Acordo militar entre EUA e Austrália desperta temor de corrida armamentista no Pacífico

Índia, Vietnã e Cingapura estão gastando mais com defesa e até mesmo o Japão está inclinado a fazer o mesmo

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Por Chris Buckley e NYT
Atualização:

A China está se tornando uma superpotência militar. Índia, Vietnã e Cingapura estão gastando mais com defesa. O Japão está inclinado a fazer o mesmo. E agora a Austrália, com apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido, catapultou a disputa militar com Pequim para uma nova fase bastante tensa.

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Seu acordo da semana passada para equipar a Austrália com submarinos de longo alcance e com propulsão nuclear, mais capazes de enfrentar a marinha chinesa, pode acelerar a corrida armamentista na Ásia muito antes de os submarinos entrarem em serviço.

Em resposta, a China pode intensificar sua modernização militar, especialmente em tecnologia capaz de bloquear os submarinos. E, ao confirmar a determinação do governo Biden de enfrentar o poder chinês na Ásia, o novo acordo de armas pode levar outros grandes gastadores militares, como Índia e Vietnã, a acelerar seus próprios planos militares.

Submarino HMAS Sheean em porto da Tasmânia, na Austrália; país fechou acordo com EUA para construir embarcações nucleares Foto: Leo Baumgartner/Australian Defence Force via The New York Times

Uma região volátil

Os países que se vêm no meio do conflito, como Indonésia, Malásia e outros, enfrentam uma região potencialmente mais volátil e uma pressão crescente, como vem acontecendo com a Austrália, para escolher lados entre Washington e Pequim.

“A imagem é de três países anglo-saxões batalhando militarmente na região do Indo-Pacífico. O quadro joga com a narrativa oferecida pela China de que “forasteiros” não estão agindo de acordo com a aspiração dos países regionais”, disse Dino Patti Djalal, ex-embaixador da Indonésia nos Estados Unidos. “A preocupação é que isso desencadeie uma corrida armamentista prematura, uma corrida de que a região não precisa, nem agora nem no futuro”.

Os submarinos só chegarão à água daqui a uma década, pelo menos. Mas o reflexo geopolítico de seu anúncio foi instantâneo. Até lá Pequim terá tempo para organizar a oposição entre os vizinhos asiáticos e tramar contra-ataques militares.

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Japão e Taiwan, ambos fortes aliados dos Estados Unidos, endossaram rapidamente o acordo de segurança.

Outros governos asiáticos expressaram, por meio de seus comentários ou silêncios, dúvidas ou apreensão diante da irritação da China. Muitos líderes no Sudeste Asiático querem que os Estados Unidos continuem sendo um pilar da segurança, disse Ben Bland, diretor do programa de Sudeste Asiático do Lowy Institute em Sydney.

“Mas eles também temem que a abordagem cada vez mais estridente tomada pelos Estados Unidos e aliados como a Austrália force a China a responder na mesma moeda”, disse ele, “impulsionando um ciclo de escalada que está centrado no Sudeste Asiático, mas desconsidera as vozes do Sudeste Asiático”.

O contra-ataque chinês

Mesmo antes do acordo, alguns governos mobilizaram novos navios, submarinos e mísseis, pelo menos em parte devido à preocupação com a rápida escalada militar da China e com disputas territoriais. A China responde por 42% de todos os gastos militares da Ásia, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

Os legisladores japoneses começaram a considerar publicamente o aumento dos gastos militares além de 1% de seu produto interno bruto, um limite que o país mantém desde os anos 1970. A Coreia do Sul, focada na ameaça da Coreia do Norte, vem aumentando seu orçamento de defesa em 7% ao ano em média desde 2018.

A Índia impulsionou os gastos militares diante da escalada das tensões com a China, embora o golpe econômico do coronavírus possa desacelerar essa tendência.

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A Índia planeja adquirir mais 350 aeronaves militares nas próximas duas décadas, disse o chefe da Força Aérea neste mês. O Japão está trabalhando em mísseis hipersônicos que podem ameaçar os navios da marinha chinesa em um conflito. Taiwan, a ilha autônoma que a China considera seu território, propôs um orçamento militar de US $ 16,8 bilhões para o próximo ano, incluindo US $ 1,4 bilhão para mais caças a jato.

O governo Biden promete ajudar as nações asiáticas a conter o crescimento militar da China, como destaca o novo acordo com a Austrália. Essa agenda provavelmente será discutida na Casa Branca esta semana, quando o presidente Joe Biden receberá outros líderes do “Quad”, o agrupamento que inclui Austrália, Japão e Índia.

“A China é a ameaça crescente com que devemos nos preocupar, não apenas hoje, mas também nos médio e longo prazos”, disse o general John Hyten, vice-presidente do Estado-Maior dos Estados Unidos, em um evento da Brookings Institution na semana passada.

