SARIGIM, ISRAEL (THE NEW YORK TIMES) – Infelizmente, Binyamin Netanyahu está certo – digo “infelizmente” porque ele é o mais incompetente, corrupto e desagregador primeiro-ministro israelense de todos os tempos, como muitos em Israel acreditam. Mas ele está certo ao considerar que é crucial para Israel conquistar Rafah e destruir os batalhões do Hamas abrigados nessa cidade no extremo sul da Faixa de Gaza protegidos por um escudo humano de 1,4 milhão de moradores e refugiados vindos do norte.
Se isso não ocorrer, o Hamas sobreviverá para matar e estuprar novamente – e seu líder, Yahya Sinwar, emergirá de seu esconderijo declarando vitória. E ele estará certo. Para a paz palestino-israelense ter qualquer chance, em nome da estabilidade regional e pelo futuro bem-estar de Israel e dos israelenses, especialmente os que vivem no sul do país, o Hamas tem de ser aniquilado.
Israel ainda não decidiu se realmente atacará Rafah nem constatou se conseguiria ou não realizar uma operação desse tipo para chegar ao que considera uma conclusão bem-sucedida, isso ainda está no ar. Nesta semana, o governo Biden alertou contundentemente contra uma invasão em grande escala a Rafah, afirmando que a ofensiva poderia causar enorme sofrimento de civil e, em última instância, prejudicar a segurança de Israel. Netanyahu disse na segunda-feira que foi estabelecida uma data para a invasão, mas não especificou qual.
É evidente que existem razões formidáveis para Israel se abster de invadir Rafah. Primeiramente – e acima de tudo – aquele escudo humano. Atacar Rafah provocará inevitavelmente muitas mortes de civis, apesar de Israel garantir que removerá os civis do caminho de suas tropas antes de lançar a ofensiva. As baixas civis no possível ataque a Rafah se somarão às estimadas 33 mil mortes citadas pelo Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas (número que inclui mais de 12 mil combatentes do Hamas que as Forças Armadas de Israel afirmam ter matado nos seis meses recentes). Muitos morreram em ofensivas terrestres na Cidade de Gaza e de Khan Younis, mais ao norte.
As baixas civis adicionais e a concomitante maior perturbação do fluxo de ajuda humanitária que atravessa a fronteira Egito-Gaza intensificarão as condenações a Israel por parte de seus aliados ocidentais, liderados pelos Estados Unidos. A ameaça de sanções internacionais já está na mesa.
Em segundo lugar, o Egito tem falado há meses para Israel não entrar em Rafah. O governo egípcio teme que o ataque israelense transborde para a Península do Sinai e resulte em palestinos fugindo para o Egito – o que poderia engendrar tanto uma nova crise humanitária quanto um desafio político, dada a afinidade do Hamas com o poderoso movimento egípcio Irmandade Muçulmana, atualmente banido. O Cairo insinuou que essa ofensiva israelense poderia até subverter o tratado de paz entre Israel e Egito, considerado pelo governo israelense uma pedra fundamental de sua segurança nacional.
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Além disso, qualquer campanha militar de Israel em Rafah, da mesma forma que o ataque a Khan Younis, está fadada a se arrastar, dado o expansivo sistema de túneis do Hamas sob as ruas e do cuidado que as forças israelenses provavelmente terão por causa da possível presença nos túneis de reféns sequestrados pelo Hamas durante o ataque de 7 de outubro contra o sul de Israel.
O que nos traz à opinião pública israelense. O início de uma ofensiva em Rafah pode, em si, postergar em meses, ou até anos, um acordo com o Hamas para libertar os reféns.
As recentes manifestações massivas nas ruas de Israel pedindo alternativamente um acordo desse tipo ou a saída de Netanyahu poderão se tornar violentos e anárquicos. E a possível ofensiva em Rafah poderia requerer a convocação de grandes números de reservistas israelenses que foram dispensados recentemente do serviço em Gaza, ao longo da fronteira com o Líbano e na Cisjordânia. De fato, a confluência dessas duas questões – os reféns e o pesado serviço militar adicional dos reservistas – poderá retardar a ofensiva e adiantar uma crise na coalizão de governo.
Finalmente, a possível ofensiva – com sua promessa de destruição final do Hamas – poderá até desencadear uma guerra em escala total com o grupo libanês Hezbollah, que até aqui se limitou a atormentar comunidades próximas à fronteira norte de Israel e posições militares israelenses. E uma guerra Israel-Hezbollah poderia prenunciar um conflito regional ainda maior, incluindo um confronto direto entre Israel e Irã, que o governo Biden se esforça arduamente para evitar desde 7 de outubro, temendo que os EUA também possam ser sugados pelo turbilhão.
Mas apesar desses poderosos motivos para resignação, se quiser demolir o Hamas enquanto organização militar e governamental Israel tem de tomar Rafah. E para Israel esse possível desfecho compensa todos os riscos.
Se emergir desta guerra no controle de Rafah, onde, acredita-se, milhares de seus combatentes permanecem, e da região sul de Gaza, o Hamas poderia se rearmar gradualmente por meio dos túneis que conectam o enclave ao Sinai e logo projetar seu poder para o norte e dominar todo o território ou a maior parte, acreditam muitos analistas.
Acima de tudo, se não tomar Rafah e não esmagar as últimas formações militares organizadas do Hamas e suas estruturas de governo, Israel passará uma imagem de fraqueza e derrota para seus inimigos, de uma presa fácil para o próximo possível agressor. Paradoxalmente, o espetáculo da debilidade israelense – tanto quanto uma ofensiva em Rafah – poderia incitar o Hezbollah a apostar em uma guerra em escala total.
Qualquer possibilidade de tropas estrangeiras (dos Emirados Árabes Unidos ou da Arábia Saudita) ou de policiais da Autoridade Palestina/Fatah substituírem os israelenses na maior parte da Faixa de Gaza desaparecerá, dada a probabilidade de que esses agentes sejam classificados pelo Hamas como operadores de Israel e atacados.
Mais adiante, um Hamas renascido voltará a ameaçar – e provavelmente atacar – as comunidades instaladas nas proximidades da fronteira sul de Israel. A maioria dos moradores dessas comunidades se deslocou internamente após o 7 de Outubro, assim como cerca de 70 mil habitantes das comunidades próximas à fronteira norte, deslocados pelos foguetes do Hezbollah desde que a guerra começou.
A incursão do Hamas em 7 de outubro levantou uma grande interrogação sobre o próprio sionismo. O sionismo veio ao mundo cerca de 140 atrás para pôr fim a 2 mil anos de humilhação e opressão dos judeus pelas mãos de gentios e prover aos judeus, finalmente, um lugar seguro.
Permitir agora que um Hamas gravemente estropeado emerja vitorioso sublinhará o fracasso crucial do sionismo. E críticos no mundo árabe e muçulmano à paz com Israel – Egito, Jordânia, EAU, Bahrein e Marrocos firmaram – podem ser encorajados a rejeitar esses laços.
Pouco mais de cem anos de conflitos com nações árabes e terrorismo, culminando na brutalidade do Hamas em 7 de outubro, demonstraram que Israel, por enquanto, certamente, pode ser considerado o lugar menos seguro no planeta para os judeus. Invadir Rafah é vital para eliminar o Hamas e restaurar essa segurança. Não é preciso gostar de Binyamin Netanyahu para perceber isso. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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