The New York Times - Uma reportagem do The New York Times mostrando que a Rússia sinalizou, de modo discreto, estar disposta a congelar a guerra na Ucrânia é ao mesmo tempo suspeita e tentadora.
As ressalvas são muitas: um armistício deixaria Vladimir Putin no controle de cerca de um quinto do território ucraniano. Ele não é digno de confiança; poderia usar negociações prolongadas para reforçar suas forças para uma nova investida ou para convencer os legisladores ocidentais a cortar a ajuda à Ucrânia; ele pode estar protelando o conflito na esperança de que Donald Trump, sua escolha preferida para presidente, retorne à Casa Branca e deixe de apoiar a Ucrânia.
Mas se Putin estiver falando sério, a Ucrânia não deve deixar passar a oportunidade de acabar com o derramamento de sangue. Recuperar seu território não é a única medida de vitória nessa guerra.
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Uma dolorosa verificação da realidade mostra que a frente ucraniano-russa, com 960 km de extensão, está em um congelamento literal, drenando recursos e vidas ucranianas sem muita perspectiva de mudança em um futuro próximo. A tão esperada contraofensiva ucraniana dos últimos seis meses teve um custo enorme em baixas e material, mas mal chegou às linhas de frente.
O principal comandante militar da Ucrânia disse que a luta está em um “impasse” - uma noção considerada tabu há pouco tempo - e que somente um improvável avanço tecnológico de um lado ou de outro poderia rompê-lo. À medida que o ano se aproxima do fim, os legisladores dos Estados Unidos e da Europa têm, separadamente, mantido em suspenso os pacotes de ajuda necessários para a Ucrânia, e não há certeza de como eles se sairão em 2024.
O conflito ainda pode tomar um rumo inesperado, como já aconteceu antes. Mas a perspectiva neste momento é de uma longa guerra de desgaste, infligindo cada vez mais danos à Ucrânia, sacrificando cada vez mais vidas e espalhando a instabilidade pela Europa. Do jeito que as coisas estão indo, “a Ucrânia abrigará, em um futuro próximo, a falha geopolítica mais perigosa da Europa”, argumenta Michael Kimmage, autor de “Collisions”, uma nova história da guerra. Ele prevê um conflito interminável que aprofunda a alienação da Rússia em relação ao Ocidente, consagra o Putinismo e atrasa a integração da Ucrânia na Europa.
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Esse, pelo menos, é o prognóstico sombrio se a vitória na guerra continuar a ser definida em termos territoriais, especificamente o objetivo de expulsar a Rússia de todas as terras ucranianas que ocupou em 2014 e nos últimos 22 meses, incluindo a Crimeia e uma parte importante do sudeste da Ucrânia, no total de um quinto do território soberano da Ucrânia.
Mas recuperar o território é a maneira errada de imaginar o melhor resultado. A verdadeira vitória para a Ucrânia é sair do inferno da guerra como um Estado forte, independente, próspero e seguro, fincado no Ocidente. Isso seria exatamente o que Putin mais teme de um Estado vizinho com profundos laços históricos com a Rússia, e seria um testemunho do que a Rússia prometeu se tornar em 1991, quando ambos os países se libertaram da União Soviética, antes que Putin entrasse no Kremlin e sucumbisse à mágoa e à atração do poder ditatorial e da ilusão imperial.
É compreensível que qualquer conversa sobre armistício seja difícil para Volodmir Zelenski, o intrépido presidente ucraniano, que tem procurado projetar uma imagem de moral reforçada de sucessos constantes no campo de batalha. Seria muito doloroso, e politicamente difícil para ele, interromper os combates sem punir a Rússia e deixá-la no controle de tantas terras ucranianas. Depois que seu comandante militar sênior, o general Valeri Zaluzhni, descreveu a situação real como um impasse em uma entrevista para a The Economist em novembro, Zelenski se irritou com o que ele considerava derrotismo.
Mas explorar um armistício não significa desistir. Pelo contrário, a luta deve continuar, mesmo quando as negociações começarem, para manter a pressão militar e econômica sobre a Rússia. Não se deve permitir que as pessoas que estão resistindo à ajuda contínua à Ucrânia, sejam elas alguns republicanos no Congresso ou Viktor Orban na Hungria, abandonem os ucranianos agora. Se Putin está seriamente buscando um cessar-fogo, ele está fazendo isso presumindo que a alternativa é um massacre contínuo de seus soldados e que não há mais nada que ele possa conseguir por meio de destruição, violência ou fanfarronice.
