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Como a China intimida as Filipinas e ameaça um confronto naval no Pacífico que preocupa os EUA

Conforme pressiona para dominar o Mar do Sul da China, Pequim está cada vez mais disposta a usar a força para expulsar as Filipinas, um aliado que tem um tratado com os Estados Unidos.

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Por Camille Elemia (The New York Times), Agnes Chang (The New York Times) e Muyi Xiao (The New York Times)

Os navios da guarda costeira da China cercaram e colidiram com barcos filipinos. Eles encharcaram embarcações filipinas com poderosos canhões d’água. Membros da tripulação chinesa cortaram embarcações infláveis, soaram sirenes e dispararam lasers de alta potência contra tropas filipinas.

Conforme a China pressiona para dominar o Mar do Sul da China, ela está cada vez mais disposta a usar a força para expulsar as Filipinas, um aliado que tem um tratado com os Estados Unidos. Nos meses mais recentes, as táticas da China danificaram barcos filipinos e feriram seu pessoal, e aumentaram os temores de um confronto de superpotências nessa hidrovia estratégica.

Um novo ponto de atrito

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Por meses, o alvo mais recente do jogo de poder da China foi um navio da guarda costeira filipina, o Teresa Magbanua. Um vídeo feito pela tripulação daquele navio mostra quando um navio da guarda costeira chinesa colidiu com ele no final do mês passado.

O episódio foi um dos quatro confrontos entre os navios dos dois países em apenas duas semanas. Os encontros não estavam apenas se tornando mais frequentes, mas também estavam ocorrendo em um novo local — no atol Sabina Shoal, rico em recursos e perto do território filipino.

Um vídeo feito pela tripulação do Teresa Magbanua mostra quando um navio da guarda costeira chinesa colidiu com ele no final do mês passado. Foto: Philippine Coast Guard via AP

Os dois países estavam se enfrentando nos meses anteriores perto de outro atol nas disputadas Ilhas Spratly, o Second Thomas Shoal, onde navios chineses assediavam regularmente barcos filipinos que tentavam reabastecer marinheiros estacionados em um navio de guerra encalhado. Agora, sua rivalidade se expandiu.

As Filipinas querem controlar Sabina Shoal, um atol desocupado dentro de sua zona econômica exclusiva. Sabina Shoal, que fica a apenas 140 quilômetros a oeste da província filipina de Palawan e a mais de 950 quilômetros da China, fica perto de uma área rica em depósitos de petróleo e em rotas que Manila considera cruciais para o comércio e a segurança.

“Uma China hostil seria capaz de estrangular nosso comércio marítimo com o resto da Ásia e a maior parte do mundo a partir de Sabina Shoal”, disse Jay Batongbacal, especialista em segurança marítima da Universidade das Filipinas. Sabina Shoal seria “um bom ponto de partida para embarcações destinadas a interferir nas atividades marítimas filipinas”, disse ele.

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Manila ancorou o Teresa Magbanua, um de seus maiores navios da guarda costeira, no Sabina Shoal em abril para tentar impedir a China de fazer o que as Filipinas veem como esforços para tentar construir uma ilha lá.

A Guarda Costeira das Filipinas apontou para pilhas de corais esmagados e mortos aparentemente despejados no banco de areia como sinais de ocupação da terra pelos chineses em andamento. A China negou a acusação. Mas a construção e fortificação de ilhas artificiais é uma parte fundamental de como a China fez valer suas reivindicações em águas contestadas a centenas de quilômetros de sua costa.

A China, que reivindica quase todo o Mar do Sul da China, diz que suas táticas são necessárias para defender sua soberania. Pequim rejeitou uma decisão de um tribunal internacional em 2016 estabelecendo que a reivindicação abrangente da China sobre essas águas não tinha respaldo jurídico.

A China acusou as Filipinas de tentar ocupar permanentemente Sabina Shoal estacionando o navio da guarda costeira ali, assim como havia encalhado o navio de guerra em Second Thomas Shoal. Pequim até enviou rebocadores para Sabina Shoal, o que alguns interpretaram como uma ameaça de rebocar o navio filipino.

A China não recorreu às armas. Em vez disso, está usando o que os teóricos militares chamam de táticas de zona cinzenta, jogadas agressivas que não chegam a incitar uma guerra total. Isso inclui impor bloqueios, disparar canhões de água e navegar a uma proximidade perigosa.

Mas essas jogadas ainda podem causar estrago: a recente colisão entre barcos chineses e filipinos, por exemplo, deixou um buraco de um metro no Teresa Magbanua, bem como em outro navio filipino.

“Se as Filipinas insistirem em ocupar mais bancos de areia, a China não terá escolha a não ser usar todas as medidas disponíveis”, disse Hu Bo, diretor da Iniciativa de Análise da Situação Estratégica no Mar do Sul da China, um grupo de pesquisa sediado em Pequim. “Não há limite.”

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Navio da guarda costeira filipina Teresa Magbanua se prepara para atracar em Puerto Princesa, província de Palawan, Filipinas, no domingo, 15. Foto: Guarda Costeira das Filipinas via AP

No domingo, após meses de pressão da China, as Filipinas disseram que o Teresa Magbanua havia retornado ao porto em Palawan. A declaração filipina buscou apresentar essa viagem como posterior à realização da missão do barco.

Mas foi algo indicativo dos desafios de permanecer ancorado diante de um bloqueio chinês que impediu o navio de ser reabastecido, dizendo que a tripulação estava “sobrevivendo com provisões diárias reduzidas” e que alguns precisavam de cuidados médicos.

As Filipinas disseram que o navio sofreu danos estruturais ao ser abalroado pela guarda costeira chinesa, mas indicaram que o barco retornaria após passar por reparos.

Tensões em ascensão

O presidente Ferdinand R. Marcos Jr. das Filipinas assumiu uma abordagem mais muscular contra a China do que seu antecessor. Ele reforçou a aliança do país com os EUA e convidou jornalistas para participar de missões de reabastecimento no mar para destacar as ações da China.

A China chamou os EUA de “o maior encrenqueiro a causar agitação no Mar do Sul da China”. Hu, o especialista em Pequim, disse que a China foi obrigada a usar táticas mais pesadas porque a diplomacia com o governo Marcos falhou.

Com ambos os lados firmando suas posições, eles estão se envolvendo em episódios mais frequentes e mais agressivos.

Em um confronto em junho, a guarda costeira da China usou machados, gás lacrimogêneo e facas para assediar as tropas filipinas em uma missão de reabastecimento do Second Thomas Shoal. Marinheiros chineses perfuraram barcos militares filipinos e apreenderam seus equipamentos, incluindo armas.

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Comandante do Comando Indo-Pacífico dos EUA, Almirante Samuel Paparo, à esquerda, e o chefe militar das Filipinas, General Romeo Brawner Jr.,após coletiva de imprensa no Conselho de Defesa Mútua-Conselho de Engajamento de Segurança em agosto. e agosto de 2024. Foto: AP Photo/Aaron Favila

Oito soldados filipinos ficaram feridos, incluindo um que perdeu um dedo. Os militares filipinos chamaram o episódio de a ação chinesa “mais agressiva” na história recente.

Esse caso em 17 de junho deixou claro que as tensões precisavam ser reduzidas. Os dois lados chegaram brevemente a um “acordo provisório” em relação ao Second Thomas Shoal, e as Filipinas puderam conduzir uma missão de reabastecimento no final de julho. Mas autoridades de ambos os países contestaram os detalhes do acordo, levantando questões quanto à sua duração.

“A estratégia geral da China é dominar o Mar do Sul da China. Não devemos esperar que esse recuo dure”, disse Rommel Ong, professor da Escola de Governo Ateneo em Manila e contra-almirante da reserva da Marinha das Filipinas. “Até alcançarem esse objetivo, suas ações coercitivas ganharão ou perderão intensidade dependendo da situação.”

Desde outubro, a guarda costeira chinesa tem usado canhões de água contra navios filipinos com mais regularidade do que provavelmente já fez em qualquer outro momento dessa longa disputa. Colisões também se tornaram mais comuns.

Nos meses mais recentes, a China, que ostenta a maior marinha do mundo em termos de número de embarcações, tem enviado mais barcos para essas águas disputadas do que antes. As Filipinas enviam em média alguns navios em suas missões de reabastecimento, que permaneceram praticamente inalteradas.

O especialista chinês Hu disse que a demonstração de força da China em números visa dissuadir as Filipinas sem recorrer à força letal. “Se a China enviar apenas um pequeno número de barcos para dissuadir as Filipinas, talvez eles tenham que usar armas”, disse ele.

As tensões aumentaram em um momento em que os militares da China e dos Estados Unidos mantêm contato limitado. Na terça feira passada, 10, o chefe do Comando Indo-Pacífico dos EUA realizou uma rara videoconferência com o gen. Wu Yanan, chefe do Comando do Teatro Sul do Exército de Libertação Popular, que supervisiona o Mar do Sul da China. Os Estados Unidos disseram que tais chamadas ajudam a “reduzir o risco de percepção equivocada ou erro de cálculo”.

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Durante a chamada, o almirante Samuel Paparo pediu à China que “reconsiderasse seu uso de táticas perigosas, coercitivas e potencialmente agravantes” no Mar do Sul da China. A China, em sua própria declaração a respeito da chamada, disse apenas que os dois lados tiveram uma troca de opiniões aprofundada.

Na quinta feira, porém, o tenente-general He Lei, ex-vice-presidente da Academia de Ciências Militares do Exército de Libertação Popular, apresentou uma declaração mais agressiva.

“Se os Estados Unidos insistirem em ser um conspirador que empurra outros para a linha de frente para confrontar a China, ou se não tiverem outra escolha a não ser nos desafiar por si mesmos”, ele disse a repórteres em um fórum de segurança em Pequim, “o povo chinês e o Exército de Libertação Popular nunca vacilarão”./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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