Opinião | A Rússia tem um histórico de derrubar aviões de passageiros — e de encobrir tais casos

Episódios anteriores mostram o quanto vale a palavra de Moscou em relação ao acidente do voo 8243 da Azerbaijan Airlines

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Por Max Boot (Washington Post)

Dez anos atrás, o voo 17 da Malaysia Airlines, voando de Amsterdã para Kuala Lumpur, caiu em uma parte do leste da Ucrânia controlada por forças apoiadas pela Rússia, matando 298 passageiros e tripulantes. O Kremlin negou responsabilidade e criou várias teorias da conspiração, atribuindo a culpa pelo acidente a um caça ucraniano ou algum tipo de plano elaborado da CIA (um site russo chegou à bizarra alegação de que os passageiros já estavam mortos quando o avião decolou). No fim, uma investigação liderada pelos holandeses provou que o avião havia sido derrubado por um sistema de mísseis terra-ar russo Buk, disparado da região da Ucrânia controlada pela Rússia.

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A história pareceu se repetir na semana passada. Na quarta feira, 25, o voo 8243 da Azerbaijan Airlines, voando de Baku, Azerbaijão, para Grozny, na república russa da Chechênia, caiu perto de Aktau, Cazaquistão. Dos 67 passageiros e tripulantes, 38 morreram, e muitos dos 29 sobreviventes ficaram em estado grave.

Porta-vozes russos culparam uma colisão com pássaros, mas uma investigação preliminar do Azerbaijão — apoiada por especialistas em aviação ocidentais e autoridades dos Estados Unidos — concluiu que um míssil antiaéreo russo provavelmente derrubou o avião. Autoridades do Azerbaijão disseram à mídia local que não apenas o fogo russo danificou o avião, mas as autoridades russas também interferiram com seus componentes eletrônicos e negaram ao voo permissão para pousar, forçando-o a desviar pelo Mar Cáspio para o Cazaquistão.

Investigação preliminar concluiu que avião provavelmente foi atingido por sistema antiaéreo russo.  Foto: Administração da região de Mangystau / Associated Press

Uma investigação definitiva ainda deve ser conduzida, e é possível que a Rússia não seja a culpada. Mas o Kremlin, dado o seu histórico, não parece merecer o benefício da dúvida.

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De fato, faz todo o sentido que o voo 8243 tenha sido abatido pelas defesas aéreas russas em um momento em que a região de Grozny estava sob ataque de drones ucranianos. É fácil imaginar uma equipe de defesa aérea russa confundindo a aeronave civil com um drone e abrindo fogo.

Acidentes desse tipo, reconhecidamente, acontecem em tempos de guerra em todos os lugares. No domingo, 22, um cruzador de mísseis guiados dos EUA no Mar Vermelho abateu por engano um caça F/A-18 da Marinha que provavelmente foi confundido com um drone ou um míssil Houthi (o piloto e um oficial de armas sobreviveram com ferimentos leves após ejetarem). Em 1988, um navio de guerra dos EUA lutando contra canhoneiras iranianas no Golfo Pérsico abateu uma aeronave de passageiros iraniana que foi confundida com um caça iraniano, matando 290 pessoas.

Mas, quando países civilizados cometem tais erros, eles se desculpam e fazem reparações. Eles não se recusam a admitir o que fizeram ou tentam culpar outra pessoa por suas ações. Esse, no entanto, tem sido o padrão repreensível do comportamento do Kremlin desde a queda do voo 007 da Korean Air Lines, em 1983 — esvaziando a credibilidade de seus protestos de inocência no caso de quarta-feira.

O acidente da Azerbaijan Airlines, além disso, deve ser entendido no contexto de uma guerra de agressão que o ditador russo Vladimir Putin lançou contra a Ucrânia — enquanto fingia, para o benefício da opinião doméstica, não se tratar de nada mais do que uma “operação militar especial”.

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Quando aeronaves inimigas (tripuladas ou não) são detectadas, o impulso normal de qualquer Estado responsável é fechar aeroportos próximos e desviar todos os voos. A Ucrânia foi além e fechou todo o seu espaço aéreo para a aviação civil por medo de uma aeronave de passageiros ser abatida por mísseis russos ou defesas aéreas ucranianas. É por isso que os viajantes com destino a Kiev devem fazer uma longa viagem de trem partindo da Polônia.

A Rússia também é conhecida por fechar temporariamente aeroportos como resultado de ataques de drones ucranianos — mais recentemente no sábado, na cidade de Kazan, no sul da Rússia. Mas tais fechamentos são realizados apenas relutantemente, porque entram em conflito com as tentativas de Putin de proteger sua população das consequências de sua “operação militar especial”. As autoridades de aviação russas podem ter sido excessivamente zelosas ao seguir a linha oficial do Kremlin quando falharam em fechar prontamente o aeroporto de Grozny durante o ataque ucraniano na quarta feira.

A questão agora é o que o Ocidente fará a respeito, se é que fará algo. Após a queda do voo 17 da Malaysia Airlines, um tribunal holandês condenou dois russos e um ucraniano pró-Rússia por assassinato e os sentenciou à prisão perpétua. Mas as condenações foram puramente simbólicas, porque a Rússia não entregou os réus para julgamento. Essa terrível tragédia não fez nada para dissuadir Putin de continuar — e finalmente escalar — sua agressão contra a Ucrânia.

Se a Rússia derrubou o voo da Azerbaijan Airlines, não pode mais escapar da responsabilidade. E essa responsabilidade não deve terminar em alguns soldados russos de baixo escalão cujo destino não será de nenhuma preocupação para Putin.

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Este é outro ponto em defesa de sanções ainda mais rigorosas à economia russa e ainda mais apoio à Ucrânia na resistência à agressão russa, como se novos motivos fossem necessários. Em uma medida há muito esperada, o presidente Joe Biden está supostamente planejando endurecer as sanções ao setor energético russa em seus dias restantes no cargo. Isso ocorre depois que Biden tardiamente deu permissão à Ucrânia para disparar sistemas de mísseis ATACMS fornecidos pelos EUA contra alvos dentro da Rússia — uma decisão que o presidente eleito Donald Trump criticou como “estúpida”.

Se Trump revogar a autoridade da Ucrânia para o uso dos ATACMS e relaxar, em vez de aumentar, as sanções à Rússia, ele estará enviando a Putin um sinal de que suas muitas depravações — desde abater aeronaves inocentes até invadir países inocentes — não terão consequências. Somente fazendo a Rússia pagar um alto preço por suas violações do direito internacional o Ocidente pode dissuadir Putin de novas agressões. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Max Boot
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