Abrigos de refugiados lotados levam cidade de Nova York a declarar crise humanitária

Segundo imigrantes e ativistas que trabalham na recepção e realocação desses refugiados, as condições nos abrigos da cidade são ruins

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Por Luciana Rosa, especial para o Estadão

Verónica tem 22 anos e estava grávida de sete meses quando cruzou a pé a fronteira que separa o México dos Estados Unidos. Na travessia, temeu pela vida do bebê, devido ao calor extenuante e à larga distância percorrida a pé. Ela saiu de Caracas, na Venezuela, há aproximadamente um mês, e sua nova casa é um hotel na região do Central Ferry, que foi transformado refúgio em Nova York.

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“É preciso viver um dia de cada vez, pois não sabemos o que vamos encontrar a cada momento, então, nos resta voltar ao abrigo e catar comida por aí”, diz ela.

Verónica é uma dos milhares de imigrantes venezuelanos e de outras nacionalidades que tem lotado os abrigos para pessoas sem-teto na cidade de Nova York nos últimos meses. A combinação de um aumento na chegada de imigrantes pela fronteira sul este ano com a decisão de governadores republicanos do Texas e da Flóridas de custear a viagem de parte desses imigrantes para Estados democratas colocou os serviços sociais de NY no limite.

Abrigo de imigrantes em Randalls Island, Nova York  Foto: Sarah Blesener/The New York Times

Em outubro, a prefeitura de Nova York declarou estado de emergência quando os abrigos começaram a superar sua capacidade em razão da chegada recorde de migrantes. A população do sistema de abrigos da cidade chegou ao fim do ano com 64 mil pessoas. Desse total, cerca de 12.700 são imigrantes e não há espaço para todos.

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Segundo imigrantes e ativistas que trabalham na recepção e realocação desses refugiados, as condições nos abrigos da cidade são ruins. Para agravar o problema, denúncias de maus tratos têm crescido. Recentemente, um policial do Departamento de Serviços aos Sem-teto foi sido flagrado em vídeo batendo no rosto de um refugiado venezuelano de 21 anos. Alguns casos são tão graves que uma porcentagem destes imigrantes acaba preferindo as ruas. A chegada do inverno amplia a dramaticidade da crise.

Nova York tem obrigação de dar abrigo a todo aquele que o solicite por ser, segundo a legislação americana, uma cidade-santuário. Mas a maioria dos imigrantes que hoje lotam os abrigos chegam à Big Apple nos ônibus enviados pelo governador do Texas, o republicano Gregg Abott. Contrário à política de flexibilização das políticas migratórias da Casa Branca, o governado entende que os Estados democratas deveriam responsabilizar-se pelo novo contingente de imigrantes. Verónica foi uma das pessoas que chegaram a Nova York nesses ônibus.

“Depois da chegada, eles me transportaram à 1h da manhã a um abrigo em Manhattan, onde só fui aceita porque estava grávida. Cheguei e passei outros dois dias sem comer”, relata Verónica, que diz que sua saúde começou a piorar no abrigo por causa do calor que fazia no local.

“Eu não conseguia descansar nem durante o dia, nem durante a noite”, diz, para em seguida se emocionar. “Não tinha assistência de nenhum médico, não tinha comida, não tinha acesso a transporte. Eu precisei ir uma série de vezes à sala de emergência por conta da minha condição de saúde, com muita dor de cabeça emeio tonta.”

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Foi então que ela resolveu solicitar uma transferência. Após conseguir um atestado médico, finalmente foi transferida para um hotel.

Êxodo venezuelano

O fluxo de venezuelanos para os Estados Unidos aumentou muito este ano graças a uma combinação de dois fatores: o status de refugiados políticos concedidos aos venezuelanos que fogem do governo Nicolás Maduro e à flexibilização de algumas regras migratórias, ambas medidas tomadas após a posse de Biden. Nicaraguenses e cubanos também chegam em grandes números.

Em março de 2021, o presidente decidiu incluir a Venezuela na lista de países para os quais o país concede o status de proteção temporária. Esses tipos de programa confere proteção contra deportação e até autorizações de trabalho por um período limitado. Com isso, no ano fiscal de 2022, encerrado em outubro, mais de 150 mil venezuelanos conseguiram entrar em território americano pela fronteira com o México, um aumento de 293% em relação ao ano anterior.

Para tentar frear a chegada massiva deste contingente, em meados de outubro, o governo decretou que “os venezuelanos que entrarem nos Estados Unidos sem autorização por áreas localizadas entre os portos de entrada serão devolvidos ao México”, com exceção daqueles que tenham parentes que já residam no país. egundo dados da CBP, desde que essa medida foi aplicada, houve uma queda de 35% entre setembro, 33.804, e outubro, 22.044, no fluxo de imigrantes.

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Críticas e denúncias

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“O que a prefeitura não quer que você saiba é que os abrigos são uma porcaria e essas famílias não são sem-teto, são refugiados”, diz Lilah Mejia, ativista e voluntária nas ações organizadas por diferentes ONGs para receber e acompanhar os imigrantes.

Para ela, o governo da cidade de Nova York estaria apenas depositando as pessoas em abrigos onde as condições de vida são precárias e ninguém fala espanhol, dificultando a comunicação. “Nossas famílias estão praticamente sendo expulsas de abrigos, estão escolhendo estar nas ruas”, afirma. Ela acrescenta que sem-teto que perambulam pela cidade e usuários de drogas acabam intimidando famílias que justamente deixaram seu lugar de origem fugindo da miséria e da violência.

Novamente na estrada, os imigrantes que lotam os ônibus desde abril com destino à capital Washington e à Nova York, passam até dois dias viajando sem fazer nenhuma parada e praticamente sem comida.

“Eles chegam e estão morrendo de fome e nós tentamos alimentar essas famílias da melhor forma possível com os recursos limitados que temos”, acrescenta Lilah Mejia, explicando o trabalho dos voluntários, em sua maioria outros latinos, que vão até a rodoviária da cidade recepcionar esses refugiados.

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Com dinheiro arrecadado através das redes sociais, eles provêm uma primeira refeição, passagens de metrô e muitas vezes conseguem distribuir telefones celulares pré-pagos para que eles tenham alguma forma de se comunicar.

Logo após fazer uma espécie de triagem, alguns dos imigrantes que não têm Nova York como seu destino final recebem dinheiro para comprar passagens de ônibus que os levem ao encontro de suas famílias já instaladas em outras cidades dos país.

Projeções

Segundo a prefeitura, se os solicitantes de asilo continuarem a entrar no ritmo atual, a população total dentro do sistema de abrigos da cidade superará as 100 mil pessoas no próximo ano. “Temos continuamente diferentes populações entrando na cidade, e ainda não temos nenhum tipo de planejamento a longo prazo de como recebê-las. E isso tem que mudar”, diz a ativista Lilah Mejia.

Em uma tentativa de amenizar a superlotação dos abrigos, a prefeitura instalou em outubro uma grande tenda gigante na Ilha Randalls, que fica entre o Harlem e o Queens no East River.

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A estrutura permaneceu funcionando somente até os primeiros sinais de frio chegarem no início de novembro. O abrigo provisório foi fechado e os poucos imigrantes que ali residiam foram levados para quartos de hotéis em Manhattan cuja diária é financiada pela prefeitura.

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