‘A eleição de 2024 será uma batalha entre o normal e o estranho nos EUA’, diz democrata da Geórgia

O democrata Charlie Bailey prevê uma eleição acirrada na Geórgia e acredita que mudanças demográficas podem fazer a diferença

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel Gateno
Foto: Charlie Bailey/Reprodução
Entrevista comCharles BaileyDemocrata e ex-candidato a vice-governador da Geórgia em 2022

ENVIADO ESPECIAL A ATLANTA, GEÓRGIA-Esta eleição é uma batalha entre o que é normal e o que é estranho, avalia Charlie Bailey, advogado e político do Partido Democrata.

Criado no oeste da Geórgia, um dos Estados americanos que serão decisivos na eleição presidencial, Bailey já disputou o pleito para procurador-geral do Estado em 2018 e também para Lieutenant Governor (Vice-governador) da Geórgia em 2022, perdendo por uma margem estreita para o candidato republicano.

Ele participou da campanha que elegeu o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, no Estado em 2020 por uma diferença de menos de 12 mil votos, a primeira vitória democrata em uma eleição presidencial na Geórgia desde Bill Clinton, em 1992.

A candidata presidencial democrata Kamala Harris participa de um comício ao lado de seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz, em Eau Claire, Winsconsin  Foto: Kerem Yücel/AP

O democrata destaca que as mudanças demográficas do Estado, onde a população afro-americana chega a 30% da população total, fizeram a diferença. “Se pensarmos apenas em demografia, é bem melhor ser um democrata na Geórgia do que um republicano, ganhamos nas últimas eleições com um movimento muito importante que refletiu a diversidade do nosso Estado, a comunidade afro-americana faz parte da base democrata há muitos anos e eles mostraram isso no último pleito”, avalia Bailey.

Publicidade

Confira trechos da entrevista:

Será que você poderia falar um pouco sobre como começou na política e quais são as suas conexões com o Partido Democrata?

Eu sou ativo na vida política há anos, desde a faculdade, quando participei de um grupo de jovens democratas. Trabalhei em campanhas de congressistas e também participei do comitê de campanha quando o ex-vice-governador da Geórgia Mark Taylor se candidatou em 2006, mas ele perdeu para Sonny Perdue.

Depois disso eu fui para a faculdade de direito, mas sempre me envolvi com política. Trabalhei com o governador Roy Barnes, o último democrata a ser governador da Geórgia. Depois eu me tornei promotor e o Partido Democrata me pediu para concorrer para o cargo de procurador-geral da Geórgia em 2018. Eu me candidatei, mas perdi para o candidato republicano, ele teve 51% enquanto eu fiquei com 49%.

Desde então eu trabalho em um escritório de advocacia. Em 2021 a minha ideia era concorrer novamente ao cargo de procurador-geral nas eleições de 2022, mas os líderes democratas me pediram para concorrer ao cargo de vice-governador [Lieutenant governor]. Eu ganhei as primárias do partido, mas nas eleições eu perdi para o candidato republicano Burt Jones.

Publicidade

Não estou concorrendo a nada neste momento, mas me preocupo muito com a Geórgia e acredito que o governo republicano que temos aqui não está fazendo o suficiente para melhorar a vida das pessoas e acredito que eu posso contribuir com alguma coisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em um evento de formatura de Morehouse College, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP

Você considera a Geórgia um Estado republicano ou um Estado-pêndulo?

A Geórgia é literalmente a definição de um Estado-pêndulo. Nós temos dois senadores que são do Partido Democrata, um governador que é republicano e Joe Biden ganhou aqui em 2020, foi a primeira vez que um candidato à presidência do Partido Democrata vence na Geórgia desde 1992.

Em 2020 nós conseguimos ganhar com um movimento muito importante que refletiu a diversidade do nosso Estado. A comunidade afro-americana faz parte da base democrata há muitos anos e eles mostraram isso nas últimas eleições presidenciais. Ganhamos muitos votos nos subúrbios, especialmente na área metropolitana de Atlanta, e estamos perdendo apoio em áreas mais republicanas, como as zonas rurais. Acredito que neste momento nós estamos sendo favorecidos pelas mudanças demográficas na Geórgia.

Política pode ser simples em vários sentidos. Quando temos um embate entre o governo de Biden e Kamala Harris contra Trump, o governo democrata fala a língua da classe trabalhadora, já aprovou diversos projetos relacionados a infraestrutura e reduziu os preços de medicamentos.

