 milhões de pessoas entre mortos e feridos.

No contexto geral da 2ª Guerra, Stalingrado marca o ponto de virada literalmente. A partir dela, os soviéticos começaram a empurrar os alemães para trás, e os fizeram passar da ofensiva para a defensiva - mesmo que muitas outras batalhas importantes tenham vindo a acontecer depois, ainda dentro de território soviético.

A frente oriental da guerra é que fez Hitler sangrar. Aproximadamente 80% das baixas alemãs aconteceram no embate com os soviéticos.

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