Em todo lugar para onde vou, ouço os democratas fazendo a mesma pergunta: Está na hora de um Tea Party progressista?
Fizeram-me uma versão dessa pergunta esta semana na MSNBC. Já vi essa pergunta em várias publicações. Entendo o impulso. Em retrospecto, parece que a confusão e o desespero dos republicanos após a vitória decisiva de Barack Obama em 2008 duraram um tempo notavelmente curto. Certamente parece que o Tea Party deu aos republicanos um modelo de desafio e triunfo final.
Mas eu vejo as coisas de forma diferente. Como um conservador que já representou dezenas de organizações do Tea Party nos tribunais, estou aqui para responder a essa pergunta com um enfático não. Um novo Tea Party não funcionaria para os democratas da mesma forma que funcionou para os republicanos e, o que é mais importante, seria terrível para o país. Os democratas combateriam fogo com fogo, e todos nós nos queimaríamos.

O Tea Party nasceu no final do primeiro mês completo do primeiro mandato de Obama. Em 19 de fevereiro de 2009, um editor da CNBC, Rick Santelli, entrou ao vivo no pregão da Bolsa de Valores de Chicago e fez um discurso contra o plano de resgate de hipotecas de Obama.
Enquanto os traders no pregão o incitavam em voz alta, Santelli condenou o uso de dólares federais para ajudar as pessoas que não podiam pagar suas hipotecas. “Estamos nos Estados Unidos”, disse ele. “Quantos de vocês querem pagar pela hipoteca do vizinho que tem um banheiro extra e não consegue pagar as contas?” Enquanto as pessoas ao redor de Santelli vaiavam, ele gritou: “Presidente Obama, você está ouvindo?”
O Tea Party nunca foi uma organização formal; era uma coleção de organizações, de grupos locais e de base, de todo o país, que tinham um ethos comum e - isso é fundamental - uma atitude. E é o desafio furioso do Tea Party que os democratas mais buscam imitar.

Contraste
A decisão do senador Chuck Schumer na semana passada de não obstruir uma resolução republicana é uma ilustração perfeita do contraste. Sabemos, pelos anos Obama, que os conservadores do Tea Party ficavam felizes em não aprovar uma extensão do Orçamento que levaria ao fechamento de órgãos do governo para tentar coagir Obama a fazer concessões - mesmo que não tivessem esperança de alcançar seu objetivo final, como revogar o Affordable Care Act.
Inúmeros democratas estavam (e ainda estão) furiosos com Schumer. Eles queriam forçar um confronto com o governo, mesmo que uma paralisação pudesse dar poder ao presidente Trump, no curto prazo, para demitir ou dispensar ainda mais funcionários governamentais e fechar ainda mais programas governamentais.
E isso nos leva ao apelo adicional do Tea Party. Ele não estava apenas irritado com os democratas; também estava irritado com os republicanos que, segundo eles, haviam desviado o partido do caminho certo. Era uma insurgência popular voltada para dois inimigos: o partido oponente e o establishment do partido. Os membros do Tea Party chamavam os republicanos mais moderados de RINOs (Republicanos apenas no nome) e se referiam aos republicanos no poder como o G.O.P.e. (Grand Old Party establishment [O Partido Republicano é conhecido nos EUA como Grand Old Party]).
Você pode ver o mesmo apelo para os democratas. Muitos membros da base democrata não estão apenas furiosos com o fato de Schumer ter apoiado a resolução republicana; eles estão furiosos com as decisões do establishment - inclusive o fato de inicialmente cerrar fileiras em apoio a um presidente Joe Biden doente - que eles acreditam ter levado à derrota.

