THE NEW YORK TIMES - Pode ser que a tão aguardada contraofensiva ucraniana, que poderia estar em seus estágios iniciais, seja tão improfícua quanto a ofensiva russa do inverno (Hemisfério Norte). Defensores normalmente têm vantagens em relação a agressores na guerra de trincheiras, e o Exército russo teve meses para se entrincheirar. Mas também é possível que os ucranianos possam alcançar avanços capazes de colocar o fim da guerra no panorama ainda este ano. Então, como isso deve acabar?
Nós podemos começar listando maneiras como a coisa não deve suceder. A primeira, sugerida no ano passado pelo presidente francês, Emmanuel Macron: “Nós não devemos humilhar a Rússia”, argumentou ele, “para que no dia que os combates cessem e nós possamos construir uma rampa de saída por meios diplomáticos”. Naquele momento, “não humilhar a Rússia” era um código para permitir a Moscou preservar seus proventos ilícitos enquanto suas tropas ainda estavam na ofensiva.
Errado. Uma derrota esmagadora e inequívoca é precisamente o necessário para pôr fim à ambição imperialista da Rússia. Hoje é fácil esquecer que a invasão do ano passado foi a terceira ocasião em que Vladimir Putin lançou uma guerra de conquista, intimidação e anexação contra seus vizinhos, em seguida à invasão da Geórgia, em 2008, e à obtenção de território ucraniano em 2014. Isso sem contar a guerra cibernética contra a Estônia, assassinatos em solo britânico, a derrubada do Voo MH17 da Malaysia Airlines ou a aniquilação de Grozny.
Cada ato de agressão passou essencialmente impune, o que tentou a Rússia a empreender o seguinte. Se a guerra na Ucrânia acabar com Putin alcançando alguns de seus objetivos e sem sofrer nenhuma consequência irreparável ao seu regime, a única “rampa de saída” que o Ocidente terá encontrado servirá a Putin como rampa de entrada para seu próximo ultraje.
Similarmente, se as forças ucranianas romperem as linhas russas de maneira que obrigue Putin a buscar um acordo — provavelmente com mediação chinesa — haverá gente argumentando que um cessar-fogo e armistício segundo o modelo coreano é preferível aos riscos de uma escalada dramática. O Kremlin poderá tentar encorajar essa linha de pensamento voltando a empunhar seu sabre nuclear, dessa vez ainda mais estridentemente.
Mas ainda que a ameaça atômica jamais deva ser descartada, sob verificação atenta ela parece vazia.
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A razão pela qual Putin não usou armas nucleares táticas até aqui nesta guerra não é nenhum escrúpulo moral que possa desaparecer caso ele se sinta encurralado. É que essas armas, originalmente projetadas para destruir grandes concentrações de blindados e fortificações, fazem pouco sentido em um campo de batalha rarefeito. E o governo Biden também ameaçou “consequências catastróficas” não especificadas se a Rússia usar essas armas — talvez envolvendo o afundamento da Frota Russa no Mar Negro ou alguma resposta enérgica mas não nuclear da Otan.
O problema maior com o modelo do armistício é que ele congelaria o conflito de um modo que permitiria à Rússia retomá-lo depois de ter lambido suas feridas e retomado suas forças. Quanto à Ucrânia, o país teria de se tornar um Estado fortificado, mesmo que sua economia tenha sido incapacitada pela guerra.
Os que fazem a analogia da Coreia do Sul negligenciam dois elementos. Primeiro, a Rússia é intrinsicamente mais poderosa do que a Coreia do Norte. Segundo, a paz na Península Coreana tem sido preservada por uma grande e contínua presença militar dos Estados Unidos há 70 anos — que relativamente poucos americanos teriam apetite para replicar na Ucrânia.
A alternativa é a vitória. É o que os ucranianos merecem, o que a maioria deles quer e o que eles exigem de sua liderança política. Esse objetivo foi tanto entravado quanto facilitado pela flutuante disposição do presidente Joe Biden em fornecer a Kiev as ferramentas necessárias para vencer. E também obstruído por sua própria ambivalência a respeito do desfecho que ele realmente deseja, que não permita à Rússia vencer nem implique em explodir o mundo inteiro no processo.
A vitória tem duas receitas. A primeira — e mais arriscada — é fornecer à Ucrânia as armas que suas forças necessitam, principalmente mísseis guiados de longo alcance, mais tanques, drones Predator e caças F-16, não apenas para expulsar a Rússia dos territórios conquistados nesta guerra, mas também para retomar a Crimeia e as “repúblicas” separatistas no leste. É isso o que os ucranianos desejam e o que lhes cabe moralmente e legalmente.
Mas será difícil retomar a Crimeia, e até mesmo o sucesso terá seus custos, principalmente na forma de populações não necessariamente ávidas para serem libertadas por Kiev. O que nos leva à segunda receita: ajudar a Ucrânia a restabelecer suas fronteiras anteriores a fevereiro de 2022 e nada mais — com compensações na forma de adesão à União Europeia e de um tratado bilateral de segurança com Washington segundo os moldes da cooperação em segurança EUA-Israel.
Isso elevaria a exposição dos EUA à agressão russa? Não, diminuiria. E pela mesma razão que Putin não ousaria atacar os Países Bálticos, membros da Otan, mas atacou duas vezes a Ucrânia: ditadores predam os fracos, não os fortes. Isso satisfaria a necessidade da Ucrânia por segurança? Sim, em acesso garantido tanto aos mercados europeus quanto às armas dos americanos.
E isso humilharia Putin? Sim, e da melhor forma possível, mostrando a ele e outro déspotas — dentro e fora da Rússia — que agredir democracias nunca vale a pena. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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