Publicidade

Se compararmos com Donald Trump, que em vários sentidos é um cara estranho, tem ideias que assustam. É uma escolha entre normal e muito estranho.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha ao lado da vice-presidente Kamala Harris em Washington, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

No futuro a Geórgia pode ser um Estado democrata?

Eu acredito que é possível que se transforme em um Estado democrata no futuro, mas sempre vai ser um Estado competitivo. Quando eu penso em um Estado realmente democrata, eu penso em Colorado. Ninguém acredita em uma vitória de Trump em Colorado, a vice-presidente Harris deve ganhar lá com uma grande margem, mas até 2008 Colorado era considerado um Estado pêndulo, ninguém considera isso mais. Agora é democrata.

Eu não sei se isso vai acontecer com a Geórgia, pode ser que sim. Mas se pensarmos apenas em demografia, é melhor ser um democrata na Geórgia do que republicano, eu tenho 100% de certeza sobre isso.

Mas mesmo que a demografia favoreça os democratas, não é possível assumir que os eleitores que supostamente sempre vão votar em nós sempre estarão aqui. Não posso assumir que a comunidade afro-americana vai simplesmente votar em Harris, é preciso fazer campanha, cuidar deste eleitorado.

Nós precisamos continuar avançando na ideia de um país que respeite os direitos das pessoas, mulheres precisam ter o direito de fazer o que quiserem com seus corpos e milionários não precisam de cortes em seus impostos. Nós precisamos expandir o Medicaid para todos os Estados, incluindo a Geórgia, onde milhares de pessoas não têm acesso a um sistema de saúde.

Precisamos melhorar a rotina das pessoas, porque no final o que importa é isso. A maioria das pessoas senta em sua mesa da cozinha no jantar e questiona se os seus filhos estão seguros, se as escolas são boas, se eles conseguem pagar uma conta de hospital e se seus filhos terão mais oportunidades que eles.

Estátua do ativista pelos direitos civis Martim Luther King na Morehouse College, em Atlanta, Estados Unidos  Foto: Daniel Gateno/Estadão

Muitos afro-americanos me disseram que se mudaram para Atlanta por conta das oportunidades que a cidade disponibiliza para minorias. Um republicano que eu conversei apontou que as pessoas se mudam para a Geórgia por conta das políticas dos republicanos, mas votam nos democratas. Qual é a sua avaliação?

Qualquer partido político tentaria tirar vantagem do crescimento econômico da Geórgia, não fico surpreso que eles tentem fazer o mesmo. Mas a verdade é que as empresas que a Geórgia recebeu nos últimos anos não se mudaram para o Estado por conta das políticas republicanas, mas apesar delas.

Quando os empresários querem colocar uma empresa em uma cidade específica, eles pensam em vários fatores: as escolas são boas? Como é o sistema de saúde? Qual é a qualidade de vida que os meus empregados terão aqui?

Na minha opinião, o fato de os republicanos não terem expandido o Medicaid, de terem cortado politicas educacionais, além de terem apoiado políticas mais restritivas relacionadas ao aborto mostra que eles não são pró-negócios. O crescimento do Estado ocorreu por conta das pessoas e apesar do governo republicano, não por causa dele.

Publicidade

Quais são os principais problemas do Estado?

O principal deles é saúde pública. Temos 400 mil pessoas que não têm plano de saúde no Estado. A Geórgia não expandiu o programa como muitos outros lugares fizeram por conta de uma decisão política dos republicanos porque eles não conseguem admitir que o presidente Obama teve uma boa ideia. Até Mike Pence, o ex-vice-presidente republicano, expandiu o Medicaid em Indiana.

Nosso sistema educacional tem problemas e nossa segurança não está onde deveria estar. Temos muitos problemas em relação a isso porque os republicanos não investiram tudo que deveriam. Precisamos revogar a proibição do aborto e restaurar as proteções de Roe vs Wade para que as mulheres na Geórgia possam tomar as suas próprias decisões com os seus médicos.

O Manuel´s Tavern, fundado em 1956, é o bar democrata em Atlanta, Geórgia  Foto: Daniel Gateno/Estadão

Você está confiante que os democratas podem vencer na Geórgia? Conversei com democratas que não estão confiantes em 2024 da mesma forma que estavam em 2020

Eu estou confiante de que podemos vencer. Claro que não tenho certeza de que vamos vencer, se você perguntar para uma pessoa e ela disser que tem certeza disso, ela não sabe do que está falando. A verdade é que pode ir para os dois lados.

