Tentando com muito, muito afinco, concluir o Brexit, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, concluiu na segunda-feira, 27, um acordo com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sobre como lidar com o comércio exterior na Irlanda do Norte.
Resolver essa espécie de “sobra” do Brexit era um teste para Sunak. Ele precisa melhorar suas frias relações com a Europa, além de restaurar um governo minimamente funcional na Irlanda do Norte, ao mesmo tempo em que conquista o apoio da ala do Partido Conservador que defende uma ruptura total com Bruxelas.
O funcionamento, a burocracia e os trâmites alfandegários entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte – da compra e venda de remédios a alimentos e maquinário – têm sido um problema grave entre Belfast e Londres, e em maior grau, com Bruxelas.
Políticos unionistas do Ulster não gostaram de como a Irlanda do Norte foi tratada no acordo assinado por Boris Johnson com a União Europeia em 2020. Eles reclamavam que o sistema de controle alfandegário criado para bens vindos do restante do Reino Unido minava a ligação da Irlanda do Norte com a Inglaterra, Gales e Escócia.
Por essa razão, decidiram boicotar o governo de coalizão do território, criando uma paralisia política na região. Ao mesmo tempo, extremistas alimentaram os temores de um retorno da violência sectária. O governo britânico, tentando sair desse impasse, começou a negociar uma saída do chamado protocolo da Irlanda do Norte, o que, por sua vez, irritou a União Europeia e fez com que Bruxelas recorresse à Justiça, acusando Londres de violação de confiança e da lei internacional.
Sunak e Von der Leyen aparentaram estar em sintonia durante reunião em Windsor. Eles trocaram elogios sobre o compromisso e a coragem de selar o acordo. Sunak falou em “um avanço decisivo”. Von der Leyen afirmou que o acordo é histórico e permitirá um novo capítulo entre Reino Unido e União Europeia.
Na esperança de superar o impasse dos últimos anos, o Protocolo da Irlanda do Norte foi rebatizado de Parâmetros de Windsor. Para Von der Leyen, a nova legislação diminuirá drasticamente a burocracia nas trocas comerciais entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte e, ao mesmo tempo, protegerá o mercado comum europeu e seus padrões comerciais.
Para solucionar possíveis disputas sobre o comércio na Irlanda do Norte, Sunak criou a ideia de um “freio de emergência”, que pode ser acionado pelo Parlamento em Belfast apenas em casos significativos, com efeitos graves na vida cotidiana. Nesse caso, a Corte Europeia de Justiça poderia ser acionada, o que desagradou os unionistas.
Acordo de Sexta-Feira Santa
Membros do Partido Democrático Unionista prometeram ler a linguagem do acordo de maneira muito criteriosa e ainda é possível que se neguem a aceitá-lo, o que manteria o governo norte-irlandês paralisado. Ainda não está claro também se a linha-dura do Partido Conservador aprovará a medida.
Quando o Reino Unido era membro da UE, nada disso importava, porque todos podiam participar do comércio livre do bloco. Mas quando o Reino Unido - formado por Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte - deixou a UE, Bruxelas insistiu que algo deveria ser feito sobre a movimentação de mercadorias entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, para impedi-los de entrar na República da Irlanda e, assim, na Europa pela porta dos fundos.
Mas o que isso tem a ver com a paz na ilha da Irlanda? Uma geração atrás, havia uma fronteira rígida e militarizada na Irlanda entre o norte e o sul. Foi removida após a assinatura do Acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998, que pôs fim a 30 anos de conflitos sectários entre católicos e protestantes. A violência levou a 3.500 mortes; a maioria eram civis. Para manter a paz, todos os lados concordaram que era vital que não houvesse uma fronteira rígida entre o norte e o sul e nenhum retorno aos “postos de controle”, mesmo os flexíveis, com uma câmera e um inspetor alfandegário.
O governo Biden e alguns legisladores do Congresso dos EUA alertaram a Grã-Bretanha de que nada em seu acordo do Brexit deve minar o sucesso do Acordo da Sexta-Feira Santa, que completa 25 anos em abril. O irlandês Leo Varadkar chamou o anúncio de segunda-feira de “muito bem-vindo”.
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