BOGOTÁ - No mês passado, um grupo armado criminoso fechou grande parte do terço norte da Colômbia – em grande parte sem contestação. “Decretamos quatro dias de ataque armado a partir deste momento”, dizia o panfleto de 5 de maio ordenando que a população ficasse dentro de casa, as lojas fechassem e as estradas ficassem vazias. O Clã do Golfo, um grupo de narcotraficantes de estilo paramilitar, iniciou o ataque contra o governo colombiano em retaliação à captura e extradição de seu líder, Dairo Antonio Úsuga, conhecido como Otoniel, para os Estados Unidos. “Não somos responsáveis pelo que acontecer com aqueles que desobedecerem”, alertou o grupo ameaçadoramente.
Para enfatizar seu objetivo, os membros do Clã do Golfo marcaram paredes nos centros urbanos com suas iniciais, queimaram carros e ônibus para bloquear estradas, estabeleceram postos de controle ilegais e patrulharam áreas rurais de motocicleta. Com pouca polícia estadual ou presença militar para proteger o campo, colombianos em 11 dos 32 departamentos do país (semelhantes aos estados dos EUA) obedeceram às ordens do grupo ilegal e uma calma fantasmagórica ocorreu.
Após quatro dias, pelo menos oito pessoas morreram, quase 200 veículos foram queimados e muitos dos três milhões de pessoas afetadas ficaram sem alimentos e outros suprimentos básicos. O Clã do Golfo também parece estar afetando a eleição presidencial. O grupo fez ameaças diretas por escrito aos partidários do candidato de esquerda Gustavo Petro, e nas áreas rurais onde a memória do ataque perdurava, líderes comunitários disseram que o medo suprimiu parte do comparecimento às urnas.
Mas talvez porque os riscos sejam tão altos, os eleitores de todo o país foram às urnas em altos níveis. Petro garantiu a vitória com pouco mais de 50,4% do total de votos.
Mas assim como Hernández, Petro não articulou um plano claro para conter os níveis crescentes de conflito e violência armada no campo, como as ações do Clã do Golfo. Como observado em níveis mais altos de deslocamentos, assassinatos de líderes sociais e comunitários e recrutamento de crianças, a segurança está se deteriorando rapidamente.
Além da violência criminosa organizada do Clã do Golfo, cerca de uma dúzia de outros grupos armados rondam as áreas mais vulneráveis do país, buscando controlar territórios que fornecem rotas lucrativas para o tráfico de drogas. O próximo presidente da Colômbia deve se afastar da abordagem atual do Estado de priorizar de forma restrita capturas e extradições como a que desencadeou o ataque armado – essa estratégia não consegue desmantelar grupos criminosos, mas traz consequências profundas para os civis.
Em vez disso, o novo presidente deve se concentrar em uma política que capacite as forças de segurança da Colômbia para proteger os civis dos grupos armados que exercem autoridade de fato em partes substanciais do país. Isso, aliado a programas sociais e investimentos no campo, pode começar a virar definitivamente a maré para a paz.
A assinatura de um acordo de paz em 2016 entre o Estado e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc, reduziu bastante a violência rural em todo o país. Mas regiões como Montes de María, onde grupos armados estão assumindo o controle de partes do vasto interior do país, incluindo grandes áreas que as Farc costumavam controlar, oferecem uma amostra da realidade que o candidato vencedor enfrentará.
Quando visitei Montes de María em março, ficou claro que esta região agrícola rica em recursos estava em crise. O Clã do Golfo expandiu agressivamente sua presença desde o acordo de paz, reivindicando rotas de tráfico lucrativas e impondo taxas de proteção à população. Esse grupo armado – como quase todos os que operam hoje no país – evita confrontos com os militares. Seu objetivo não é assumir o controle de Bogotá, mas sim sugar os aluguéis da terra e de seu povo.
