A retórica russa que dá peso às acusações de ‘genocídio’ na Ucrânia; leia a análise

Retórica de ‘desnazificação’ da Ucrânia utilizada pela Rússia levanta debate sobre os assassinatos na Ucrânia

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Por Ishaan Tharoor, The Washington Post

No final de seu discurso virtual nesta terça-feira para o Conselho de Segurança da ONU, o presidente ucraniano Volodmir Zelenski exibiu um pequeno vídeo. Com pouco mais de um minuto de duração, mostrava, cidade após cidade, imagens dos cadáveres de civis ucranianos mortos – alguns deixados para apodrecer nas ruas, outros jogados em valas comuns ou nas ruínas de suas casas bombardeadas.

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O vídeo seguiu um conjunto de comentários irritados de Zelenski. Ele exigiu que o Conselho de Segurança busque “total responsabilidade” da Rússia por seus supostos crimes de guerra em cidades ucranianas, mas também pediu uma reforma geral do órgão da ONU, que confere à Rússia o poder de veto. Zelenski disse que o Conselho de Segurança deveria se dissolver “se não houver nada que você possa fazer além de conversar”.

O líder ucraniano detalhou as supostas atrocidades cometidas contra sua população pela Rússia, de estupro a saques e assassinato indiscriminado. Ele enfatizou que a evidência de assassinatos em massa na cidade de Bucha foi provavelmente apenas um exemplo de uma campanha de violência desencadeada em seu país. “Eles mataram famílias inteiras, adultos e crianças, e tentaram queimar os corpos”, disse Zelenski. “Isso mina toda a arquitetura da segurança global”, acrescentou. “Eles estão destruindo tudo.”

Corpos de civis foram encontrados em vala comum em Bucha; ao todo, mais de 400 mortos foram descobertos pela Ucrânia após saída das tropas russas Foto: Rodrigo Abd

Autoridades russas e a mídia estatal negam os relatos de atrocidades, descrevendo-os como “falsos” e encenados pela Ucrânia para fins de propaganda. Mas há evidências crescentes de crimes russos compilados por observadores independentes e grupos de direitos humanos, bem como promotores ucranianos e governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos. Em uma visita a Bucha no fim de semana, Zelenski disse que sua nação estava enfrentando uma tentativa de “genocídio”.

A questão do “genocídio” é uma reivindicação complicada, com a definição legal internacional específica do que conta como genocídio muitas vezes em desacordo com as invocações mais emotivas de ativistas e políticos. Em uma explicação cuidadosa, Claire Parker, no Washington Post, expôs o que sabemos e não sabemos sobre as acusações de crimes de guerra russos.

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Segundo Claire, uma convenção legal de 1948 definiu o genocídio como um crime que “consiste em matar, causar ‘danos corporais ou mentais graves’, impedir nascimentos ou transferir à força crianças de um grupo ‘com a intenção de destruir, no todo ou em parte, uma nação , grupo étnico, racial ou religioso.’”

“Nós somos os cidadãos da Ucrânia”, disse Zelenski no programa “Face the Nation” da CBS no domingo. “Temos mais de 100 nacionalidades. Trata-se da destruição e extermínio de todas essas nacionalidades.”

Na terça-feira, diante do Conselho de Segurança, Zelenski pediu a criação de um inquérito e tribunal semelhante ao de Nuremberg para processar crimes de guerra nazistas após a 2ª Guerra. Ele disse que as atrocidades russas em algumas cidades ucranianas no mês passado foram coisas que nem os nazistas haviam cometido há oito décadas.

A dura ironia é que a Rússia empunha com animação as invocações do nazismo contra a Ucrânia. A guerra foi lançada em meio a um discurso do presidente russo, Vladimir Putin, que descartou o direito da Ucrânia à soberania, questionou seu status de nação independente e descreveu a campanha russa como de “desnazificação”.

Seis semanas depois de sua invasão, os canais de TV e a mídia estatal da Rússia ainda ecoam a narrativa capenga de que seu país está expulsando elementos fascistas indesejados que estão em Kiev. E alguns até argumentam, vendo a resistência que os ucranianos estão apresentando às forças russas, que a “desnazificação” requer um expurgo abrangente em todo o país.

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Em um editorial publicado no domingo na agência estatal russa RIA Novosti, Timofei Sergeitsev classificou virtualmente toda a população ucraniana como cúmplice do suposto “nazismo” de Kiev e pediu o que seria essencialmente uma ocupação de uma geração do país, a “liquidação” do Estado ucraniano e suas elites políticas e a submissão ao trabalho forçado de quaisquer “cúmplices” do governo de Kiev.

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“A desnazificação é necessária quando uma parte significativa do povo – provavelmente a maioria – foi dominada e atraída para o regime nazista em sua política”, observou o editorial, sugerindo implicitamente que os civis ucranianos eram alvos justos. “Ou seja, quando a hipótese ‘as pessoas são boas – o governo é ruim’ não funciona.”

Essa linguagem ressaltou o argumento de que é apropriado discutir “genocídio”. “A retórica por si só não foi suficiente para mim, e os massacres por si só não foram suficientes”, disse Eugene Finkel, estudioso do Holocausto da Escola de Estudos Internacionais Avançados Johns Hopkins, ao Independent. “O limite para mim é a combinação dessa violência, generalizada e deliberada, e a retórica. Acho que isso é evidência suficiente.”

De sua cela de prisão, o proeminente dissidente russo Alexei Navalni conseguiu publicar um tópico no Twitter que denunciava os porta-vozes do Estado da Rússia por alimentar a violência. “Os propagandistas criam o tipo de opinião pública que não mais simplesmente permite que Putin cometa crimes de guerra, mas os exige dele”, escreveu Navalni.

“Os belicistas devem ser tratados como criminosos de guerra”, acrescentou, referindo-se à estação de rádio que desempenhou um papel fundamental no fomento do genocídio em Ruanda. “Dos editores-chefes aos apresentadores de talk shows e aos editores de notícias, todos devem ser sancionados agora e julgados algum dia.”

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Em entrevista ao New Statesman, Sergei Karaganov, um influente teórico político russo que é próximo do Kremlin, ofereceu uma visão mais direta de seu pensamento. Ele zombou da ideia de que Zelenski, um judeu, pudesse ser nazista. Mas ele sugeriu que a Ucrânia tinha apenas uma “limitada… história de Estado” e deveria estar sujeita à partição.

Ainda mais sombriamente, Karaganov argumentou que o conflito agora era “existencial” para a Rússia, pois é uma “guerra por procuração” com todo o Ocidente. “A Rússia não pode se dar ao luxo de ‘perder’, então precisamos de uma espécie de vitória”, disse ele. “E se houver a sensação de que estamos perdendo a guerra, acho que há uma possibilidade definitiva de escalada.”

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