LONDRES - Pressionados por populações insatisfeitas, que exigem cada vez mais controle sobre o fluxo de estrangeiros, e ameaçados pelo crescimento da extrema direita, que busca ampliar sua base eleitoral prometendo solucionar a crise migratória, os governos europeus vêm redobrando esforços para se livrar de imigrantes clandestinos.
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Uma das consequências do aumento da repressão é o isolamento dos estrangeiros. Com medo da deportação, muitos não saem às ruas, não conseguem trabalhar, nem sobreviver financeiramente. Para os mais desesperados, a única saída é se apresentar às autoridades e pedir ajuda para voltar para casa.
Uma vez por semana, autoridades britânicas usam uma sala em um centro de ajuda à comunidade brasileira, na periferia de Londres, para entrevistar imigrantes irregulares que perderam tudo e não têm dinheiro nem sequer para comprar uma passagem de volta ao Brasil.
O governo britânico promete pagar a passagem, colocar em um alojamento até a partida e não marcar o passaporte como alvo de deportação. Em alguns casos, famílias também podem solicitar uma ajuda de 2 mil libras (R$ 8,8 mil) para que possam se reinstalar em seus países de origem. Em troca, todos se comprometem a não voltar ao Reino Unido por dois anos e meio.
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Enquanto aguardam para ter seus casos examinados, os brasileiros não disfarçam a tensão antes de enfrentar as autoridades. Cabisbaixos, roem as unhas ou repetem boatos de redes sociais sobre o risco de saírem algemados do local, decorado com um pôster das praias mais famosas do Rio.
Wagner Pereira Nardin, de 39 anos, concluiu que não tinha mais como viver em Londres. Sem trabalho, o dinheiro acabou e ele passou a ser ameaçado pelo dono do apartamento que alugava. “Fiz alguns bicos, mas não dava para nada. Depois, até mesmo esses trabalhos sumiram”, disse. Ele nem mesmo terminou de pagar as prestações da passagem de ida, parcelada em oito vezes. “Não era nada do que eu imaginava”, lamentou o metalúrgico de Campinas. Sem futuro, foi à entrevista com tudo o que tinha guardado em uma mala e uma mochila. Wagner foi encaminhado a um albergue. Depois de verificar se o brasileiro não tinha passagem pela polícia ou pendências criminais, as autoridades lhe deram garantias de que pagariam sua passagem de volta.
Em 2017, mais de 160 brasileiros no Reino Unido fizeram parte do sistema de retorno voluntário. Carlos Mellinger, presidente da Casa do Brasil em Londres, que organiza a assistência, indica que esse número deve chegar a 240 em 2018. “Se a crise no Brasil não fosse tão grande, esse número seria ainda maior”, afirma. Para ele, o número de brasileiros optando por voltar é resultado de um endurecimento nas políticas de imigração do Reino Unido. Lojas, bares e hotéis que empregam imigrantes irregulares são multados e controles mais rígidos começaram a ser feitos, no início do ano, em todos os pacientes que chegam aos hospitais ou pessoas que fazem algum tipo de transação bancária.
O cenário se repete no restante da Europa. Nos primeiros seis meses de 2017, 3,1 mil ordens judiciais foram emitidas por governos europeus para expulsar brasileiros, um salto de mais de 40% em comparação com os dados de 2016.
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A goiana Jenifer - que pediu para não ter o sobrenome publicado - viveu em Londres por dois anos. Após o endurecimento das medidas de controle, sua situação ficou insustentável. “Isso aqui é uma ilusão. Não tem como sobreviver aqui ganhando 5 libras (R$ 22) por hora”, disse. Ao fim de sua entrevista com as autoridades, ela não escondia sua satisfação por ter sido aprovada. “Que alívio! Agora, posso voltar e recomeçar tudo.”
Outra goiana, Poliana Costa Duarte, chegou a Londres após ser convidada por um amigo em uma rede social. Quando desembarcou, nunca mais encontrou o sujeito. Tampouco conseguiu trabalho e seu dinheiro acabou rapidamente. O caso da garota de 18 anos chamou a atenção dos agentes britânicos, que pediram o nome do amigo.
“Seus pais não estão preocupados?”, perguntou um dos agentes. “Como você está sozinha, vamos dar prioridade para sua volta. Quando você quer voltar?”, questionou outro. “Quanto mais rápido, melhor”, respondeu Poliana, que conseguiu um voo para o Brasil poucos dias depois.
Pela Europa, diversos governos têm recorrido a esquemas parecidos para incentivar a partida de imigrantes irregulares. O sistema não é novo, mas vem ganhando dimensão inédita. Em diversos países, pacotes são uma resposta à pressão de partidos de extrema direita que vêm ganhando votos com um discurso anti-imigrante.
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Nos anos 90, apenas cinco países no mundo tinham algum tipo de programa financeiro para ajudar o retorno de imigrantes. Hoje, são pelo menos 35. A Organização Internacional de Migrações (OIM) estima que 98 mil pessoas foram beneficiadas por programas de retorno voluntário pelo mundo em 2017, a um custo de US$ 37 milhões.
Depois de receber mais de 800 mil refugiados, em 2015, a Alemanha aumentou o financiamento para quem quer voltar a seu país de origem. Em um programa que começou em novembro e dura até o fim do mês, um imigrante que teve seu status de refugiado negado pode pedir até € 3 mil (R$ 11,7 mil) ao governo para reiniciar sua vida no país de origem.
Sob o slogan de “Seu país, seu futuro. Agora!”, o programa promete pagar ainda 12 meses de aluguel para a família que deixar a Alemanha. Em 2016, o governo alemão negou asilo para 170 mil pessoas - 55 mil delas optaram por voltar com a ajuda do governo e outras 26 mil foram deportadas. No entanto, 81 mil imigrantes “desapareceram” pelo país. A esperança das autoridades é que, com uma ajuda financeira maior, eles aceitem o incentivo e voltem para casa.
Na Noruega, a política entrou em vigor em 2016. Segundo o governo, pagar para os imigrantes voltarem é mais econômico do que ajudá-los a se integrar e aprender a língua em um dos países mais caros do mundo.
Na França, em 2016, o governo anunciou um pacote de € 2,5 mil (R$ 9,7 mil) para cada imigrante que deixar o país voluntariamente. Mesmo com o financiamento, a Europa continua deportando milhares de pessoas todos os anos e militarizando suas fronteiras. Os dados mais recentes apontam que 303 mil imigrantes foram deportados em 2016. Segundo autoridades europeias, essa tendência não deve mudar nos próximos anos.
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