O presidente americano Joe Biden e o premiê da Austrália, Scott Morrison, em reunião em NY Foto: Doug Mills/The New York Times

Uma opção evitável

Mas muitos governos de toda a Ásia, especialmente no Sudeste Asiático, esperam evitar a obrigação de fazer a mesma escolha que o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, fez na semana passada ao declarar uma “parceria para sempre” com os Estados Unidos.

A Índia, que oscila entre confrontos de fronteira com a China e esforços para consertar os laços com sua vizinha, não disse nada sobre o acordo. O mesmo aconteceu com a Coreia do Sul, que deseja manter relações estáveis com Pequim enquanto se concentra no potencial conflito com a Coreia do Norte.

O Ministério das Relações Exteriores da Indonésia disse estar “profundamente preocupado com a contínua corrida armamentista”. A Malásia também expressou preocupação.

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Lee Hsien Loong, primeiro-ministro de Cingapura, uma cidade-estado com bons laços com Pequim e Washington, disse diplomaticamente a Morrison que esperava “que a parceria contribuísse de forma construtiva para a paz e a estabilidade da região”, relatou o Straits Times.

Um confronto desigual

Olhando de fora, o plano da Austrália de construir pelo menos oito submarinos com propulsão nuclear no longo prazo pode parecer pouco para os cálculos da China. Com cerca de 360 navios, a marinha chinesa é a maior do mundo em número e tem cerca de uma dúzia de submarinos com propulsão nuclear. Sua frota de submarinos nucleares deve crescer para 21 em 2030, de acordo com o Escritório de Inteligência Naval dos Estados Unidos.

A Marinha dos Estados Unidos possui cerca de 300 embarcações, entre elas 68 submarinos, todos nucleares. Mesmo que a Austrália seja relativamente rápida e eficiente – não exatamente características que marcaram suas aquisições de submarinos ao longo das décadas – seus primeiros submarinos com propulsão nuclear só devem entrar em operação no final dos anos 2030.

Posicionar submarinos difíceis de rastrear perto dos mares próximos à China, Japão e Península Coreana pode ser um poderoso fator dissuasivo contra os militares chineses, disse Drew Thompson, um ex-funcionário do Pentágono responsável pelas relações com a China.

“As guerras do Oriente Médio acabaram”, disse Thompson, hoje pesquisador visitante da Universidade Nacional de Cingapura. “Estamos num período entre guerras, e a próxima será um conflito de alta intensidade com um adversário próximo, provavelmente envolvendo a China, muito provavelmente no nordeste da Ásia”.

Depois de condenar o acordo de submarinos na semana passada, o governo chinês não disse mais nada. Mas os líderes e planejadores militares da China certamente pensarão em contra-ataques militares e diplomáticos, incluindo novas maneiras de prejudicar as exportações australianas, já atingidas por proibições e tarifas punitivas impostas à medida que as relações azedaram nos últimos anos.

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Pequim também pode acelerar os esforços para desenvolver tecnologias para encontrar e destruir submarinos com propulsão nuclear bem antes que a Austrália os receba. A maioria dos especialistas diz que uma corrida tecnológica é mais provável do que uma corrida armamentista generalizada. A produção de novos navios e aviões de combate da China já é rápida. Sua tecnologia anti-submarina é menos avançada.

No curto prazo, as autoridades chinesas podem intensificar os esforços para organizar a oposição regional ao plano dos submarinos e ao novo grupo de segurança, denominado AUKUS, iniciais de Austrália, Reino Unido e Estados Unidos.

“Se você fosse a China, também estaria pensando: ‘Bom, é melhor eu me antecipar a tudo isso’”, disse Elbridge Colby, ex-subsecretário de defesa no governo Trump. “Se a Austrália der este grande passo, o Japão poderá mais dar meio passo e Taiwan dará outro meio passo, e depois a Índia e quem sabe o Vietnã”.

Mas Pequim criou suas próprias barreiras para obter o apoio dos vizinhos. Suas reivindicações expansivas e intransigentes por águas e ilhas no Mar do Sul da China irritaram os países do Sudeste Asiático. Pequim também está envolvida em disputas territoriais com Japão, Índia e outros países.

“Este acordo AUKUS mostra claramente que o Leste Asiático se tornou o foco da estratégia de segurança global dos Estados Unidos”, disse Zhu Feng, professor de relações internacionais na Universidade de Nanjing, no leste da China. “É um lembrete para a China que, se não pudermos aliviar as tensões com os vizinhos sobre o Mar da China Meridional e Mar da China Oriental, os Estados Unidos continuarão tentando tirar vantagem dessa tensão”.

Este artigo foi publicado originalmente no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU