A Autoridade Palestina é capaz de governar Gaza realmente depois da guerra?

Considerada autoritária e corrupta, a AP ainda é a escolha de Washington para governar o enclave; mas muitos consideram que a entidade só será crível neste momento se incluir o Hamas

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Por Steven Erlanger

THE NEW YORK TIMES — Magrelo, de barba rala, Jihad Imtoor é o filho orgulhoso de um combatente morto na Primeira Intifada, ou insurreição, dos palestinos contra Israel. Seu pai era membro do Fatah, o partido político que controla a Autoridade Palestina (AP). Mas ele não aguenta mais o governo da AP sobre a Cisjordânia.

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Numa manhã recente, Imtoor, de 32 anos, comerciante dono de um pequeno negócio, estava diante de sua loja assistindo uma marcha em homenagem aos tantos palestinos presos nas penitenciárias de Israel, que o Hamas afirma estar tentando libertar como parte de um acordo por um cessar-fogo em Gaza.

“Eu não sou Hamas, mas espero que eles venham para cá”, afirmou ele. “A AP nos roubou demais, é sua hora de partir.”

Referindo-se ao monumento no centro de Ramallah, ele afirmou: “A AP trabalha bem para proteger os quatro leões na Praça Al-Manara, mas não consegue proteger seu povo de Israel.”

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O presidente Joe Biden e o secretário de Estado Antony Blinken afirmaram que, depois da guerra, Gaza deveria ser unificada com a Cisjordânia ocupada por Israel sob uma Autoridade Palestina “revitalizada”, que hoje controla grandes regiões da Cisjordânia em coordenação próxima, alguns dizem em colaboração, com Israel.

Secretário de Estado americano Antony Blinken em encontro com o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas na Cisjordânia. Foto: Jonathan Ernst/ AP

Atualmente poucas pessoas na Cisjordânia ou em Israel consideram a AP capaz de governar Gaza depois do conflito. A entidade é profundamente impopular mesmo nas regiões que governa na Cisjordânia, porque é vista como serva da longa ocupação israelense.

Seu apoio é tão tênue, de fato, que seria improvável a AP sobreviver sem a segurança que o Exército israelense lhe fornece.

Criada pelos Acordos de Oslo, em 1993, a Autoridade Palestina tinha o objetivo de servir como um organismo administrativo temporário no caminho para um Estado palestino independente. A AP é dominada pelo partido Fatah, exclui o Hamas e foi administrada ao longo de grande parte desse tempo, e é até hoje, pelo presidente Mahmoud Abbas, também conhecido como Abu Mazen, de 88 anos.

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Abbas garantiu que não houvesse eleições nacionais desde que o Fatah perdeu para o Hamas nas eleições legislativas realizadas em 2006. No ano anterior, Abbas tinha sido eleito presidente para um mandato previsto para durar quatro anos.

Na visão de muitas das pessoas que deveria representar, a AP se transformou numa entidade administrativa autoritária, corrupta e não democrática, sentada em um trono de ferro construído por Israel.

Restaurar a credibilidade da AP, afirmam palestinos e especialistas, requereria uma ampliação de sua base para incluir o Hamas e outros grupos palestinos, eleições para formar uma nova liderança e a insistência na reunificação entre Cisjordânia e Gaza sob algum tipo de paradigma de dois Estados com Israel.

Mas os ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro arruinaram quase completamente a confiança dos israelenses na governança palestina, e se eleições fossem realizadas hoje, sugerem especialistas e pesquisas, o Hamas provavelmente venceria outra vez.

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Ao ser questionada sobre considerar a AP capaz de governar Gaza, a dona de casa Asala Khdour, de 30 anos, de Ramallah, foi inequívoca: “Absolutamente não”, afirmou ela. “A AP está sentada”, disse, com muitos anos sem eleições. “Os que trabalham pelo povo deveriam estar no poder para cuidar do povo”, acrescentou ela, referindo-se ao Hamas.

O sucesso do Hamas em realizar um grande ataque contra Israel humilhou Abbas, que, ao mesmo tempo, tenta juntamente com os israelenses manter a paz na Cisjordânia, por mais difícil e impopular que isso possa ser.

A Cisjordânia é recortada por assentamentos coloniais e postos de controle israelenses que dividem o território e transformam qualquer viagem dos palestinos em uma pista de obstáculos repleta de atalhos e rotas interditadas. Há cada vez mais violência de colonos israelenses contra palestinos e agora ataques constantes dos militares de Israel ocorrem contra, segundo os israelenses, membros e combatentes do Hamas, principalmente em Nablus e Jenin.

Soldados israelenses abordam colonos judeus que invadiram vila palestina na Cisjordânia em meio à escalada da tensão. Foto: JAAFAR ASHTIYEH / AFP

Mesmo entre a florescente classe média que cresceu em relativa estabilidade na Cisjordânia há pouco respeito pela AP. Com problemas financeiros e orçamento reduzido, a entidade cortou os salários de seus funcionários em 30%, reconheceu Sabri Saidam, que é membro influente do Comitê Central do Fatah.

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“Como eles podem governar Gaza?”, perguntou Iyad Masrouji, diretor-executivo da Jerusalem Pharmaceuticals, que opera na Cisjordânia e em Gaza. “Os americanos falam com a retórica de 30 anos atrás”, afirmou ele. “Mas nós vivemos numa realidade diferente. Se tivéssemos eleições justas, o Hamas venceria; ainda mais agora.”

As pessoas percebem a liderança palestina “negociando por anos sua própria sobrevivência política, não aspirações nacionais”, afirmou o cientista político palestino Zakaria al-Qaq. “E não conseguiram.”

Ainda que o Fatah tenha se comprometido com o reconhecimento de Israel, uma solução de dois Estados soa como fantasia para muitos, prejudicada pelos assentamentos israelenses na Cisjordânia e pelo governo de direita em Israel.

O fracasso em alcançar uma paz negociada tornou a outra alternativa óbvia — de uma resistência armada dos palestinos contra a ocupação israelense — mais aceitável e popular.

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Apesar da brutalidade do ataque do Hamas em 7 de outubro, quando, segundo Israel, o grupo matou cerca de 1,2 mil pessoas e sequestrou outras 240, os palestinos na Cisjordânia em geral elogiaram o grupo por perfurar o domínio israelense e levar a questão palestina de volta ao foco internacional.

“Do ponto de vista dos palestinos, aquilo pareceu um milagre”, afirmou Sari Nusseibeh, palestino moderado que foi presidente da Universidade Al Quds. “Essa fortaleza de Israel pareceu vulnerável subitamente.” Nusseibeh disse que abomina a violência perpetrada pelo Hamas em 7 de outubro, mas é explícito a respeito de seu impacto.

“Quem é a liderança palestina agora? É o Hamas, gostem ou não”, afirmou Nusseibeh. “Neste momento o Hamas é visto pelos palestinos como o principal representante dos interesses palestinos.” E por quê? “Porque ninguém mais os representa. A Autoridade Palestina não figura na mente das pessoas”, afirmou ele.

Membro do Hamas em meio aos confrontos com o Fatah na Faixa de Gaza, em 2007. Foto: SUHAIB SALEM / REUTERS

Mas o que tem mantido a Autoridade Palestina viva ao longo de anos de negligência internacional e dominação israelense é justamente a falta de alternativas.

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“A AP está pendurada na boa vida há bastante tempo já”, afirmou a advogada Diana Buttu, que foi conselheira jurídica da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) mas tornou-se crítica. “Ninguém na comunidade internacional quer assinar sua sentença de morte porque isso significaria o fim do processo de paz, da solução de dois Estados e desse organismo bem conveniente que eles podem culpar e encher de dinheiro.”

Biden não fez quase nada por Abbas ou pela AP, afirmou ela. “E agora, aqui estamos nós, e de repente a AP é a esperança deles. Isso dá um nó na cabeça, é um pensamento dos anos 90 que não pode mais ser ressuscitado.”

Para os israelenses, a AP se provou uma ferramenta útil para sufocar o descontentamento popular motivado pela guerra em Gaza.

Mas as tensões estão aumentando, afirmaram autoridades de segurança israelenses, falando sob condição de anonimato imposta pelas regras militares, e a AP está perdendo controle de partes do norte da Cisjordânia, especialmente da região de Jenin, onde forças israelenses têm tentado retomar o controle.

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A Autoridade Palestina está incapaz de agir, querendo posicionar-se publicamente com a resistência palestina contra Israel, afirmaram autoridades de segurança israelenses. Mas em campo as forças de segurança palestinas realizaram várias prisões.

As tensões também estão altas porque algumas centenas dos 500 mil colonos israelenses na Cisjordânia estão usando a guerra em Gaza como justificativa para atacar palestinos, afirmaram as autoridades, e a violência está aumentando.

Desde 7 de outubro, as forças israelenses mataram 201 palestinos, incluindo 52 crianças, e colonos israelenses mataram outros 8, incluindo uma criança, de acordo com as Nações Unidas. Quatro israelenses foram mortos em ataques de palestinos, e Israel afirma que prendeu 1.850 palestinos, 1.100 deles afiliados ao Hamas.

Militante palestino anda armado durante confronto com as forças israelenses em Jenin, na Cisjordânia.  Foto: AP / Majdi Mohammed

Autoridades da AP afirmam que, apesar da pressão popular para confrontar Israel, estão agindo para proteger seu povo. Hussein al-Sheikh, secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina e conselheiro próximo de Abbas, afirmou em entrevista que, ao contrário da “reação extrema” de Israel em Gaza, “no lado da AP a decisão foi manter a calma, a segurança e a estabilidade, assim como a paz”.

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O proeminente especialista em pesquisas palestino Khalil Shikaki afirmou que, em sua pesquisa mais recente, ainda não publicada, 66% dos palestinos na Cisjordânia consideraram a AP um fardo. Cerca de 85% querem que Abbas renuncie — e isso significa que “mais de 60% de seus próprios correligionários” no Fatah querem que ele deixe a função, afirmou Shikaki.

Em seu estado atual a AP seria capaz de assumir Gaza? “É claro que não”, afirmou ele. “Governança é estabelecer lei e ordem e fazer vigorar regras, e a AP não é capaz disso.”

A única solução, afirmam muitos palestinos, é encontrar uma maneira de trazer o Hamas para dentro da Organização para a Libertação da Palestina e da Autoridade Palestina, ambas controladas por Abbas e pelo Fatah.

Uma OLP mais representativa poderia organizar novas eleições para uma Autoridade Palestina mais representativa, que teria muito mais credibilidade tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, segundo esse pensamento. Mas isso também requereria que o Hamas enfraquecido concorde em aceitar a existência de Israel e se comprometa a negociar um Estado palestino contíguo ao país.

“Neste momento, o povo palestino não tem nenhuma esperança, mas um processo de paz verdadeiro poderia produzir esperança, e o Hamas poderia ser parte disso”, afirmou Qadura Fares, ex-ministro da AP. “Na OLP, nós precisamos de todas as facções palestinas juntas.”

Trazer o Hamas para dentro de uma nova Autoridade Palestina pode ser também uma maneira de lidar elegantemente com o grupo rejeitado por Israel e pelo Ocidente.

“Eles não podem acabar com o Hamas — ninguém consegue acabar com algo que está no coração das pessoas”, afirmou Munir Zughir; um de seus filhos é um prisioneiro proeminente do Hamas e outro evita ser preso por envolvimento com o grupo. “O mundo não lidará diretamente com o Hamas, mas o fará por meio da AP.”

Palestinos observam aproximação de soldados israelenses em bairro na Cisjordânia.  Foto: Samar Hazboun/The New York Times

Mas quem poderá suceder Abbas? Alguns colocaram no foco Marwan Barghouti, de 64 anos, que cumpre cinco penas de prisão perpétua em uma penitenciária de Israel por assassinatos cometidos durante as duas intifadas, que ele liderou, mas poderia integrar uma troca maior de prisioneiros para ajudar a pôr fim na guerra.

As pesquisas mais recentes do Barômetro Árabe, que estuda opinião no Oriente Médio e Norte da África, mostram Barghouti consideravelmente mais popular em Gaza do que Ismail Haniyeh, ex-líder do Hamas no enclave, ou Abbas.

Outra alternativa, apesar de continuar uma figura polarizadora, poderia ser Mohammed Dahlan, ex-líder do Fatah em Gaza deposto pelo Hamas em 2007 e desde então enjeitado por Abbas. Dahlan, de 62 anos, vive atualmente nos Emirados Árabes Unidos.

O mais importante é haver um novo comprometimento dos EUA para oferecer aos palestinos um prospecto realista de um Estado independente, afirmou Saidam, a autoridade do Fatah.

“A marginalização dos palestinos pelos EUA, os cortes de recursos e os sucessivos governo de direita em Israel levaram a esta situação desesperadoramente perigosa”, afirmou Saidam. “O governo americano agirá com seriedade desta vez?”

“Qualquer solução política que traga à existência um Estado palestino será um elemento apaziguador”, afirmou ele. “Mas voltarmos a ‘um processo’, negociações vazias, falta de seriedade e mais uma rodada de ensaios fotográficos propagandísticos não nos levará a lugar nenhum.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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