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Interromper a luta não é conceder a Putin uma vitória, por mais que ele a reivindique em alto e bom som. A Ucrânia e grande parte do mundo não aceitarão a anexação de nenhum território ucraniano. O exército da Rússia foi atacado e humilhado e a economia do país foi separada do Ocidente. Putin lançou a invasão há 22 meses, convencido de que seria realmente uma “operação militar especial” - que o governo ucraniano cederia prontamente, que o Ocidente se mostraria impotente e que um títere instalado por Moscou garantiria que a Ucrânia nunca se tornasse independente, bem-sucedida, livre ou se unisse à União Europeia.
Em vez disso, a Rússia foi forçada a uma retirada caótica de Kiev e mergulhou em uma guerra terrivelmente cara com uma Ucrânia forte, apoiada por bilhões de dólares em armas e fundos americanos e europeus. As forças russas, lideradas por mercenários, precisaram de mais de um ano e de enormes baixas para capturar uma cidade, Bakhmut; outra cidade importante, Avdiivka, ainda está nas mãos dos ucranianos, apesar de levas e mais levas de soldados, muitos deles reservistas mal preparados e condenados recrutados, lançados contra ela.
Milhares de soldados russos foram enviados para a matança e outros milhares dos melhores e mais brilhantes russos fugiram do país, seja para evitar a guerra ou a prisão por se oporem a ela. A má administração da guerra provocou um motim do chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, seguido de sua morte em um acidente de avião quase certamente planejado pelo Kremlin.
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As sanções esmagadoras acabaram com quase todos os negócios com o Ocidente e alimentaram a inflação em espiral, embora Putin tenha encontrado maneiras de fazer seus comparsas lucrarem mesmo assim. E, embora a economia russa tenha recebido um impulso de curto prazo ao alimentar a máquina militar e preencher as lacunas deixadas pelas sanções, as perspectivas de longo prazo são sombrias.
De muitas maneiras, Putin conseguiu o oposto do que pretendia fazer. A nação ucraniana, cuja existência ele menosprezava, foi incendiada e, em 14 de dezembro, a União Europeia concordou formalmente em abrir negociações de adesão com a Ucrânia - exatamente a mudança para o oeste que Putin foi à guerra para bloquear. A Finlândia aderiu à Otan e a Suécia está se aproximando da adesão. Esses não são elementos da vitória.
Eles também não são motivo para falsas esperanças. Após sua recente visita a Washington, Zelenski não deve ter a ilusão de que a torneira americana está totalmente aberta, especialmente se Trump voltar à Casa Branca. Em sua coletiva de imprensa conjunta com Zelenski, o presidente Joe Biden, cujo mantra há muito tempo era apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário”, reformulou a promessa para “pelo tempo que pudermos”. Na União Europeia, Orban, primeiro-ministro húngaro e admirador de Putin e de Trump, conseguiu a aprovação de mais 50 bilhões de euros para a Ucrânia.
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É compreensível que a perspectiva de injetar recursos infindáveis em uma operação militar paralisada sofra resistência. Seria mais difícil para os céticos questionarem a ajuda adicional se houvesse uma perspectiva de fim dos combates e uma mudança para a reconstrução da Ucrânia.
Um armistício não seria fácil de ser alcançado ou policiado. Mas conversas e escritos sobre vários modelos em potencial têm circulado discretamente nos círculos governamentais e de think tanks. Os autores do mais recente deles, Samuel Charap, da Rand Corporation, e Jeremy Shapiro, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, argumentaram que, por mais tênue que seja a perspectiva de paz, a guerra “provavelmente terminará por meio de algum tipo de negociação”.
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O primeiro estágio das conversações, propuseram eles, se concentraria em concordar em interromper as hostilidades, retirar as forças e instalar uma missão de monitoramento de terceiros. O próximo obstáculo seria elaborar um acordo de segurança que desse à Ucrânia as garantias de que ela precisa, levando em conta a oposição da Rússia ao país se tornar um membro pleno da Otan em sua fronteira ocidental. Muitas outras questões entrariam na receita - crimes de guerra russos, reparações, sanções. E qualquer armistício ficaria muito aquém de um acordo final.
Mas a única maneira de descobrir se Putin está falando sério sobre um cessar-fogo, e se é possível chegar a um acordo, é tentar.
Deter a Rússia muito aquém de seus objetivos e voltar-se para a reconstrução e modernização da Ucrânia seria um tributo duradouro aos ucranianos que fizeram um sacrifício supremo para preservar a existência de sua nação. E nenhum armistício temporário impediria para sempre que a Ucrânia recuperasse todas as suas terras.
* Serge Schmemann ingressou no The Times em 1980 e trabalhou como chefe de escritório em Moscou, Bonn e Jerusalém e nas Nações Unidas. Ele foi editor da página editorial do The International Herald Tribune em Paris de 2003 a 2013