Os democratas arrecadaram bastante dinheiro para a campanha. O top 3 Estados que eles vão gastar esse dinheiro todo mundo sabe: Pensilvânia, Wisconsin e Michigan, mas depois desses os outros 3 são Arizona, Nevada e a Geórgia. Então estamos no top 6. Sei que tem muitos Estados que têm prioridade, mas os democratas vão gastar mais dinheiro na Geórgia do que em 44 Estados americanos.

Publicidade

Muitos eleitores indecisos prestam pouca atenção na política, eles estão vivendo a vida, levando os filhos para escola, eles não são nerds da política. Estas pessoas vão pensar nas eleições muito mais tarde e os democratas vão tentar conversar com estas pessoas no momento certo.

Estou muito confiante de que o investimento dos democratas será muito maior em 2024 do que foi em 2020. A Geórgia não estava no radar como um Estado-pêndulo até um mês e meio antes das eleições, até que as pesquisas começaram a mostrar que isso era possível. Desta vez, o investimento virá mais cedo.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump chega ao Tribunal Criminal de Manhattan, em Nova York  Foto: Sarah Yenesel/AP

É claro que em 2020 os republicanos tinham certeza de que eles iriam ganhar e não aconteceu, então eles vão trabalhar para isso neste ano. Eles foram arrogantes, acharam que não poderiam perder porque não acontecia há anos, mas aconteceu.

Alguns democratas estão mais confiantes de uma vitória na Carolina do Norte, onde o partido não ganha desde 2008, do que na Geórgia

O que pode ajudar o governo na Carolina do Norte é a eleição para governador do Estado que vai acontecer lá no mesmo dia do pleito presidencial. O candidato republicano [Mark Robinson] é maluco e disse coisas muito preconceituosas, antissemitas e homofóbicas.

Publicidade

E aí voltamos para a mesma questão: normal vs anormal. Josh Stein, o candidato democrata, é o procurador-geral da Carolina do Norte e é uma pessoa normal. Mark Robinson é o oposto do normal. Então existe uma dinâmica na Carolina do Norte que pode ajudar os democratas.

A organização Fair Fight criada por Stacey Abrams fez um grande trabalho em 2020. Para 2024, esta estrutura diminuiu muito. Os democratas podem vencer mesmo assim?

Acredito que existem muitas organizações que podem fazer este trabalho na Geórgia que podem ter o protagonismo nesta questão, de estímulo do voto, de convencimento. Não estou preocupado com isso, não importa quem esteja fazendo, o que importa é que o trabalho seja feito.

Em todas as eleições, é importante que a gente consiga convencer o maior número possível de pessoas, mas também é importante conversar com a própria base, ver o que é importante para esta base.

Desde os anos 60 o Partido Democrata na Geórgia tem uma coalizão que se importa com os afro-americanos e nós vencemos todas as eleições desta mesma forma. O Partido Democrata não é monolítico, os republicanos são.

Publicidade

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com a ativista Stacey Abrams, em Atlanta, Geórgia  Foto: Alex Brandon/AP

Os republicanos focam mais nas áreas rurais e os democratas nas áreas urbanas do Estado?

Eu sou de uma área rural da Geórgia. Eu moro em Atlanta, mas eu venho de uma zona rural no oeste da Geórgia. Não é exatamente desta forma. Claro que os nossos melhores números saem das cidades e também dos subúrbios, mas quando você ganha um Estado por 11 mil votos como Biden venceu na Geórgia, você aceita todos os votos, independente de onde venham.

Então nós também lutamos pelo voto rural e se conseguirmos uma porcentagem maior em alguns condados, mesmo que a gente perca neste condado, já ajuda para a votação geral do Estado. Se os republicanos preferem focar em uma parte do Estado, eles podem fazer isso, mas nós não.

Qual é a sua avaliação do mandato de Joe Biden?

Acredito que o mandato de Biden foi um dos melhores mandatos de presidentes na América moderna. Ele realizou o maior investimento em água limpa e também para a redução de emissões e muitas pessoas disseram que não seria possível, que ele não conseguiria.

Biden conseguiu aprovar muitas reformas importantes e de forma bipartidária como a reforma da infraestrutura, o maior investimento neste setor desde quando Eisenhower construiu as rodovias interestaduais. Enquanto Trump só fala, Biden conseguiu realizar as coisas.

Publicidade

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento na Casa Branca ao lado da vice-presidente Kamala Harris  Foto: Leah Millis/REUTERS