Isso não deveria acontecer. O acordo de paz de 2016 com as Farc pôs fim às desigualdades que deram poder a guerrilheiros e traficantes de drogas. Prometeu ajudar os agricultores pobres que cultivam coca – a matéria-prima da cocaína – a deixar para trás um meio de vida que os expôs à violência. Quase 100.000 famílias se inscreveram e voluntariamente arrancaram suas plantações de coca.
No entanto, o governo conservador que está de saída, liderado pelo presidente Iván Duque, assumiu o cargo em 2018 alegando que o acordo de paz era muito brando com as Farc e se concentrou em cumprir partes do acordo que atendem a seus interesses políticos – como desmobilizar as ex-Farc e gastos com infraestrutura – deixando outros, como abordar a desigualdade de terras e apoiar a substituição da plantação de coca, definhar.
Ao mesmo tempo, dezenas de grupos armados como o Clã do Golfo mostraram-se ágeis, tenazes e economicamente aptos a aproveitar as oportunidades oferecidas pela retirada das Farc.
Em todo o campo, homens armados estão recrutando crianças à força para suas fileiras, arrancando-as de suas casas e escolas. Outros jovens se inscrevem voluntariamente porque, na falta de educação ou emprego, a luta é o único emprego oferecido. “A única empresa cujas portas estão sempre abertas” é como o Clã do Golfo se descreve no sul de Córdoba.
A elite política dominante erroneamente vê essas ameaças como desconectadas do desespero social e econômico experimentado por muitos colombianos. É mais fácil culpar outros inimigos pelos distúrbios, seja a Venezuela, guerrilheiros de esquerda ou rivais políticos. E, de fato, em vez de corrigir as queixas, a resposta padrão do governo foi mobilizar os militares.
Os soldados enviados para acabar com a instabilidade sabem que a abordagem não está funcionando. “Aqui não há solução militar”, disse-me um comandante de brigada militar em uma das áreas de conflito mais ferozes da Colômbia, sugerindo que o que era necessário era investimento social. Por enquanto, muitas das forças do governo estão vinculadas à erradicação forçada da coca, arrancando as plantações que são replantadas em taxas estimadas entre 50% e 67%. A política militar de matar e capturar membros de grupos armados apenas resulta em novos recrutas para imediatamente ocuparem seus lugares.
Simplificando, a estratégia falha do governo colombiano no campo é parcialmente culpada pelo ressurgimento da violência. Os candidatos presidenciais têm a oportunidade de mudar esse rumo.
De forma encorajadora, Petro disse que iria implementar o acordo de paz de 2016, muitas partes que o atual governo tem negligenciado. No entanto, não apresentou um plano claro sobre como administrar a deterioração da situação de segurança para os civis. Petro, ele próprio um ex-rebelde, prometeu iniciar um diálogo com grupos armados e implementar a desmobilização de grupos do crime organizado como o Clã do Golfo. Hernández sugeriu acrescentar o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional, ou ELN, ao acordo existente com as Farc.
Embora existam alguns elementos de solução aqui, a melhor maneira de evitar o conflito é proteger os colombianos que vivem no centro do conflito, com melhor policiamento, oportunidades econômicas e razões concretas para confiar no governo.
O tipo certo de pressão de Washington pode ajudar. A recente declaração do governo Biden enfatizando o acordo de paz é importante, mas prejudicada por suas ações. Os dólares americanos são gastos desproporcionalmente em abordagens de força, como a erradicação forçada da coca, que pouco fazem para resolver o problema e exacerbam a desconfiança em relação ao governo.
O pressentimento que ainda assombra as ruas do norte do país está se espalhando muito rápido e longe demais por toda a Colômbia para ser ignorado. Os candidatos e eleitores urbanos ignoram esses desafios por sua conta e risco. As grandes apostas das eleições se estendem ao futuro de um conflito que deveria ter acabado, mas está começando de novo. Tendo terminado a guerra aqui uma vez, a Colômbia não deveria permitir que ela entrasse em erupção novamente. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
*Dickinson é analista sênior de Bogotá para a Colômbia no International Crisis Group
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