Baixa aprovação
O índice de aprovação do Partido Democrata está em 27%, um recorde de baixa, com apenas 7% dos eleitores muito satisfeitos com o partido. Um partido não atinge um índice tão baixo a menos que milhões de seus membros se voltem contra os líderes de sua tribo.
No início, entretanto, o Tea Party parecia algo mais do que simplesmente uma oposição. Por um momento, ele realmente me inspirou. Eu estava conversando com ativistas de base que estavam lendo a Constituição pela primeira vez. Voluntários locais do Partido Republicano estavam distribuindo cópias de “The Road to Serfdom” (O Caminho da Servidão), de Friedrich Hayek, e falando sobre os perigos do planejamento central. Meus clientes alugaram espaços em bibliotecas locais para realizar palestras sobre os fundadores e autores.
Havia uma sensação palpável de que o Partido Republicano estava passando por um renascimento; um novo partido já estava emergindo das cinzas da derrota e estava ainda mais puramente focado na Constituição e na liberdade econômica do que o Partido Republicano de George W. Bush e John McCain.
Mas tudo acabou mal, e as razões pelas quais tudo acabou mal são diretamente relevantes para os democratas de hoje.

Os republicanos criaram um movimento em torno da raiva e da ideologia. Meu erro foi acreditar que a ideologia era mais importante do que a raiva, mas foi a raiva que deu ao Tea Party seu impulso político, e essa raiva acabou engolindo a ideologia. A raiva é agora a característica que define o Partido Republicano de Trump.
Não acho que a raiva esteja sempre errada. A injustiça deve nos deixar com raiva, mas a raiva deve estar subordinada a - e a serviço de - valores mais elevados. As Escrituras capturam essa ideia com uma única frase simples: “Irai-vos e não pequeis”.
Minha primeira interpretação da raiva do Tea Party foi justamente que ela estava a serviço de valores mais elevados, especificamente um retorno aos princípios constitucionais fundadores e uma adoção de mercados livres e responsabilidade fiscal. Mas isso estava errado. A ideologia só importava se pudesse servir à raiva.
Outra forma de dizer isso é que os membros do Tea Party adotaram o conservadorismo constitucional e o libertarianismo como uma tática, não como um princípio, e no instante em que surgiu uma ideologia diferente, Trumpista - um veículo melhor para a raiva crua do partido - eles a receberam de braços abertos.

Dúvidas
Mas eu tinha dúvidas sobre o Tea Party mesmo antes de ele abraçar Trump. Eu representava pequenos grupos de base que estavam lutando para obter isenções fiscais do Imposto de Renda durante o governo Obama, mas em 2015 ficou claro que muitos membros do Tea Party não estavam apenas lendo Hayek; eles estavam mergulhando em teorias da conspiração e eram ferozmente intolerantes à discordância. A raiva já havia engolido a ideologia e, em alguns casos, até mesmo a própria razão.
Certamente há raiva suficiente no Partido Democrata para criar seu próprio Tea Party. Os democratas detestam os republicanos tanto quanto os republicanos detestam os democratas, mas há diferenças culturais importantes entre os partidos que tornam um Tea Party democrata menos prático.
Por um lado, a virada democrata em direção a eleitores mais instruídos significa que o antielitismo e o antiintelectualismo do Tea Party não se encaixariam bem para milhões de democratas.
Além disso, o Partido Democrata é mais um partido de instituições - inclusive instituições governamentais - do que o Partido Republicano é atualmente. Isso significa que é menos provável que eles desejem uma demolição do que uma renovação. Se o Tea Party se diverte em ser o touro na loja de porcelana e se vangloria com os destroços, o Partido Democrata pode querer um inventário melhor ou uma nova administração, mas não quer destruir o local.
Embora o Partido Democrata seja institucionalmente diferente do Partido Republicano, ele é vulnerável ao mesmo grau de raiva, e essa raiva - uma vez liberada - é difícil de controlar.
Saiba mais
O mesmo movimento que abraçou a liberdade de expressão e os mercados livres agora está travando uma guerra contra a dissidência política e sufocando o livre comércio. O mesmo movimento que antes se deleitava com a Constituição está tentando virar toda a estrutura constitucional de cabeça para baixo.
E os republicanos do establishment que abraçaram o Tea Party logo descobriram que precisavam se adequar a todas as suas exigências ou - na melhor das hipóteses - teriam de enfrentar um adversário nas primárias. Na pior das hipóteses? Eles enfrentariam uma campanha de ameaças e assédio, especialmente após a ascensão de Trump, até deixarem o cargo ou capitularem.
Os democratas acham que abraçar a fúria do Tea Party é o caminho de volta ao poder? Será que eles acreditam que podem controlar essa raiva intensa, uma vez que ela seja liberada? Lembro-me perfeitamente da última vez em que os republicanos estavam destinados a vencer para sempre.
O ano era 2004. George W. Bush tinha acabado de ser reeleito, dando aos republicanos sua primeira vitória no voto popular desde a eleição de seu pai, 16 anos antes. Os republicanos estavam tão confiantes em suas perspectivas que estavam se preparando para o controle de gerações.

