O que Donald Trump fará a seguir? Uma década depois de se tornar o favorito do Partido Republicano, esta dúvida ainda é urgente. Numa era distraída, Trump tem uma genialidade incomparável para chamar a atenção. E para reimaginar o poder presidencial. Sua segunda posse ocorreu na Rotunda do Capitólio, o mesmo lugar no qual quatro anos antes seus apoiadores socaram o rosto de policiais. O poder que ele usou para perdoar, em 20 de janeiro, os desordeiros do Capitólio foi originalmente concebido para unir a nação: perdoar oponentes políticos, não apoiadores do presidente (nem membros da família do presidente de saída). Mas esse era o costume, não a lei, e com Trump no poder os costumes deixam de existir.
Os historiadores falam sobre o longo século 19 que terminou em 1914. O momento preciso em que o século 20 terminou é, nesse sentido, discutível. Mas agora acabou. Trump ainda está limitado por algumas das instituições mais antigas dos Estados Unidos, incluindo o federalismo e o Judiciário. Mas se livrou de muitas das instituições mais recentes. As reformas do governo americano adotadas após o Watergate não se aplicam mais. O consenso de que os EUA deveriam ser uma superpotência benigna, nascida das cinzas de 1945, também se foi. E Trump quer mais: quer ver seu país solto, livre de normas, do politicamente correto, da burocracia e, em alguns casos, até mesmo da lei. O que resta é algo tanto antigo quanto novo, uma ideologia da Era das Ferrovias misturada com a ambição de fincar a bandeira americana em Marte.
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A ideia de que a fronteira dos EUA deve estar sempre em expansão, inclusive tomando territórios de outros países, data do século 19. “Nós vamos tomar de volta”, rosnou Trump sobre o Canal do Panamá, em seu discurso de posse. Os EUA devem ser “uma nação em crescimento”, acrescentou ele, que “aumente nossa riqueza e expanda nosso território”. Embora isso possa refletir um entusiasmo passageiro, presidentes americanos não falam assim há um século. O único dos antecessores com que Trump gastou algum tempo em seu discurso foi aquele “grande presidente” William McKinley, cujo mandato começou em 1897. Trump não é leitor de biografias presidenciais. Ele não está prestes a fazer do padrão bimetálico o assunto do dia (embora tanto Trump quanto a primeira-dama tenham agora suas próprias moedas concorrentes). Mas a escolha foi reveladora.
McKinley era um imperialista, que adicionou Havaí, Guam, Filipinas e Porto Rico ao território americano. Ele também adorava tarifas, pelo menos no início. Antes de virar presidente, McKinley pressionou o Congresso pela aprovação de um projeto de lei para aumentá-las para 50%, um nível que excede até mesmo os planos (reconhecidamente nebulosos) de Trump. McKinley também foi apoiado pelos titãs comerciais da época: J.P. Morgan e John D. Rockefeller doaram cerca de US$ 8 milhões, em valores atualizados, para sua campanha.

A nova “era de ouro” que Trump prevê, portanto, se assemelha à Era Dourada — ao menos superficialmente. Trump quer estar tão desimpedido pelas normas do século 20 quanto McKinley. Mas a presidência americana do século 21 é muito mais poderosa. O Projeto 1897 combina-se com o Projeto 2025.
McKinley foi presidente quando o governo federal tinha 150 mil funcionários, muito menos do que o novo Departamento de Eficiência Governamental poderia sonhar. Em contraste, o Executivo de Trump emprega diretamente 4,3 milhões de pessoas, incluindo 1,3 milhão de homens e mulheres fardados. O presidente tem à sua disposição a força militar mais poderosa jamais reunida. Enquanto parcela do PIB, o governo federal gasta nove vezes mais do que gastava na década de 1890. Para travar duas guerras mundiais e acabar com a segregação racial no século 20, o Executivo americano acumulou cada vez mais poder. Escrevendo sobre isso na década de 1970, Arthur Schlesinger descreveu a presidência como “imperial”. O termo foi concebido como uma calúnia: os EUA da era moderna não praticam imperialismo. No entanto, têm agora um presidente imperial, que espiona inimigos para conquistas não apenas no exterior, mas também na política doméstica.
Trump pretende transformar o imenso poder da presidência dos EUA tanto internamente quanto externamente, para dominar o país como nenhum outro presidente fez desde a 2.ª Guerra. A política está ao seu favor. À medida que os EUA se partidarizaram mais, aprovar leis no Congresso ficou mais difícil. O novo presidente mostrou em seu primeiro mandato que, quando o Congresso está dividido uniformemente, a ameaça de impeachment não funciona mais como um freio prático.
Esse longo afastamento do Congresso em relação ao poder deixou o Judiciário e o Executivo no comando. Regras fundamentais sobre aborto, mudanças climáticas, ações afirmativas, financiamento de campanhas e liberdade de expressão foram definidas por presidentes ou magistrados. Foi a Suprema Corte que decidiu que os presidentes são imunes a processos por atos oficiais, o que, digamos, significa que nenhuma moeda meme lançada por algum presidente antes de assumir o cargo afetará a cláusula de emolumentos.
Isso cria um conflito entre Trump e suas canetas hidrográficas, de um lado, e os magistrados e seus martelos, do outro. À medida que o novo governo testa até onde pode esticar a corda sob a lei — mobilizando o Exército contra imigrantes “invasores” ou acionando o Departamento de Justiça contra os inimigos de Trump — batalhas judiciais serão inevitáveis. Trump parece saborear essa perspectiva. Sua ordem executiva buscando acabar com a cidadania por direito de nascença é flagrantemente inconstitucional e, portanto, provavelmente será derrubada. Mas nesse caso Trump alegará que as elites de toga estão frustrando a vontade do povo que o elegeu. Seus apoiadores se unirão, e ele comprará mais uma briga.
O McKinley de hoje
Não é incomum da parte de Trump pretender ampliar o poder do Executivo — muitos presidentes ambiciosos (alguns deles excelentes) fizeram a mesma coisa. E ele não está certo de sua vitória. Os tribunais não são seu único obstáculo. Por mais que tente atrapalhar e intimidar a burocracia, ela já é bastante boa em se atrasar. Estados e cidades administrados por democratas resistirão a Trump. O presidente terá de lidar com divergências em sua equipe, em relação ao seu próprio caráter e à realidade.
Trump provou ser hábil em destruir a velha ordem, mas não está claro o que a substituirá. A esperança é que ele cumpra suas promessas de tornar o governo dos EUA mais eficiente, sua economia mais vibrante e suas fronteiras seguras. Mas um resultado muito pior também é possível. Seja como for, os pesos e contrapesos que ainda restam nos EUA estão prestes a ser testados./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO