Opinião | A Rússia abriu um novo front na guerra da Ucrânia. E agora, o que acontece?

Forças russas avançaram rapidamente na ofensiva em Kharkiv, mas vantagem não é necessariamente decisiva para o futuro da guerra

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Por Michael Kofman (The New York Times) e Rob Lee (The New York Times)
Atualização:

Na semana passada, as Forças Armadas russas abriram um novo front em sua invasão à Ucrânia.

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Lançando uma ofensiva na região de Kharkiv, as forças russas avançaram rapidamente vários quilômetros, conseguindo voltar a ocupar vários vilarejos que tinham sido libertados durante a bem-sucedida ofensiva ucraniana em setembro de 2022. Os russos ainda não alcançaram a principal linha de defesas ao leste da cidade, que são mantidas por brigadas mais bem equipadas e experientes que as unidades mais próximas à fronteira. Mas a situação é grave.

Ao ameaçar a segunda cidade mais populosa da Ucrânia, a Rússia espera paralisar o fluxo de recursos ucranianos na região, expondo outras partes do front. A prioridade imediata da Ucrânia é estabilizar a linha de frente e evitar um avanço maior da Rússia, o que pode ser possível. Mas as forças de Kiev lidam com uma série de desafios que se acumulam desde o ano passado e não têm solução fácil. Apesar da recente aprovação da lei de gastos no Congresso que determinou a liberação de bilhões de dólares em assistência para a Ucrânia, as coisas deverão piorar antes de melhorar.

O objetivo da Rússia não é tomar Kharkiv, mas intimidar a cidade avançando em sua direção e ameaçando-a com artilharia. Ainda que a Rússia não possua as forças para atacar a cidade em si, a operação é planejada para criar um dilema. As forças ucranianas já estão sobrecarregadas e desgastadas; ao atrair as melhores unidades e reservas ucranianas para a defesa de Kharkiv, o ataque russo enfraquecerá outras partes da linha de frente. A Rússia segue com foco em ocupar o que lhe falta da região de Donetsk, no leste, buscando tomar polos logísticos e centros populacionais críticos.

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Soldado da 92ª brigada da Ucrânia vigia em meio aos ataques da Rússia na região de Kharkiv.  Foto: Inna Varenytsia/Reuters

Nos dias recentes, algumas unidades ucranianas já voltaram a ser acionadas de Donetsk para Kharkiv, e parece que a Ucrânia está acionando batalhões individuais para reforçar outras partes do front. Isso deixará ainda vulneráveis as forças ucranianas em Donetsk, caso a Rússia direcione suas reservas para essa região. As forças russas também estão pressionando as proximidades de Kupiansk, ao leste de Kharkiv, e a região de Zaporizhzhia, no sul. Incursões ao longo da fronteira nas regiões de Sumi e Chernihiv podem estar a caminho.

A ofensiva russa ocorre em um momento de vulnerabilidade para a Ucrânia. Desde o outono passado (Hemisfério Norte), o país tem enfrentado três problemas inter-relacionados: escassez de munição, homens e fortificações. A Ucrânia progrediu na melhoria de suas fortificações na primavera, e o pacote de ajuda dos Estados Unidos deverá aliviar a falta de munição. Mas o contingente das forças ucranianas continua se deteriorar, especialmente onde é mais importante: na infantaria.

A contraofensiva da Ucrânia no verão passado atingiu seu ápice principalmente em razão do desgaste de sua infantaria, que desde então tem tido dificuldades para suprir as baixas. Na prática, isso significa que frequentemente há soldados insuficientes nas trincheiras e para desenvolver um rodízio sustentável, o que arrisca, com o tempo, a exaustão. E também cria o efeito pernicioso de desestimular outros a se voluntariar. Em muitas brigadas ucranianas, soldados estão em falta, e muitos militares têm mais de 40 anos.

Para ser claro, não falta homens na Ucrânia. Essa situação é consequência das políticas escolhidas, de um sistema de mobilização inconsistente e de muitos meses de intransigência política antes da recente aprovação de uma série de leis de conscrição. Essas leis buscam ampliar o número de soldados baixando a idade para o alistamento obrigatório, punido quem tentar fugir do serviço, permitindo que detentos condenados pela Justiça se alistem e fornecendo incentivos para voluntários. As leis sustentam a promessa de solucionar o problema de contingente da Ucrânia, mas muito dependerá de como elas forem aplicadas. A situação, de qualquer modo, demorará meses para melhorar.

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Sem forças suficientes e com um déficit de munição, os militares ucranianos respondem aos avanços russos movendo suas melhores brigadas e unidades de elite no tabuleiro do front. Essa estratégia reativa, que ocorreu durante as batalhas de Bakhmut e Avdiika, significa que as melhores unidades da Ucrânia não têm tempo de descansar e se recompor. Kiev também aciona de forma fragmentada batalhões específicos para reforçar partes do front sem acionar a brigada inteira. São soluções de curto prazo que engendram consequências de médio prazo, como essas unidades se degradarem com o tempo.

Em contraste, a Rússia conseguiu resolver problemas de contingente no ano passado e atualmente recruta cerca de 30 mil soldados profissionais por mês. Muitos desses recrutas estão longe de ser soldados ideais, com idades também na casa dos 40. Mas essa vantagem física — combinada com sua artilharia e seus ataques de drones e bombas planadoras — deu à Rússia uma margem quantitativa.

Mas as vantagens da Rússia não são necessariamente decisivas. A qualidade de suas forças e as baixas entre seus comandantes limitaram a capacidade russa de conduzir operações de maior escala — é por isso que as forças russas têm tido dificuldade em transformar avanços em conquistas e não alcançaram ganhos mais significativos. A Rússia também está queimando equipamento, a maior parte de seu estoque, e enfrentará escassez em 2025.

Soldados da 92ª Brigada da Ucrânia descansam em abrigo.  Foto: Inna Varenytsia/Reuters

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Mesmo com a aprovação do pacote de ajuda dos EUA, a Ucrânia terá um ano difícil. A ajuda americana comprou tempo para a Kiev e assegura que recursos serão disponibilizados. O financiamento pode ser suficiente para os ucranianos manterem suas posições e, na melhor das hipóteses, restaurarem o potencial ofensivo de suas forças. E oferece uma oportunidade. Mas o futuro depende da maneira que o Ocidente — que desempenha um papel significativo no treinamento, na inteligência e em outras formas de assistência — e a Ucrânia lidarem com isso.

Se a Ucrânia conseguir limitar a Rússia a ganhos modestos este ano, é provável que a janela de oportunidade de Moscou se feche, e sua vantagem relativa pode começar a diminuir em 2025. Não se trata apenas da Ucrânia obter munições ou armamentos do Ocidente, mas também de administrar forças eficazmente, resolver o déficit persistente de contingente e estabelecer defesas apropriadas. A Ucrânia terá de se defender e ao mesmo tempo trabalhar para reconstituir suas Forças Armadas. Nos próximos meses, muito está em jogo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Michael Kofman

Michael Kofman (@KofmanMichael) é pesquisador-sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional

Rob Lee

Rob Lee (@RALee85) é pesquisador-sênior do programa para Eurásia do Foreign Policy Research Institute

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