Air America
Não havia Tea Party em 2004, mas havia rádio, e muitos democratas se convenceram de que precisavam responder a Rush Limbaugh e Sean Hannity com seus próprios Limbaughs e Hannitys. Assim, eles recorreram a uma rede de rádio incipiente e em dificuldades chamada Air America.
Ela fracassou. Embora houvesse alguns apresentadores que conseguiam obter um público respeitável, ela nunca conseguiu igualar o público dos titãs conservadores do rádio. A Air America não combinava com uma cultura democrata que ainda valorizava a mídia tradicional, e a mídia tradicional ainda alcançava muito mais pessoas do que até mesmo os apresentadores liberais mais populares da Air America.
(Ironicamente, um deles era Robert F. Kennedy Jr. Ele era co-apresentador de um programa chamado “Ring of Fire”).
Em 2010, a rede estava fora do ar. Agora é uma nota de rodapé na história política americana. A Air America fracassou, mas os democratas tiveram sucesso. Em 2006, eles reconquistaram a Câmara e o Senado. Em 2008, reconquistaram a presidência e garantiram uma breve maioria à prova de obstrução no Senado. E fizeram isso da maneira mais convencional possível: por meio do recrutamento eficaz de candidatos, o que lhes permitiu apresentar seu caso contra Bush. Quando seu governo enfrentou crises, os democratas estavam prontos com alternativas responsáveis.

Política convencional
Isso foi naquela época, você pode argumentar. A política convencional não funciona agora; afinal de contas, o político menos convencional da história moderna dos Estados Unidos é presidente dos Estados Unidos pela segunda vez.
Mas isso é interpretar mal o momento. O político menos convencional é presidente pelos motivos mais convencionais: os eleitores estavam preocupados com a inflação e a imigração. O fracasso do Partido Democrata foi não ter persuadido dezenas de milhões de americanos de que essa era uma eleição anormal, quando as preocupações com a democracia deveriam se sobrepor às preocupações com a economia.
Como David Shor, analista de dados do Partido Democrata, disse ao meu colega Ezra Klein, os eleitores “se preocuparam com o custo de vida mais do que com qualquer outra questão”. E, por uma margem de 60 pontos, eles se preocuparam mais em “realizar mudanças que melhorem a vida das pessoas” do que em “preservar as instituições dos Estados Unidos”.

Tenho plena consciência de que os liberais não estão interessados em ouvir conselhos eleitorais de conservadores como eu. Portanto, tudo o que posso fazer é compartilhar as lições aprendidas com minha experiência com o movimento que começou como Tea Party, tornou-se MAGA e hoje dirige nosso governo.
O Tea Party tornou-se escravo de sua própria raiva. Nenhuma fúria era grande demais - nenhum desprezo era profundo demais - para o inimigo democrata. E agora estamos enfrentando uma presidência motivada por vingança e rancor.
A oposição é necessária. A raiva é natural. A coragem é indispensável. Mas em nenhuma circunstância estaremos melhor se outro Tea Party entrar no campo político.